Mostrando postagens com marcador juiz de primeira instância. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador juiz de primeira instância. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 17 de julho de 2017

Amaral: Tribunal da Globo condena Lula pela segunda vez

A matéria do Fantástico (16/07) sobre a sentença do juiz Sergio Moro confirma a sórdida aliança entre a Rede Globo e a Operação Lava Jato para atacar o ex-presidente Lula. Em 13 minutos de massacre midiático, a Globo tentou empurrar ao público uma grande mentira: a de que a sentença teria sido baseada em provas, não apenas em teses dos procuradores e convicções do juiz.

O esforço de propaganda não muda a realidade: Lula foi condenado sem provas. A defesa demonstrou que o tríplex do Guarujá sempre pertenceu à OAS e tem seus direitos econômicos alienados a um fundo gerido pela Caixa. E a acusação não provou qualquer relação entre Lula e os desvios da Petrobrás, algo  ignorado tanto pela sentença quanto pelo Fantástico.

Mas a Lei de Moro baseia-se fundamentalmente em condenar por meio das manchetes, não do Direito. A Globo sabe que a sentença é frágil e não deve prosperar em instâncias mais sérias do Judiciário; a não ser que seja amparada por uma forte campanha de mídia. Por isso armou seu próprio Tribunal, que absolve Moro de seus muitos erros e condena Lula sem apelação.

O Tribunal da Globo funciona como um espetáculo de ilusionismo. O mágico usa uma série de truques para distrair a plateia (cortinas de fumaça, jogos de luz, dançarinas, tambores) e, ao final, o que não era passa a existir no palco, pois as mãos do mágico são mais rápidas que os olhos da plateia.

No Fantástico, o truque do mágico é distrair o público lançando ao palco o contrato regular com a cooperativa que iniciou o projeto (não com a OAS), um papel rasurado (por quem?) e sem assinatura, um par de notas fiscais da loja de móveis, as falas de 2 réus que contradizem 73 testemunhas; é ocultar a defesa de Lula para encerrar o número com seu veredito ilusório.

A matéria não mostra nada que prove, de fato, que o apartamento foi dado a Lula ou que ele tenha recebido qualquer vantagem, em dinheiro ou de outra forma. Nada que o relacione aos desvios da Petrobrás. Mas na falta de material  substantivo, o Tribunal da Globo emprega adjetivos para sentenciar que há provas “documentais, periciais e testemunhais”.

O Fantástico valeu-se, mais uma vez, dos recursos narrativos, visuais  e dramáticos que caracterizam o jornalismo de guerra da Globo.  A palavra dos repórteres e apresentadores (só aparentemente neutra) é reforçada pela reprodução de trechos da sentença, de modo a aumentar artificialmente sua credibilidade.

A narrativa contra Lula é sobreposta por imagens da fachada do prédio, fotos internas do apartamento, cenas de prisão e de depoimentos, imagens fora de contexto do próprio Lula e de dona Mariza. São cenas da vida real utilizadas para embalar o enredo de ficção que se quer transmitir ao público.

Dois “especialistas” são chamados a interpretar unilateralmente a sentença, poupando repórteres e locutores do serviço mais sujo. Ganharam seu minutos de glória e garantiram vaga na longa lista de comentaristas amestrados da imprensa. A Globo, naturalmente, não mostrou “especialistas” que pensam diferente de Moro.

A fala do advogado de Lula, encaixada ao final da matéria e sem direito a recursos cênicos, torna-se mera formalidade após dez minutos de convencimento do público por meio de “provas”, imagens e falas dos “especialistas”. Na Globo, o jornalismo de guerra dá-se ao requinte de registrar o “outro lado”, mas só depois que a vitória parece assegurada.

O Tribunal da Globo condenou Lula pela segunda vez, ignorando as provas de sua inocência e antecipando o que espera ser a decisão dos tribunais superiores. O truque do Fantástico será repetido mil vezes, até que a mentira se pareça com uma verdade, completando o ciclo midiático-judicial da Lei de Moro.

A intenção da Globo é convencer o público de que Lula está fora do jogo eleitoral, sem aguardar o pronunciamento das instâncias superiores. Esperam colher o resultado nas próximas pesquisas. Mas mesmo que elas apontem perda de intenção de voto, Lula permanece vivo e representa o mais forte sentimento das ruas: o desejo de mudança, para que o país volte a crescer e gerar empregos.

Por isso, em outra frente, editoriais e colunistas da Globo pressionam o Judiciário a acelerar o processo e antecipar o desfecho da longa caçada ao ex-presidente Lula. Afinal, quem pode prever como estarão o país e as pesquisas daqui a um ano? Qual o nome, qual o projeto que os golpistas terão para apresentar até lá? Não tenho dúvidas: o Tribunal da Globo continuará em sessão até conseguir tirar Lula das eleições, ou até ser derrotado pelo voto popular.

GGN, por Ricardo Amaral

segunda-feira, 10 de julho de 2017

Armando Coelho Neto: O golpe está nu, mas Dallagnol e Moro ainda estão de bermudas


O golpe está nu, mas Dallagnol e Moro ainda estão de bermudas

Depois do “Caso Aécio”, quem me chamou de doutrinado virou pó. Este seria o título daquilo que seria o texto de hoje, movido por mais um controvertido capítulo daquela que, não se sabe a razão, ainda chamam de Corte Suprema. Seria sobre o retorno de Aécio Neves (PSDB) ao senado, de onde, por princípio constitucional, não deveria ter saído. Pelo menos no que diz respeito à forma, devido à clara invasão de poderes. Bom lembrar que há pouco tempo, a mesa diretora do Senado ignorou ordem do ministro Marco Aurélio Melo e não afastou Renan Calheiro (PSDB), que não arredou o pé e nem foi arredado de onde estava. Sim, Marco Aurélio, que monocraticamente queria afastar Renan, mandou monocraticamente Aécio voltar, porque a decisão de afastar foi monocrática, entre outros argumentos.​

quinta-feira, 6 de julho de 2017

Lenio Streck: A esquizofrenia das teorias da prova no caso Lula

Recentemente, o conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) Valter Shuenquener concedeu liminar para anular a questão número 9 do 54º concurso público para promotor de Justiça do Estado de Minas Gerais. Razão: a pergunta versava sobre coisa exóticas chamadas “teoria da graxa” e “estado vampiro”. Esse tipo de questão mostra a esquizofrenia do direito e do ensino jurídico no país.

