Sem
mais, nem menos, eis que o programa "Fantástico" da Rede Globo exibe
imagens de Sérgio Cabral e Garotinho, ex-governadores do Rio de Janeiro, na
prisão em que se encontram. Presos estão, sem culpa formada, porque seriam, ao
ver de juízes deformados pela tal "opinião pública", tão perigosos
quanto Hannibal Lecter, o assassino serial engaiolado no filme "O silêncio
dos inocentes".
As
imagens dos políticos preventivamente presos teriam sido obtidas com apoio
imprescindível de membros do Ministério Público do Rio de Janeiro, aquela mesma
instituição que convidou Kim Kataguiri para palestrar sobre
"bandidolatria". Desviaram-se criminosamente de sua função de
fiscalizadores da execução penal para exporem a intimidade de pessoas presas
preventivamente.
Há
algo de muito doentio com nossas instituições persecutórias, aí incluído o
judiciário com competência penal, porque há muito deixou de ser isento para
comungar, com o ministério público e a polícia, a cosmovisão falso-moralista e
punitivista. Hoje, quem cai nas garras dessa troika, que não espere justiça.
Não espere imparcialidade. Saiba que corre o risco de ser exposto, junto com
sua família, à execração pública, conduzido de baraço e pregão diante das
câmeras de televisão. Pouco interessa se o caso contra si é frágil ou forte; a
gravidade da acusação que pesa é medida pela audiência que possa ser atraída,
composta de um público cúpido em se deleitar com a desgraça alheia. Se o
suspeito exposto é uma personalidade pública, a audiência vai ao delírio, para
regozijo da mídia e, sobretudo, dos meganhas travestidos de juízes, promotores
e investigadores.
A
Schadenfreude virou sentimento legítimo. Nunca, depois do iluminismo, se
festejou tanto, nestas terras, o suplício exposto de alvejados pelo sistema
persecutório, quanto nos dias atuais, em tempos de Lava-Jato. Falta só
amarrá-los na roda e esquartejá-los em praça pública. E a massa celerada
ovaciona o ministério público que lhe proporciona tamanho show. Pouco lhe
interessa que o próximo a cair nas malhas dessa instituição sem freio e sem
critério pode ser cada um daqueles que ali estão em espasmódico orgasmo de ira
descontrolada. Porque, para virar alvo de promotores ou procuradores
falso-moralistas e redentoristas, basta estar no lugar errado, na hora errada.
E,
em tempos de Lava-Jato, os Dallagnóis da vida assumem abertamente que "sem
exposição" não seria possível responsabilizar os alvos de sua sacrossanta
operação. Na falta de provas, de argumento técnico, o delírio das massas
legitima a repressão. Por isso anunciam, para sua audiência de sádicos
psicopatas, que 2018 será o ano da "batalha final" da Lava-Jato, um
clímax imperdível, a coincidir com as eleições gerais e, claro, com prometido
potencial de influenciá-la em proveito de quem, por juizecos e promotorecos,
são tidos como merecedores da confiança popular.
Não
escondem que o teatro sórdido montado contra personagens de visibilidade tem
finalidade política. Depois de terem virado heróis nacionais por força de
midiática atuação à margem da Constituição e das leis processuais, querem se
assenhorar do Estado como um todo, avalizando, ou não, quem se candidate a
cargo eletivo. Cria-se, assim, o index personarum prohibitorum do ministério
público.
Resta-nos
prantear essa instituição, que traiu sua mui promissora missão constitucional
de promotora dos valores democráticos e dos direitos fundamentais, para se
tornar um cínico verdugo a buscar aplauso de uma gentalha embrutecida, sem
escrúpulos. Tudo em nome de um primitivo conceito de moralidade que não se
sustenta diante dos abusos cometidos, da ambição desmedida e da ganância por
desproporcionais vantagens pela função mal e conspiratoriamente exercida.
Triste
fim do ministério público a que pertenci em atividade com tanta honra.
Vulgarizou-se. Amesquinhou-se. Tornou-se um trambolho, um estorvo para as
forças democráticas deste país. Gordo e autossuficiente, deleita-se no seu
bem-estar, sem preocupação com milhares de brasileiras e de brasileiros
impactados pela baderna política e econômica que causaram; brasileiras e
brasileiros que não moram no Lago Sul de Brasília, não moram em Ipanema ou no
Leblon do Rio de Janeiro e nem nos Jardins de São Paulo. Não têm recursos para
planos de saúde eficientes que nem o Plan-Assiste do Ministério Público da
União e nem para colocar filhos em escola privada. Será que os promotorezinhos
e os procuradorezinhos pensam que essa população se alimenta de blá-blá-blá
moralista? Acabaram os empregos, acabaram-se os direitos — "MAS temos o
combate à corrupção!" É esse discurso que vai encher a barriga dos que
foram esmagados pelo golpe do "mercado" e de seus interesseiros
lacaios? Não acredito...
Um
ministério público que precisa de aplauso para trabalhar descarrilhou. A
repressão penal, lembra Foucault, por tangenciar perigosamente os fundamentos
do Estado democrático de Direito e toda nossa autocompreensão civilizatória,
precisa ser levada a efeito, em nossos dias, com discrição e até certa
vergonha. Porque se houve grave lesão a bem jurídico fundamental, foi todo o
sistema de prevenção que falhou. Falhou a educação, falhou a vigilância,
falharam os legisladores e falhou a própria justiça que não soube cumprir seu
papel de exemplo.
Claro
que é muito mais fácil apontar para um culpado e extirpá-lo para deleite de um
público que se diz ofendido, do que perquirir as causas do comportamento
desviante e propor medidas concretas para seu enfrentamento, que não seja mais
repressão midiática. Mas, preguiçoso trabalha dobrado. A sociedade que se
contenta com o atalho da persecução penal e festeja seus verdugos não superará
seus vícios, mas afundará na barbaridade e na ignorância e, por isso, será o
terreno fértil para aproveitadores inescrupulosos. A corrupção não diminuirá,
apenas se organizará para driblar os falso-moralistas. E um dia inexoravelmente
cairá a máscara desse ministério público que nada fez a não ser barulho e tanto
nos envergonha. Trabalharemos dobrado para nos desvencilharmos desse trambolho
e enfrentarmos seriamente a tal corrupção.
GGN