O
atual Supremo Tribunal Federal é o mais indigno da história do país. Durante o
regime militar, o STF teve ministros cassados e houve uma alteração imposta
pela força militar para torná-lo um órgão subserviente ao poder armado. O atual
STF não sofre nenhum constrangimento armado, mas resolveu galgar os pináculos
da indignidade por vontade própria. Certamente existem alguns ministros sérios,
honestos e responsáveis. Contudo, seja por decisões coletivas ou seja por
decisões individuais, a fisionomia que o STF foi adquirindo não é a do
tabernáculo das leis, a do guardião da Constituição, mas a de casamata de corruptos,
de golpistas e de criminosos do colarinho branco.
Quando
o colegiado do STF se reúne, não resplandece de lá a luz da razão, a garantia
da imparcialidade, a proteção legal da Nação, a segurança jurídica de um povo.
Nessas reuniões, alguns dos ministros encapotados são expressão de entes
sombrios, fautores de rituais malignos, assumindo o figurino de sacerdotes de
templo luciferiano. Sim, porque dali o bem público não é protegido, os
princípios e fundamentos da Constituição republicana e democrática são
pisoteados e a sagrada função de exercer o controle constitucional dos abusos
dos outros poderes é sacrificada no altar dos conchavos, da promiscuidade e da
servilidade criminosa que se justifica nas teses, igualmente criminosas, da
moderação, da conciliação e da harmonia dos poderes. São teses criminosas porque
são capas ideológicas para disfarçar a falta de direitos para o povo, para
acobertar a extorsão recorrente do Estado que tira dos pobres para dar aos
ricos.
Esse
STF não merece o menor respeito. Como pode ser respeitada uma Suprema Corte
cujos ministros se reúnem na calada da noite com aqueles que devem julgar? Como
merece respeito quando se sabe que alguns ministros assessoram um presidente
ilegítimo e denunciado de cometimento de vários crimes? Como merece respeito
diante do fato de que ministros mantêm relações promíscuas com senadores e
deputados acusados de vários crimes? Como merece respeito em face da omissão
diante de inconstitucionalidades graves de instrumentos legais a serviço da
proteção de corruptos e criminosos? Como merece respeito ao abrir mão de um
princípio fundamental da Constituição e de um direito de ser a decisão em
última instância para salvar o mandato de um senador corrupto como Aécio Neves?
Como merece respeito quando se tem ministros que não tem a cautela e nem a
prudência, não têm o senso de proporção, ao não guardarem distância de
políticos e empresários a quem poderão julgar futuramente? Numa democracia
descente, alguns desses ministros deveriam ser julgados por sedição, por
conspiração contra o Estado.
A
salvação de Aécio Neves é um caso emblemático, já que ele expressa o apogeu da
indignidade do STF. Naquele ato, o STF não atravessou o Rubicão, pois quando
Júlio César o atravessou, foi um ato de coragem. A salvação de Aécio foi um ato
de covardia. Foi como se a maioria dos ministros, presididos pela sacerdotisa
do mal, abrisse as portas da cidadela para que os corruptos a tomassem sem
luta, como se fossem convidados e entrar amigavelmente.
Aquela
decisão abriu as portas para que deputados estaduais e vereadores criminosos se
sentissem protegidos pelas suas Casas, por raciocínio análogo. A escandalosa,
criminosa e inconstitucional libertação dos três deputados no Rio de Janeiro,
por decisão da Assembléia Legislativa, está implicitamente autorizada pelo ato
de salvação de Aécio Neves, mesmo que naquela resolução a extensividade para as
instâncias inferires dos Legislativos não esteja escrita. O fato é que o STF
transformou o poder político em poder judicial, destruindo o sentido manifesto
da Constituição republicana.
O
STF tornou-se a casa da incoerência: o que valeu para Delcídio, não valeu para
Aécio e o que não valeu para Aécio agora poderá valer para deputados estaduais
e vereadores. O STF é uma casa anarquizada: não há regra clara para definir as
questões que podem ser julgadas por um ministro, por uma turma ou pelo pleno. O
STF é a casa da protelação: um ministro pode pedir vistas a uma questão em
julgamento sem nenhum prazo para o seu retorno. Assim, as vistas se tornaram
ardis inescrupulosos, usados por ministros para atender interesses forasteiros
e inescrupulosos de políticos, de empresários, de grupos econômicos.
