Aposentei
voluntariamente da PF, após mais de três décadas servindo à instituição. Um
poucos antes de minha saída, recebi como tarefa uma insípida, monocórdia e
repetitiva atividade, que eu com algumas falhas, realizava resignado. Era um
“CTRL C” mais “CTRL V” (cópia e cola), num ridículo aproveitamento de arquivos
anteriores.
Um
pouco antes, tive a oportunidade de mergulhar no trabalho da instituição, via
tarefa que me fora deferida pela corregedoria. Ao concluir meu trabalho,
apontei falhas gravíssimas, fato que desagradou a muita gente. Despachos
protelatórios, investigações sem conteúdo, mortos intimados, sucessivas e
inócuas trocas de autoridades e um reiterado vai e vem de inquéritos, da PF
para a Justiça e vice-versa, prazos não cumpridos, sob ineficiente fiscalização
do Ministério Público Federal. E foi assim que fui fazer “CTRL C + CTRL C”.
A
dramática realidade da amostragem era o contrário da eficiência demonstrada na
Farsa Jato. Politizada e dirigida contra Lula/PT tem como princípio o “Lula
sabia”. Quando o dizem, recorrem à lógica dedutiva. Com base no mesmo princípio,
digo, pois, que Globo/Veja/Moro também sabiam a esbórnea na qual colocariam o
país. Posso deduzir que mexeram no vespeiro sabendo do antes. “Eles sabiam”.
Voltemos
ao relatório. Segundo consta, por ordens superiores, meu trabalho deveria ser
refeito. O servidor encarregado da missão, por concordar comigo, se recusou a
cumprir aquela ordem. Por se recusar, foi destituído de um cargo de comissão. É
o que diz a lenda, que veio seguida da notícia paralela de que meu relatório
poderia prejudicar a indicação do diretor geral da Polícia Federal. À bocas
miúdas contava-se que forças ligadas ao impostor Michel Temer queria indicar o
comando da instituição. E foi assim que teriam atropelado a lista elaborada por
entidades de classe dos delegados.
A
tal lista não tem previsão legal, mas, formalmente mira democratizar e
legitimar a escolha da Chefia Nacional. Os candidatos apresentam propostas de
trabalho, são submetidos a sabatina diretas e democráticas. Os eleitores fazem
perguntas sobre problemas cruciais da instituição, desde questões estruturais a
conflito entre categorias e instituições. Somente após os debates ocorrem as
eleições e os mais votados integram a tal lista.
A
tal lista nunca foi respeitada pelo Ministério da Justiça. Foi o caso do
ex-diretor geral Leandro Daielo, que segundo suspeitos noticiários não estava
entre os mais bem votados. Caso também do recém nomeado Fernando Segovia, que
nem de forma suspeita apareceu na lista.
A
nomeação de Segóvia comporta considerações gerais. Primeiro que, a classe média
golpista já acostumada com as interferências no trabalho da PF, conseguiu
induzir na cabeça das esquerdas que tais interferências seriam legais,
funcionais. Não eram. E por acreditar nisso, queriam velada ou ostensivamente
que a direção geral da PF colocasse cabresto na Farsa Jato. Não podia e ainda
por cima a legitima Presidenta Dilma sancionou lei nesse sentido.
A
segunda consideração a ser feita é que a autoimagem que a categoria faz de si
mesma não bate com a realidade. Não tem qualquer proposta efetivamente
republicana e há sempre gatos nas tubas que apresenta. Seus projetos ora miram
as brigas internas com as demais categorias; ora estão de olho na equiparação
com demais carreiras jurídicas; ora querem empoderamento e melhores salários.
Do
outro giro, não se pode garantir que demais categoriais tenham efetivos olhos
voltados para a sociedade. O projeto de carreira única, por exemplo, tem mais
odor de confronto com os delegados do que aparenta. O recente arroubo de um
representante de classe, conclamando o povo à luta e prometendo apoio ao povo,
não passou disso: um arroubo.
Nenhuma
categoria da PF manifestou a mínima solidariedade com os demais trabalhadores
da iniciativa privada, do campo, durante ou depois da “deforma trabalhista”.
Todas elas silenciaram sobre o retrocesso na fiscalização do trabalho escravo.
Desse
modo, o vídeo que viralizou na net, com pretensa aliança da PF foi bravata
inócua. Hoje, os servidores da PF estão com a aposentadoria ameaçada, reajuste
suspenso e um confisco salarial em curso. No pacote, uma garfada também nos
proventos dos inativos, que em grande maioria engrossou o coral do golpe. A
saída foi bater panelas, digo, bater às portas de um STF moralmente falido, por
integrar "o grande acordo nacional com o supremo e tudo", enquanto o
"glorioso" Exército monitora o MST...
A
exemplo do STF e MPF, a Polícia Federal vive desconectada da realidade social.
O que atinge o povão não lhes fustiga. Vive no apartidarismo de direita e ainda
não se deu conta de que entrou no engodo Globo/Veja/Moro/USA. O medo do
comunismo, fabricado pelos robozinhos do golpe (Globo, MBL e da bancada do boi,
da bala e da bíblia), foi mais forte. A PF não assume que ajudou no golpe de
2016 e hoje seus servidores tropeçam nas conseqüências, replicando o mantra
"Culpa do PT".
Com
esse perfil, a PF é carta fora do baralho. Daqui pra frente, paradoxalmente, só
pode atrapalhar a quadrilha que por inocência, burrice, medo ou conivência içou
ao poder. Não à toa alguns policiais exibiram em suas páginas o dístico:
"PF a única e real oposição ao PT".
É
difícil concluir que um governo cercado de escândalos, com ares de mafiosos, de
crime organizado no aparelho estatal, envolvido em medidas escabrosas, tenha
eleito como exceção, mesmo simbólica, o comando da Polícia Federal.
Tomara que sim!
Nesse
contexto, a troca de comando é pífia e perfunctória. Qualquer diretor geral
escolhido pelos delegados não tem apoio de peritos, agentes e outros. Para
vencer a barreira da maioria, o tal Segovia (indicação de sabe Deus), rejeitado
por grande parte de seus pares, cuidou de se socorrer junto às demais
categorias.
Na
melhor das hipóteses, o impostor Temer quer por a PF (em especial os delegados)
em seu devido lugar de zero à esquerda. Foi bom enquanto durou, enquanto foi
útil ao golpe, à precarização da mão de obra e da indústria nacional que, hoje
barateadas, estão na condição de pescoço dialogando com guilhotina.
O
país permanece refém da Farsa Jato. Ou devolve o Brasil à matriz ou vem
represália. Será? E o eles sabiam? Ao mesmo tempo, Lula como cereja do bolo dos
traidores, não sai da mira do golpe.
Enquanto
isso, o deus mercado que não tem ética, nem moral, nem escrúpulos serve de
ungüento sobre a chaga nacional. Mesmo assim, a mídia trata com grandiloquência
a pífia troca de seis por meia dúzia na decadente Polícia Federal. Arrrr!!
Armando
Rodrigues Coelho Neto é jornalista e advogado, delegado aposentado da Polícia
Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo.
GGN