Pois parece que o recado do CNMP não retumbou em certas teorias – bem exóticas - utilizadas pelo Ministério Público Federal nas alegações finais subscritas recentemente no processo criminal movido contra o ex-Presidente Lula. Qual é o limite ético do uso de determinadas teses, tratando-se de uma Instituição que deve ser imparcial (MP deveria ser uma magistratura) e zelar pelos direitos e garantias dos cidadãos e da sociedade? Eis o busílis.

É possível, na ânsia de condenar, jogar para o alto tudo o que já se ensinou e escreveu nas mais importantes universidades do mundo sobre a prova?  O que diz o Procurador? Vamos lá. “As duas mais modernas teorias sobre evidência atualmente são o probabilismo, na vertente do bayesianismo, e o explanacionismo. Não é o caso aqui de se realizar uma profunda análise teórica delas, mas apenas de expor seus principais pontos, a fim de usar tal abordagem na análise da prova neste caso”. (grifei) E ele explica: “Muito sucintamente, o bayesianismo, fundado na atualização de probabilidades condicionais do Teorema de Bayes, busca atualizar a probabilidade de uma hipótese com base em evidências apresentadas. (...).”  Bom, dizer que são as duas mais modernas teorias da prova é porque o Procurador quer. Faltou só colocar a fórmula do Teorema de Bayes, que, se colocado aqui, arrepiaria os cabelos dos juristas.

Em vez de apresentar provas concretas, o Procurador usa teoria que fala de “paradoxo de injunções”. Deve ser esse o busílis do teorema aplicado à teoria da prova. Fico imaginando o juiz dizendo: “ - Condeno o réu porque o Pr(A), na conjunção com o Pr(AB) deu 0,1. Isso porque a probabilidade a posteriori indicava que Pr(B-A) era inferior a Pr (B+). Perdeu. A casa caiu; a pena aplicada é de x anos”.

Mas a peça é ornamentada com mais uma “teoria jurídica”: O explanacionismo, que “tem por base a lógica abdutiva, desenvolvida por Charles Sanders Peirce no início do século XIX (...)”. Na verdade, o signatário errou de século. Mas, OK. Depois mistura Sherlock Holmes, Umberto Eco. Segundo a peça processual, “ na linguagem explanacionista, a hipótese fática H que é tomada como verdadeira é aquela que melhor explica a evidência E, ou o conjunto de evidências do caso. (...) Combinando o explanacionismo com o standard de prova da acusação, que se identifica como a prova para além de uma dúvida razoável, pode-se chegar à conclusão quanto à condenação ou absolvição do réu”. (sic)

Pronto. Sherloquianamente, a partir do explanacionismo, chega-se à conclusão de que... de que, mesmo? Ou seja: Lula pode ser condenado porque a hipótese fática H foi tomada como verdadeira pelo MPF porque é a que melhor explica a evidência E. Bingo. Não questiono a importância de Bayes,  explanacionismo e quejandos. Mas daí a substituir provas, vai uma distância enorme.


Temos de levar a sério a teoria da prova. Ministério Público não pode querer disputar com a defesa em um “perde-ganha”. Ou tem provas ou não tem. Não pode inventar. Se o Procurador que firmou a peça perguntar isso em um concurso, o CNMP anula. Por exotismo.

GGN, por Lenio Streck – ex-Procurador de Justiça-RS, Doutor em Direito e advogado.

terça-feira, 4 de julho de 2017

Lava jato: É proibido jogar amendoim, por Luis Nassif

Deltan Dallagnol afirmou que os cachês das palestras de 2017 foram doados para um fundo anticorrupção. Jamais comprovou a afirmação, sequer deu o nome do fundo, o CNPJ. Depois, mudou o discurso. Disse que estaria doando, agora, para a APAE (Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais) do Paraná, entidade que nunca primou pela transparência.

Todas as ações jurídicas das APAEs do Estado eram transferidas pela diretora jurídica, esposa do juiz Sérgio Moro, ao advogado Marlus Arns, sobrinho de Flávio Arns que, por sua vez, como Secretário de Educação do Estado, transferiu R$ 450 milhões para as APAEs paranaenses.

Posteriormente, Marlus tornou-se advogado dos casos milionários de acordos de delação. E muitos dos procuradores e delegados da Lava Jato passaram a dar aulas em curso de direito à distância, do irmão de Marlus.

Agora, o grupo da Lava Jato se apresenta como atração circense, prometendo doar a arrecadação para a APAE.

E não há um movimento sequer dos seus colegas do MPF, da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) contra esse movimento de folclorização da profissão.

GGN

segunda-feira, 3 de julho de 2017

Nem Sir William Walker, nem Zé Dolores, Moro está entre Calabar e Silvério do Reis a serviço Americano

Queimada! Não sei por que, lembrei de Sérgio Moro e da TV Globo, por Armando Coelho Neto
Pregar a revolução nas colônias de Portugal e Espanha foi a missão dada pela Inglaterra para Sir William Walker. Ele deveria encontrar um escravo corajoso capaz de liderar e convencer outros a lutar contra os portugueses. Esse grupo de revolucionários receberia todo apoio, inclusive financeiro. Dirigido pelo engajado Gillo Pontecorvo, eis parte do enredo de Queimada (1969), filme estrelado por Marlon Brando. Num misto de ficção e realidade, ambientado numa fictícia ilha caribenha, o longa metragem é inspirado na história do Haiti. Na prática, a obra é um manual de tramas, manhas e artimanhas do submundo capital e, ao mesmo tempo, se revela um manual de doutrinação política.