Veja-se
o escandaloso caso do pedido de vistas do julgamento do Foro Privilegiado,
feito pelo ministro Dias Toffoli. Ele alegou ter dúvidas sobre o tema. Ora, Toffoli
foi nomeado ministro em 2009. Será que de lá para cá não percebeu que o Foro
Privilegiado é uma excrescência, um câncer da nação, um tridente empunhado por
políticos e autoridades corruptos para garantir a sua impunidade? Sim, Toffoli,
que se tornou ministro com méritos e virtudes duvidosos, deve saber disso. Mas
decidiu usar uma espécie de experiente de obstrução, não cumprindo com o dever
de dar celeridade e agilidade a um caso de alto reclamo popular. Toffoli é pago
pelo erário do povo e o STF custa caro ao povo. É indigno, vergonhoso, usar
esses expedientes para protelar decisões, criar ineficiência e proteger
corruptos.
A falsa tese da
independência dos poderes
A
esperteza corrupta e escorchante das elites brasileiras e dos seus áulicos
intelectuais criou a tese da independência e harmonia entre os poderes, algo
que nunca foi um princípio da Constituição republicana moderna. Na verdade, o
fundamento dessa Constituição é o da separação do poder em três ramos distintos
e a definição de equilíbrios, pesos e contrapesos na relação entre esses três
ramos, com a ingerência parcial de um poder no outro. Assim, a relação não é de
independência e nem de harmonia. É de conflito e de controle mútuo. Existe
vasta teoria sobre o assunto e basta ler os seus formuladores, destacadamente
Montesquieu e, particularmente, os Federalistas.
O
que espanta, no caso da crise brasileira, é que analistas de direita e alguns
de esquerda se unem para defender a tese da independência dos poderes, que se
traduz em tese da impunidade e de proteção de corruptos. Curiosamente, os
analistas de esquerda que assumem essa excrescência acusam os militantes dos
partidos de esquerda que defendem a punição do corruptos, a exemplo de Aécio e
dos deputados peemedebistas do Rio de Janeiro, de serem moralistas ingênuos
etc.
A
exigência de moralidade pública é um preceito das Constituições republicanas e
democráticas, uma demanda ética e moral da sociedade e um dever daqueles que se
dispõem a servir o bem público. A corrupção é a negação do Estado Democrático
de Direito, é incompatível com um posicionamento de esquerda e não pode ser
aceita por aqueles que pugnam por uma sociedade mais justa, igualitária e
livre.
A
corrupção é uma podridão que apodrece as condutas, a eficiência e a prudência
de quem governa. Nenhum governo corrupto se habilita para produzir inovações
reformadoras profundas, nem o progresso e a grandeza dos povos e das nações. A
corrupção, em todos os tempos, afundou os líderes no lodo da indolência,
produzindo a desorganização dos Estados e a miséria dos povos.
Estados
e governantes corruptos não geram a confiança necessária nas sociedades, o que
termina gerando o extravio dos governos e das políticas públicas. Nenhum
governo é bem sucedido se carece da confiança social. Ser corrupto é
roubar o que é do povo, o seu remédio, a sua saúde, a sua educação, a sua
cultura. Numa democracia séria, os corruptos não podem governar e políticos
corruptos devem parar na cadeia.
A
militância de esquerda não pode confundir o combate necessário que se deve
fazer a setores do Judiciário pela sua ação parcial e persecutória contra Lula
com a necessidade de combater a corrupção. Diante do governo mais corrupto da
história do Brasil, diante do PMDB que é um lodaçal de corrupção, diante da
impunidade de Aécio Neves e diante das tragédias e ineficiências que a
corrupção gera, a militância de esquerda deve empunhar a bandeira de combate a
corrupção, pois ela é o grande mal que apodrece todas as repúblicas e mantém os
povos na pobreza, sem acesso aos direitos fundamentais e aos bens básicos.
Aldo
Fornazieri - Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).
GGN