O
governador Flávio Dino, que é também juiz de Direito e passou em primeiro lugar
no mesmo concurso prestado por Sergio Moro, publica artigo nesta sexta-feira em
que afirma que a sentença contra o ex-presidente Lula é um edifício com vários
andares de erros jurídicos.
Dino
cita a inexistência de corrupção passiva, demonstra estranheza com um episódio
de um apartamento de São Paulo ser analisado pela justiça paranaense quando o
próprio Moro reconheceu não haver ligação entre o imóvel e o caso Petrobras e
diz, ainda, que não pode haver lavagem se o chamado "triplex do
Guarujá" jamais foi entregue a Lula.
"A
sentença em questão, portanto, é um tríplex que não cabe em um edifício
jurídico democrático, no qual os fins não justificam os meios", diz Dino,
em artigo escrito em parceria com Rodrigo Lago, secretário de Transparência e
Controle do Maranhão.
Leia
abaixo: Íntegra do artigo de Flávio Dino
A
sentença tríplex
Por
Flávio Dino e Rodrigo Lago
Uma
sentença judicial não pode derivar apenas do sentimento do julgador. Se assim
fosse, o Judiciário não seria compatível com a democracia, que pressupõe freios
e contrapesos, representados por um edifício jurídico composto pela
Constituição.
Se
uma sentença é construída fora desse edifício, não pode subsistir. Foi o que
aconteceu com a sentença do caso tríplex, relativa ao ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva. Podemos identificar três andares de problemas no caso.
O
primeiro andar abriga a deficiente configuração do crime de corrupção passiva.
Desde o julgamento da Ação Penal 307, o Supremo Tribunal Federal fixou em nosso
edifício jurídico que não basta o recebimento de vantagem por funcionário
público para se ter representado esse tipo de infração.
É
"indispensável (...) a existência de nexo de causalidade entre a conduta
do funcionário e a realização de ato funcional de sua competência", disse
o STF. Na sentença, contudo, reina uma confusão sobre isso, agravada com a
decisão nos embargos declaratórios da defesa.
O
julgador fala em atos de ofício indeterminados e aborda fatos praticados em
momento posterior ao exercício do mandato do ex-presidente Lula, que se
encerrou em 1º de janeiro de 2011. É impossível ter havido crime de corrupção
passiva em 2014 sem a participação de pelo menos um outro funcionário público
(inexistente nos autos).
O
imbróglio aumenta quando, ao julgar os embargos declaratórios, o juiz diz que
não há correlação entre o tal tríplex e contratos da Petrobras, tornando ainda
mais estranha a competência da Justiça Federal de Curitiba para apreciar
controvérsia sobre apartamento situado em São Paulo.
Chegamos
ao segundo andar de equívocos da sentença: a problemática da configuração do
crime de lavagem de dinheiro.
Sustentou-se
sua consumação na medida em que a propriedade do tríplex foi mantida
oculta"entre 2009 até pelo menos o final de 2014". No entanto, consta
da sentença que o apartamento jamais foi efetivamente entregue ao ex-presidente
Lula.
No
caso, não havia nem propriedade nem posse por parte dele. O patrimônio deste
não chegou a ser aumentado, sendo impossível a prática de quaisquer dos núcleos
do art. 1º da lei nº 9.613/98, que trata dos casos de lavagem.
Por
fim, no terceiro andar de erros jurídicos, tem-se a inegável sobrecarga da
dosimetria das penas, talvez para reduzir a hipótese de serem alcançadas por
prescrição.
Chama
a atenção a sentença considerar três vetores negativos das circunstâncias
judiciais, dentre eles alguns estranhos ao réu, e não os fatos que
neutralizariam alguns deles, talvez pela escassa fundamentação atinente às
provas produzidas por requerimento da defesa.
A
sentença em questão, portanto, é um tríplex que não cabe em um edifício
jurídico democrático, no qual os fins não justificam os meios. O devido
processo legal é uma garantia de toda a sociedade, maior do que os interesses
da luta política cotidiana.
Para
isso existem os tribunais: inclusive para dizer "não" a sentimentos
puramente pessoais, que podem ir para as urnas, nunca para sentenças.
FLÁVIO
DINO, professor do curso de direito da Universidade Federal do Maranhão, é
governador do Estado do Maranhão.
RODRIGO
LAGO, advogado licenciado, é secretário de Estado de Transparência e Controle
do Maranhão.
GGN