Traições, corrupção, delações, “ganha, mas não leva”, além de jogo sujo fazem parte da trama, entre outros ingredientes. Entretanto, um dos pontos mais interessantes é quando o desempenho do líder nativo (consentido), José Dolores, vai além dos interesses do “poder obscuro”. Nesse ponto, entra em debate - o que fazer com ele? O que seria melhor? Prender, matar ou deixar vivo, mas desmoralizado? E se ele se transformar em mito e sua história inspirar mais povos igualmente explorados? O que aconteceria com as outras ilhas do Caribe?. Sem saída aparente, optam pela prisão e destruição da imagem daquele líder. A ilha de Queimada é atrasada e partir daí começa uma “campanha” para convencer o povo de que a fome, os mortos e os feridos, além da queima do canavial (principal fonte de renda da ilha) é culpa de Dolores. Isso reporta o leitor a algum fato?

 “Queimada” é atual, sobretudo quando comparado aos financiamentos e armamento de grupos rebeldes em várias partes do mundo. A título de “ajuda”, financiadores incentivam rebeliões nativistas, quando na verdade estão a serviço de grandes potências (John Perkins no Youtube ilustra bem). Com esse perfil, tem razão quem compara a obra aos bons vinhos. Quanto mais tempo passa, mais encorpa e ganha conotação presente. A reflexão sobre o Brasil atual é inevitável. Sobretudo quando no curso do filme, um interlocutor reclama: nos prometeram uma ilha e estão entregando uma terra destruída, arrasada. A resposta foi inequívoca: os portugueses fizeram isso e a dominaram por três séculos. Encontrar semelhança com a destruição proposital e calhorda da economia brasileira é inevitável.

Não, leitor. Fazer resenha de cinema não é intenção e, propositadamente, diálogos importantes e algumas referências são omitidos, inclusive o final. A ideia é lembrar Karl Marx, pois está clara a repetição como farsa de uma tragédia ocorrida nos tempos coloniais. O enredo do filme permite, aqui ali, a identificação de personagens centrais da Farsa Jato, cujo propósito até hoje não foi revelado, ainda que haja fortes indicadores de que emissários vieram ao Brasil para patrocinar o golpe de estado que estrangula o país. Os delegados da Polícia Federal sabem bem disso, pois muito antes do golpe, já discutiam nos grupos internos da categoria que a solução, leia-se, o “Fora Dilma e leve PT junto” viria com apoio dos Estados Unidos.

A ficção cinematográfica abre espaço para divagações concretas, quando o observador envolvido pela trama começa a fazer associações. Um mesmo personagem pode ser interpretado ou comparado com outros. No filme, há um líder fabricado, incentivado a defender os interesses de seu povo, e, para tanto, recebe indicadores, recursos e estratégias. Na realidade Brasil não há um líder naquela condição, mas sim um “ídolo” fabricado, um “encantador de burros”, que na vida real encarna o papel de o papel de Sir William Walker. É ele quem está a serviço de interesses internacionais, mas estimula o discurso nacionalista que infla os patos da Av. Paulista e Copacabana. O líder de Queimada não sabe que é usado, já o “ídolo” do Brasil Terra Arrasada sabe bem o seu papel e o exerce com crueldade.

No Brasil do golpe há uma liderança real, apontada até por pesquisas – Luís Inácio Lula da Silva, grande o alvo do Sir William Walker tupiniquim, que não lhe dá sossego. Sir, a serviço da Inglaterra, ou melhor, Estados Unidos, se encarregou destruir a imagem de Lula a qualquer preço. E não está nem aí com a queda do preço do açúcar, digo, do petróleo – grande referência do patrimônio nacional. Lula vive sob bombardeio e campanha de descrédito, de forma que para o Sir caboclo surge a mesma indagação – o que seria melhor? Prender, matar ou deixar vivo, mas desmoralizado? Diante da indagação, não há delírio do espectador, se fizer a mesma comparação com José Dolores da ficção.

Há mais coisas a serem confrontadas entre a ficção e a realidade. A culpa pela devastação ocorrida na ilha de Queimada é atribuída a José Dolores e o mesmo acontece com o Brasil Terra Arrasada de hoje. A legítima Presidenta Dilma Rousseff foi responsabilizada até por buraco de rua. Sim, não se pode excluir, evidentemente, o seu papel e do Partido dos Trabalhadores no que possa ter concorrido para a crise econômica. Mas, também é fato que a potencialização da crise por intermédio dos meios de comunicações fazia parte da estratégia do golpe. Afinal, a ilha de Queimada já estava prometida aos ingleses, ou melhor, o Brasil já estava empenhado pelos golpistas aos interesses internacionais. 

Eis que, após revisitar o filme Queimada!, não sei por que me lembrei de Sérgio Moro e da TV Globo...

Do GGN

sexta-feira, 9 de junho de 2017

A convicção do Juiz não é alcançada pelo mecanismo de controle do contraditório, Manoel Volkmer de Castilho

O processo penal está repleto de regras de procedimento, de tratamento das partes, da igualdade e de preceitos relativos à aplicação das penalidades cabíveis. Tais comandos naturalmente prestam reverência aos princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório processual e do devido processo legal, no sentido de que essas são medidas inafastáveis em caso do cidadão ser levado à Justiça Criminal, particularmente quando a lide penal se refere a episódios da chamada Operação Lava-jato e diz respeito ao ex-Presidente Lula.

Essas garantias, entretanto, reduzem-se muito na proporção em que os aplicadores da lei penal, em especial órgãos do ministério público e juízes se deixam persuadir por ideias próprias ou as professam deliberadamente, em particular quando encorajadas por fatos ou atos recolhidos na instrução processual.

Pesquisas recentes, aqui e no exterior, têm dado conta de que a magistratura é formada por juízes recrutados de determinadas camadas sociais cujos condicionamentos de classe, de família, de religião, de formação, de convicção politica-ideológica – o que são fenômenos normais e previsíveis – muito seguidamente infiltram em seus julgados pressupostos (não necessariamente ilegítimos), mas claramente insuscetíveis de controle por contraditório, pela ampla defesa, vulnerando dessa forma o devido processo legal substantivo.

A esse respeito, a Revista do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (o mesmo que vai ler as provas e decisões desse processo criminal) produziu e publicou no seu número 31(07/1998) os resultados de uma pesquisa entre os magistrados (e o padrão encontrado a despeito das alterações pontuais aparentemente mantem-se, bastando conferir pesquisa realizada em 2014 pelo Conselho Nacional de Justiça com resultados no site respectivo).

O magistrado dessa Região era majoritariamente urbano, masculino, branco, de classe média/média alta, com família organizada e bens próprios, a indicar que seu perfil e extrato social poderiam ser facilmente identificados e rastreados e, com a mesma facilidade, os condicionamentos a que sua educação, instrução e atuação profissional ficaram seguidamente expostos.

Esse importante fator processual, nada obstante as ditas garantias constitucionais, não é alcançado pelo mecanismo de controle do contraditório ou dos recursos cabíveis, e assim, ao menos por essa perspectiva, o demandado, o acusado ou o réu, não têm como questionar ou defender-se, sobretudo quando, sem integrar o universo sociocultural dos “operadores do direito”, dele seja, ao contrário, crítico ou adversário.

Ora, a coleta da prova material, a orientação das inquirições das testemunhas, as do próprio interrogatório do réu e tantas outras medidas de natureza processual, e em especial as de cunho cautelar ou restritiva e limitativa de direitos, naturalmente se sujeitam a esse quadro de contingências subjetivas do magistrado para os quais a lei processual não oferece resposta formal.

A instrução processual, de outra parte, constitui, observadas as regras correspondentes, o método legal de formação da convicção do juiz que, por  essa razão, logicamente não se esgota numa suposta “livre apreciação da prova” embora o texto da lei ainda a abriga de modo antiquado (art. 155 CPP), a despeito de hoje por certo desqualificada, senão pela doutrina seguramente pela evidência de que afronta as garantias constitucionais.

Além disso, o conjunto dos elementos de prova pode propor uma conclusão afirmadamente objetiva, mas será indiscutivelmente será também apoiada em pressupostos e condicionamentos subjetivos os quais por sua vez podem inserir-se involuntária ou deliberadamente na formação das convicções do Juiz.

Nessa linha de compreensão, a sentença de mérito vai refletir as convicções formuladas à base desse mesmo conjunto probatório assim como  vai reproduzir os ditos condicionamentos de classe, de formação, de família, religião e, em muitos casos, os de caráter político-ideológico que ajudaram a construção da prova e das convicções dela resultantes.

A questão, todavia, não é simplesmente demonizar tais fragilidades que de qualquer sorte tendem a sobreviver pois não há cultura, política ou posições ideológicas “puras” enquanto obra humana. Entretanto, se essa é um universo  em que necessariamente se movimentam os agentes do processo é essencial que tais condutas sejam sempre e invariavelmente submetidas ao escrutínio do debate público ainda que seu critério de convencimento -- conquanto desprovido dos elementos da prova processual -- não é distinto daquele que empregam juízes e membros do ministério público na formulação de juízos condenatórios e, no caso, ainda enriquecido pela variedade e diversidade.

Resolver esse dilema perpétuo que se instala na causa penal principalmente nos casos de repercussão, reclama ao menos duas diretivas.

Uma, de que na análise de qualquer dos fatos, atos ou circunstâncias da causa penal, sempre e incondicionalmente, qualquer dúvida ou inconsistência seja obrigatoriamente interpretada em favor do réu ou acusado, pois essa é uma consequência igualmente obrigatória da salvaguarda constitucional da presunção de inocência ou da não culpabilidade, até o trânsito em julgado, observado em qualquer hipótese o processo justo.

Outra, a de que ao magistrado condutor do processo, também por essa superior razão constitucional, deve, sempre e invariavelmente, despir-se de suas condições pessoais mediante autocritica reiterada e, portanto, como requisito mínimo desse despojamento obrigatório, oferecer à parte demandada, garantindo-as, todas as oportunidades de manifestação e de participação nos atos do processo.

Tanto é certo isso quanto é certo ser ilimitada a disposição constitucional garantidora do exercício da ampla defesa donde remanesce claro que não há paridade de armas no processo penal se se leva as garantias constitucionais do réu às consequências logicamente compatíveis.

O nosso regime processual penal constitucional é, ou deve sê-lo, declaradamente em favor do réu e a jurisprudência histórica da Alta Corte do país tem seguido essa concepção de justiça processual exatamente porque sendo muitas e imperceptíveis as variáveis na formação e formulação da convicção dos magistrados criminais, cabe controla-las através da intransigência no rigor da produção das provas e da benevolência na interpretação delas em respeito à presunção da inocência, donde ressai que a condenação de alguém não resultará de convicções senão de certezas objetivas e que ante a menor dúvida irrelevam.

As razões finais do órgão do Ministério Público Federal no Caso Triplex, dadas a público há poucos dias e que vão subsidiar a decisão judicial, quando submetidas a esse quadro de considerações, ao invés do pretendido pela acusação, ressaltam a procedência dessas criticas.

Afirma-se no resumo introdutório das razões que “[e]m vez de buscar apoio político por intermédio do alinhamento ideológico, LULA comandou a formação de um esquema criminoso de desvio de recursos públicos destinados a comprar apoio parlamentar de outros políticos e partidos, enriquecer ilicitamente os envolvidos e financiar caras campanhas eleitorais do Partido dos Trabalhadores – PT em prol de uma permanência no poder assentada em recursos públicos desviados. A motivação da distribuição de altos cargos na Administração Pública Federal excedeu a simples disposição de cargos estratégicos a agremiações políticas alinhadas ao plano de governo. Ela passou a visar à geração e à arrecadação de propina em contratos públicos.”.

E mais adiante,

“Os presentes autos partem da revelação de um cenário de macrocorrupção para além da PETROBRAS, no qual a distribuição dos altos cargos na Administração Pública Federal, incluindo os das Diretorias da PETROBRAS, funcionava como instrumento para a arrecadação de propinas, em benefício do enriquecimento de agentes públicos, da perpetuação criminosa no poder e da compra de apoio político de agremiações a fim de garantir a fidelidade destas ao governo federal, liderado à época por LULA. Nesse contexto, a distribuição, por LULA, de cargos para políticos e agremiações estava, em várias situações, associada a um esquema de desvio de dinheiro público e pagamento de vantagens indevidas. Trata-se de um complexo esquema criminoso praticado em variadas etapas e que envolveu diversas estruturas de poder, público e privado”

Como a denúncia em apreciação refere tão só o episódio do apartamento Tríplex, a guarda de volumes e correlatos, tais conjeturas  tentam buscar consistência a partir de diversas afirmações oriundas de “delação premiada” em outros processos que notoriamente envolvem comportamentos de caráter estritamente político ou de cunho administrativo externos aos fatos em questão nesta causa.

Como evidenciado pelo conjunto dos fatos desse modo reunidos, é inviável destacar um de outro ato do então Presidente da República no correspondente campo de atuação, de modo que a deliberada generalização, como mostra o texto acima reproduzido, além de converter-se em pressuposto indiscutível a iluminar as ponderações subsequentes, transforma ex-Presidente, por definição, em “vértice comum dos casos de corrupção”.

Assim apropriadas pelo MPF, resulta daí um complexo de condutas interelacionadas com grande número de outros envolvidos e outros interesses diversos, que passa a ser severamente perturbador de uma instrução límpida, clara, e objetiva, bastando ver, pela voz do próprio MPF que são crimes de difícil elucidação onde a lógica comum autoriza a atenuar a rigidez da valoração e a maior elasticidade na admissão da prova de acusação.

Esse quadro pré-valorizado e pleno de pressupostos subjetivos revela de modo claro a insistência dessa generalização que, inclusive, termina por responsabilizar o réu pela “devolução” de R$ 87.624.971,26 embora tenha supostamente recebido e lavado tão só R$ 3.738.738,01.

Ora, conquanto em determinadas situações criminosas seja admissível aceder a uma flexibilização como ponderado pela acusação, no ambiente de disputa eleitoral ou marcadamente politizado, ao contrário, essa inteligência acaba revestindo-se de um caráter autoritário em tudo contradizendo as garantias e direitos do processo penal democrático.

Aliás, toda a construção acusatória, diz-se confessadamente indiciária e, à base da afirmação de que são crimes de difícil elucidação, propõe implicitamente, na prática, uma virtual e injusta inversão do ônus da prova. De fato, pela invocação de “teoremas” ou “teorias” racionalistas impregnadas de ideias de origem anglo-saxônica, estranhas ao nosso costume e história, destinados a justificar teoricamente uma condenação, tais indícios bastariam sem prova real precisa.

Contudo, mesmo a pretendida probabilidade, para além do standard de uma “reasonable doubt,” a legitimar em certos casos as presunções e indícios, aqui não se compadece com o regime constitucional brasileiro, dados os limites expressamente referidos no art. 5º da Carta, de acordo com os quais o pressuposto para uma condenação criminal justa é a ausência de dúvida e a necessidade de certeza objetiva, tanto que aplicação das teorias de domínio do fato ou de culpa objetiva, no campo penal, em geral, afrontam diretamente os fundamentos éticos e axiológicos do regime adotado pelo direito brasileiro.

Resumindo, a presunção de autoria pelo domínio do fato e a certeza da materialidade, autoria e dolo, decorrentes apenas de indícios, ao revés, na verdade completam um quadro de violação de direito.

É que, percorrendo as 300 e tantas páginas das razões finais da acusação não fica claro em momento algum qual a exata e efetiva conduta do ex-Presidente, com autoria, materialidade e dolo precisamente descritos e provados que caracterizassem a figura típica da corrupção passiva e a lavagem de ativos, de pouco valendo as referências a casos julgados pelos Tribunais pois quando vistos de perto são distintas as condutas de cada caso, e não há, no adágio popular, dois casos iguais.

Ademais, a suposta lavagem de ativos (de suposto crime anterior de corrupção) convertidos em um apartamento supõe a titularidade do imóvel mas até o momento não se esclareceu jurídica e formalmente sequer do ponto de vista civil a propriedade do mesmo que, é intuitivo, se prova pela transcrição ou registro e matrícula respectivos.

Por isso, as seguidas indicações na peça em questão de que o ex-Presidente “orquestrou o esquema de arrecadação de propinas” e ainda “atuou para que seus efeitos se perpetuassem” porque era ele o responsável pelo provimento e distribuição de cargos da administração pública, “voltados a perpetuação no poder”, e adiante descrevendo as diversas movimentações político-partidárias como se fossem única e exclusivamente manobras da “organização criminosa”, constitui expediente para envolver e transformar condutas singelas provocando repercussão artificiosa.

Não se trata de negar fatos ou evidências delituosas e até mesmo circunstâncias conhecidas e provadas de caráter indiciário (art. 239 CPP) que por certo existiram, impõe-se, todavia, recusar a simplificação e a generalização baseadas em premissas elas próprias fundadas em suposições derivadas de suas conclusões, de resto ainda exaradas em tonalidade raivosa e agressiva, quiçá revanchista.

Talvez por isso tenha o réu razão ao afirmar que não é ele que está em julgamento mas seu governo, e pelo modo com que as razões finais do MPF se referem aos fatos e os relacionam sempre a uma “organização criminosa” extrai-se a sensação notória de que, acusações e suspeitas, convergem para uma crítica condenatória à pessoa do titular da Presidência na impossibilidade de atingir sua administração o que, descabido nessa fase, de qualquer sorte requereria mais e melhores razões.

Essa ilação, repita-se, torna-se tanto mais evidente (e por isso questionável) quanto, ao longo dessas 3 centenas de páginas, é perceptível a insistência do MPF na menção e referencia a condutas relacionadas com outros casos, em outras circunstâncias e envolvendo outras pessoas, com isso mostrando muito pouco do caso ora em apreciação seja com respeito ao apartamento do Guarujá, seja da guarda dos pertences presidenciais, sejam ainda outros episódios correlatos raramente mencionados ao longo da peça, o que mostra ser propósito deliberado da acusação, mais do que condenar o réu, destruir seu patrimônio politico e a história da sua administração – aliás, passando assim inconstitucionalmente da pessoa do réu -- ao invés de propor a ação penal pessoal, clara, precisa, democrática e pleitear uma sanção penal justa de uma conduta individual certa e imputável. 

Todo esse espiolhar de ilicitudes no afã de incriminar o réu não se amolda ao regime constitucional processual e penal sempre resguardados pela presunção de inocência e protegidos pelos direitos constitucionais de ampla defesa e contraditório útil mediante devido processo legal justo.

  Cuida-se, pois, não de exculpar rasamente os réus mas de expungir das acusações esse ranço politico e ideológico em que se transformou a operação policial cada vez mais concertada em juízo como uma verdadeira “caça às bruxas”.

Esse não é um processo que legitime um veredicto justo e não é assim que se constrói a convicção do juiz.

Do GGN, Manoel Lauro Volkmer de Castilho - é Juiz do TRF 4ª Região aposentado; ex-Consultor-Geral da União

segunda-feira, 5 de junho de 2017

Armando Coelho Neto Rodrigues: “Moro sabia”. Contradições da subjetividade do saber

“Moro sabia”. Contradições da subjetividade do saber

Por mais de três décadas servi à Polícia Federal. Entre as diversas atividades, estivemos à frente de uma delegacia, cujos agentes, sob nossa responsabilidade iam para as ruas com Ordens de Missão de nossa unidade. Conforme determinações, tinham o dever de realizar diligências x ou y. Em outras palavras, iam para as ruas em nome do que era correto, legal, escrito na ordem recebida. O resultado do trabalho deles era examinado por outros profissionais. Estes, por sua vez, frente a um trabalho em aparente conformidade da lei, emitiam pareceres que serviriam de suporte para emissão de certificados que eram assinado por pelo chefe da unidade. No caso, este escrevinhador. Isso significava, em muitas vezes, quase mil assinaturas.

Era humanamente impossível um único servidor entrar em pormenores das centenas de relatórios produzidos por aqueles agentes externos e internos, de forma que, se na origem, alguma ilegalidade fosse cometida no meio da rua não seria de nosso conhecimento. Desse modo, como regra, trabalhávamos todos “Em confiança”, partindo do princípio de que todos estavam trabalhando corretamente. Uma conferência por amostragem estava longe de evitar que falhas ocorressem - graves ou não. Para nossa felicidade, nada ocorreu que precisasse ser objeto de investigações, punições. De qualquer modo, convenhamos, não é a regra.

Imaginem, por exemplo, que um dos agentes resolvesse pedir ou exigir dinheiro em nosso nome para obter certificado? E se ele recebesse? E se ao receber ele abrisse uma conta no nome dele? E se ele próprio fizesse depósito e retiradas e dissesse que o dinheiro era para o chefe da delegacia? Indo mais longe, vamos presumir que ele tivesse uma agenda, fizesse retirada e anotasse como se fosse para o seu chefe? Indo mais longe, vamos supor que isso fosse uma prática corriqueira de muitos anos. Um chefe de delegacia, que mal conseguia analisar todos os processos, precisava assinar em confiança, teria condições de conhecer particularidades da vida do servidor corrupto?

A citação ao micro universo que conheci, dentro da Polícia Federal, vem a propósito das reiteradas afirmações do ex-presidente Lula quanto às “meninices” praticadas pelos representantes do Ministério Público Federal. Para ele, típicas demonstrações de inexperiência, falta de intimidade com a rotina da Presidência da República, tais como escolha de ministros, aprovação de projetos, etc. O fato é que alheios a tais práticas, vem levando os oficiantes da Farsa Jato cometerem aberrações interpretativas, baseadas em sofismas com resultado dedutivo primário. Deduções precárias e fanfarrônicas que eclodiram com a tal teoria do domínio do fato.

Na medida em que se parte de raciocínios tão primários, permito descer a esse primarismo para lembrar um engenhoso exemplo de sofisma encontrável nas redes sociais. “As galinhas tem dois pés. Os homens têm dois pés. Logo, os homens são galinhas”. Sim, é verdade que galinhas e homens terem dois pés são fatos verdadeiros. Entretanto, o uso dessas duas verdades não tornam a conclusão verdadeira. Do mesmo modo, “se todo político é ladrão”, e Lula é político, logo ele é ladrão. Mas, se partíssemos do princípio de que nem todo político é ladrão, talvez fosse possível concluir que Lula, mesmo sendo político, não seria necessariamente ladrão.

Os raciocínios dedutivos e conjecturais da Farsa Jato, além dos sofismas, muito se assemelham aos joguinhos de circunstâncias dos romances de Agatha Christie. Os mais afetos ao trabalho da autora sabem que ela era capaz de oferecer elementos para que diversos personagens se tornassem suspeitos de um crime. Só que as novelinhas policialescas engendradas pela PF/MPF/JF estão muito aquém das ficções criadas pela brilhante ficcionista. Razão cabe ao ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, quando usa a expressão “meninice dos procuradores”. Nossos avós talvez fossem até mais agressivos e diriam que quem usa cuida...

Seguindo esse rol de obviedades, no curso dos trabalhos da Farsa Jato nomes ligados ao PSDB sempre foram citados. O nome de Aécio foi certamente um deles. Mas, mesmo assim o juiz Sérgio Moro minimizou as referências tirando fotografias ao lado de Aécio - candidato da Globo, emissora, aliás, que vive em débito com os cofres públicos, mas que Moro não achou nada demais receber dela honrarias. Hoje, quando fatos graves envolvem a figura de Aécio, fosse o leitor seguir o mesmo raciocínio primário da Farsa Jato, poderia seguir a teoria da Veja e concluir facilmente que “Moro sabia”.

O mesmo raciocínio pode ser aplicado às falcatruas hoje atribuídas ao impostor Temer, personagem com quem o juiz Sérgio Moro também se permitiu ser fotografado. Mais que isso, Eduardo Cunha teria tentado mostrar a esse mesmo juiz o que Temer teria feito no verão passado. Mas, ao que consta, o magistrado teria indeferido nada menos que 21 questões que comprometeriam Fora Temer. Desse modo, cumpre retornar a questão ao leitor: - é licito concluir que Moro sabia? É lícito deduzir que Moro teria tentado proteger o usurpador da Faixa Presidencial? Seriam essas circunstâncias conhecidas e provadas que nos permitiriam conclusões? Que belo PowerPoint daria tudo isso! Quando a boa exegese e hermenêutica jurídicas são abandonada e ganha tonalidade partidária, gira em torno de holofotes e tietagens de pop star, a Justiça começa a ficar caolha.

GGN

segunda-feira, 29 de maio de 2017

As pedras no xadrez da revisão do projeto dos campeões nacionais

Peça 1 – o modelo dos campeões nacionais

O estrago promovido pela Lava Jato na economia obrigará a uma revisão dos conceitos de desenvolvimentismo – e não apenas no Brasil.

Em todos os países que assumiram protagonismo global, o grande instrumento de expansão do poder nacional foram as grandes empresas nacionais como agentes do poder externo do país.

Com o avanço da cooperação internacional, entre autoridades judiciárias dos diversos países, esse modelo entrou em xeque.

Peça 2 – a versão moralista do chutando a própria escada

Ao longo dos séculos, a expansão das empresas multinacionais se deu com corrupção e suborno, no financiamento político dos governos aliados dos países de origem e na conquista de mercados externos. Desse modelo se regalaram as empresas alemãs pós-guerra, como a Siemens, as grandes petroleiras e empreiteiras norte-americanas, os fabricantes de armas. E tudo com ampla complacência dos países de origem.

A partir do início do século 21, o combate à corrupção transacional de outros países tornou-se a principal arma geopolítica comercial norte-americana é. Trata-se de uma estratégia na qual se envolvem as corporações de Estado – FBI, NSA e CIA -, ONGs privadas, Departamento de Justiça. E, especialmente, o poder do Império.

A ação geopolítica norte-americana sempre atuou em duas frentes: as instituições de Estado e as parcerias (ONGs) privadas, um hard power da intervenção militar e um soft power das ações humanitárias. Em vez do discurso do ódio, do anticomunismo, propostas humanitárias, de defesa de princípios civilizatórios, meio ambiente, direitos das populações indígenas, combate à escravidão e outras formas de dumping social, combatendo vícios inerentes ao modelo de expansão das multinacionais das primeiras fases.

Com a ampliação da cooperação internacional, os avanços da espionagem eletrônica, o mapeamento dos fluxos financeiros em paraísos fiscais, as alianças com Ministérios Públicos e. Judiciário nacionais conferiram um poder matador ao país que possuía o poder imperial, os Estados Unidos.

Peça 3 – as tramoias do capital financeiro e do industrial

A maneira como o capital financeiro se apropria de fatias cada vez maiores do orçamento público é institucionalizada e impessoal. Desenvolve teorias pretensamente científicas para justificar os juros e abrir espaço para as diversas apropriações de recursos públicos. Mesmo as tramoias – vazamento de informações sobre leilões de títulos públicos e sobre decisões do Banco Central – não ficam ao alcance do público, seja pela sofisticação, seja pela cumplicidade da mídia.

Já as políticas industriais – aquelas que efetivamente têm reflexos no emprego, crescimento e poder das Nações -  são necessariamente seletivas. Os instrumentos utilizados são tarifas protecionistas, financiamento público, medidas tributárias. Basta o procurador juntar qualquer medida de política industrial com qualquer financiamento de campanha – independentemente da cronologia – para conseguir criminalizar governantes e políticas públicas.

É aí que se baseia a estratégia da ofensiva do capital financeiro sobre as propostas de políticas nacionais autônomas.

Peça 4 – as formas de intervenção externa

Há três formas básicas de intervenção externa – nem todas ilegítimas.

No plano institucional, a parceria dos EUA com o Ministério Público Federal e a Justiça, que arrebentou com alguns dos setores mais relevantes da economia brasileira, como o da engenharia nacional, liquidou com as pretensões brasileiras na África e América Latina e criminalizou políticas conhecidas de Estado -–como financiamentos às exportações de serviços.
A segunda maneira – subjacente à primeira – são as pressões norte-americanas sobre empresas brasileiras apanhadas em malfeitos no exterior, submetendo-as a intervenções diretas de olheiros norte-americanos. É o caso da Embraer, com um interventor fiscalizando de dentro da empresa, com acesso a todas as ações estratégicas da companhia.

A terceira parte são as ONGs do setor privado ligadas a direitos humanos, meio ambiente e outros temas humanitários, pretendendo submeter todos os atos de políticas públicas ao escrutínio internacional. É o caso da ONG Conectas que defende que todo o financiamento do BNDES seja submetido à analise internacional de avaliação de impactos sociais e ambientais.

Peça 5 – os agentes internacionais

Nem se pense em condenar o combate à corrupção e a defesa de bandeiras sociais e ambientais como ações ilegítimas. São bandeiras civilizatórias, necessárias para o aprimoramento social, cultural do país. Reconhecer efeitos antinacionais de suas ações não tira sua legitimidade. Significaria considerar incompatível projetos de país com respeito a avanços sociais e ambientais.

A própria Conectas têm se colocado de forma incisiva contra a selvageria das reformas institucionais, contra a violência da PM nas manifestações populares, contra os massacres de maio de 2006.

Mesmo o MPF tem uma área de defesa de direitos sociais e direitos difusos com grande contribuição às causas sociais. Entre os procuradores, há alguns de bom nível de lado a lado, os liberais e os que enxergam o Estado de forma mais complexa. Mas a resultante, a inteligência corporativa é próxima de zero.

A cara do MPF não é Marcelo Miller – o liberal que largou o MPF – nem Eugênio Aragão – o progressista que está prestes a se aposentar. É Rodrigo Janot, ex-presidente da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República), o atual José Robalinho Cavalcanti, o antecessor, Antônio Camanho, especializados em cultivar a classe como qualquer populista e montar jogadas com o poder como especialistas em máquinas públicas.
Dado o quadro atual, há um conjunto de lições a se tirar para as próximas décadas.

Peça 6 - As vulnerabilidades do presidencialismo brasileiro

Tem-se, de um lado, um presidencialismo fraco perante o sistema político-partidário. A única alavanca de poder é o crescimento econômico. Quando deixa de existir, expõe o governante à ditadura da maioria. Daí a necessidade da reforma política.

A quadrilha de Temer-Padilha assumiu posição preponderante nos governos FHC, Lula e Dilma após grandes terremotos políticos.

Mas o grande agente oportunista, valendo-se do enfraquecimento do governo, foi a mídia nativa. O poder arbitrário da Lava Jato decorre do apoio que recebeu dos grandes grupos de mídia – que, agora, se rebelam contra ele. Os penalistas do MPF compõem uma boiada sempre o touro guia da mídia. Basta a mídia sugerir qual tema que podem entrar – e garantir holofotes -, para a boiada caminhar na direção apontada.

O mesmo vale para o Supremo Tribunal Federal, no qual Ministros como Luís Roberto Barroso, Luiz Edson Fachin e Carmen Lúcia, dão cada passo tomando a mídia – especialmente a Globo – como referência.

No médio prazo, independentemente do próximo presidente eleito, a reconstrução do país passará por uma ampla redefinição do papel do MPF e da PF, pelo esforço de dotar a estrutura de um mínimo de noção sobre projetos de país, interesse e soberania nacional, para que o combate à corrupção não repita a máquina desgovernada da Lava Jato.

Mas o ponto fulcral é a cartelização da mídia.

Peça 7 - O furo dos campeões nacionais

Todos esses fatos obrigam a uma reavaliação radical do modelo de campeões nacionais.

A lógica econômica dos grupos internacionalizados é abandonar o país de origem e se fixarem no mundo. Foi assim na Argentina dos anos 80. Passou a ser assim no Brasil pós anos 90.

Tanto a Ambev quanto a JBS cresceram graças ao mercado interno, à capacidade de influenciar os órgãos públicos e se alavancar com os financiamentos do BNDES. Adquirida dimensão continental, pulam fora do barco. A Ambev se tornou uma multinacional belga e a JBS há tempos ambiciona a naturalidade norte-americana.

A ideia de Luciano Coutinho – ex-presidente do BNDES – de que os “campeões nacionais” seriam os condutores do desenvolvimento é tão equivocada quanto a da turma de FHC, de que bastaria fortalecer os grandes bancos de investimento que o desenvolvimento viria como consequência.

Ambos – tanto o mercado quanto os campeões nacionais – são relevantes desde que subordinados a uma lógica de país.

Em nome dessa bandeira, o BNDES apoiou setores de baixíssimo nível tecnológico, como o dos frigoríficos, conferiu um poder de cartel para os grandes frigoríficos, em detrimento dos produtores para que a JBS se tornasse uma empresa norte-americana, com papel-chave no fornecimento de proteína para os grandes países competidores dos EUA, China e Rússia.
Na mesma época, negou à Opticom – empresa brasileira na área de ótica, altamente tecnológica – apoio para adquirir um concorrente norte-americano, cujo preço ficara altamente atrativo com a crise de 2008 e que lhe permitiria abrir o mercado norte-americano. Sinal de que também o banco precisa colocar seu enorme acervo de cérebros e de conhecimento setorial para discutir seu papel nas próximas décadas. E não será com o simpaticíssimo Paulo Rabello de Castro que ocorrerá esse aggiornamento do BNDES.

De qualquer modo, a literatura desenvolvimentista terá que incorporar outros temas em suas bandeiras:

1  Mais do que nunca, a competitividade interna dependerá da criação de um ambiente sistemicamente competitivo, voltando-se a valorizar as políticas científico-tecnológicas, as parcerias entre grandes e pequenas empresas, o trabalho das Fundações de Amparo à Pesquisa aliados ao Sebrae, a atração de laboratórios de multinacionais para o país, conforme ocorreu na primeira fase do pré-sal.

2  São empresas estratégicas aquelas cujas atividades dependam intrinsicamente dos fatores internos – como a indústria do petróleo, antes do desmonte da Lava Jato e de Pedro Parente, a indústria da saúde, e as indústrias de bem-estar em geral.

3  Não dá mais para minimizar os problemas sociais, ambientais e de corrupção corporativa. O país tem que se antecipar às novas pressões internacionais e definir códigos severos de respeito aos direitos fundamentais. Mas há a necessidade de aprofundar os estudos acerca das estratégias geopolíticas dos países desenvolvidos. E envolver nesses estudos o Ministério Público e o Judiciário.

4  É preciso que os Ministros sérios do Supremo se debrucem sobre a questão da soberania jurisdicional brasileira.  

Do GGN