Defender
o ex-presidente Lula tem exigido do advogado Cristiano Zanin Martins atenção
não apenas às peças do processo judicial, mas especialmente aos movimentos que
acontecem fora dos autos. Vazamentos de informações sigilosas, declarações
públicas das autoridades judiciais que configurariam pré-julgamento e a
cobertura partidarizada da mídia são algumas das questões levantadas pelo
defensor do líder petista para justificar o comunicado encaminhado à Comissão
de Direitos Humanos da ONU pedindo o acompanhamento das ações judiciais contra
Lula no Brasil. “Entendemos que não há, internamente, um sistema recursal que
possa paralisar as violações às garantias fundamentais do ex-presidente Lula”,
alega.
Para
Zanin, fica configurada a perseguição política a Lula por meio dos processos
judiciais quando, segundo afirma, as acusações não estão acompanhadas de
qualquer tipo de prova. “Nós temos verificado uma série de processos ilegítimos
no Brasil tanto no que diz respeito ao afastamento de presidentes eleitos como
também na perseguição política através de processos judiciais. Há hoje uma
situação que tangencia um estado de exceção e isso é realmente muito ruim para a
democracia brasileira”.
Cristiano
Zanin esteve no Recife na quinta-feira (30) para participar do debate Do Golpe
de 1964 ao Golpe de 2016, promovido pela CUT-PE e a Tempus Comunicação, na
Universidade Católica de Pernambuco, quando foi exibido o documentário Operação
Condor, Verdade Inconclusa dirigido pelo historiador Cleonildo Cruz. Antes de
participar do evento, ele concedeu entrevista para jornalistas da Marco Zero
Conteúdo, Brasil de Fato e Diário de Pernambuco.
Zanin
conversou por 40 minutos sobre a Lava Jato, inclusive o filme que será lançado
em breve sobre a operação e que contou com a colaboração de integrantes da
Polícia Federal, mas falou também sobre a Operação Carne Fraca, as dez medidas
contra a corrupção propostas por integrantes do Ministério Público, a Lei de
Abuso de Autoridade, Foro Privilegiado e as implicações das investigações sobre
uma possível candidatura de Lula a presidente em 2018. “Quando uma pessoa não
cometeu nenhum crime e você passa a acusá-la sistematicamente e sem provas é
evidente que você tem o objetivo de interferir na sua atividade política”.
AÇÃO NA ONU
“Entendemos
que não há, internamente, um sistema recursal que possa paralisar as violações
às garantias fundamentais do ex-presidente Lula”.
Nós
fizemos no plano internacional um comunicado ao Comitê de Direitos Humanos da
ONU em junho do ano passado porque entendíamos que não só ocorreram violações
às garantias fundamentais do ex-presidente como elas continuam ocorrendo. Nós
levamos internamente estas questões ao Judiciário. Só que os processos chegaram
até o Supremo Tribunal Federal, quando o ministro Teori Zavascki avocou todos
os processos. Ele teve a oportunidade de receber todos os nossos
questionamentos, todas as nossas impugnações e apenas uma delas foi analisada e
acolhida, que foi a questão da interceptação e divulgação do telefonema do
ex-presidente Lula com a então presidente Dilma. E o restante o Supremo mandou
que o próprio juiz, que a nosso ver era o juiz que havia cometido as infrações,
analisasse o caso. Nesse momento nós entendemos que não havia aqui,
internamente, um sistema recursal que pudesse de modo eficaz paralisar as
violações às garantias fundamentais.
AS ACUSAÇÕES
“Não tem nenhuma testemunha nesse processo que
diga ou que confirme as acusações do Ministério Público”.
As
acusações todas, sem exceção, elas têm uma característica em comum, que nós
chamamos de acusações frívolas e sem materialidade algumas porque são acusações
que não estão acompanhadas de qualquer prova mínima que seja. Nós tivemos, por
exemplo, naquele chamado “processo do tríplex” 24 audiências e foram ouvidas 73
testemunhas, 27 foram selecionadas pelo Ministério Público, eram aqueles
notórios delatores… Não tem nenhuma testemunha nesse processo que diga ou que
confirme as acusações do Ministério Público. Ao contrário, o que nós temos lá
são pessoas dizendo: “eu nunca conversei nenhum assunto indevido com o
presidente Lula. Ele nunca me deu nenhum tipo de intimidade. Por exemplo, Paulo
Roberto Costa foi perguntado ali por uma das pessoas presentes da audiência, se
ele tinha alguma relação com o ex-presidente Lula, se era verdade que ele era
tratado de Paulinho? E ele diz: “jamais. Eu nunca fui tratado de Paulinho,
nunca tiver uma intimidade. E nunca me reuni com o ex-presidente que não fosse
em reunião institucional na presença de diversas outras pessoas”. Essa lógica
está presente em todos os depoimentos… Tudo aquilo que se acusou tanto no papel
quanto na televisão, através daquele power point, foi absolutamente desmentido
nas audiências que foram realizadas. Uma curiosidade é que o procurador que fez
a coletiva do power point e fez a acusação pela televisão não compareceu a
nenhuma das 24 audiências.
DECLARAÇÕES FORA DOS AUTOS
“A
realidade mostra que uma vez emitido o pré-julgamento é muito difícil
posteriormente a possibilidade de o juiz rever essa posição.”
Hoje,
embora haja uma previsão expressa na legislação de que o juiz não pode falar
publicamente de processos que estejam sob a sua responsabilidade, a verdade é
que se tornou comum que muitos juízes acabem dando declarações públicas sobre
esses casos que estão sendo por eles conduzidos. Eu acho que isso é um problema
na medida que você antecipa posicionamentos perante a imprensa. Quando o lugar
para você debater e se posicionar seria no processo. Quando isso acontece em
relação ao processo penal eu penso que isso é muito mais grave porque esses
posicionamentos muitas vezes se tornam pré-julgamentos e a realidade mostra que
uma vez emitido o pré-julgamento é muito difícil posteriormente a possibilidade
de o juiz rever essa posição. A tendência é que ele acabe defendendo seu
pré-julgamento e, portanto, não permitindo ao acusado que tenha um julgamento
justo e imparcial. Esse é um ponto bastante relevante para a defesa do
presidente Lula e que nós discutimos não só no plano nacional como naquele
comunicado à ONU.
OS VAZAMENTOS
“Você
cria artificialmente um ambiente de culpabilidade em relação a uma pessoa que
em realidade não praticou nenhum tipo de crime”.
Os
vazamentos mostram primeiro uma atuação seletiva daquele que vaza porque os
vazamentos são sempre pontuais e relacionados a determinada pessoa e também
acabam por ferir gravemente a garantia da presunção de inocência. É comum você
ser demandado por um jornalista que diz o seguinte “olha, consegui um trecho de
uma delação e tal e tal…” Como é que você pode se posicionar sobre o que você
não conhece? Mas se você não se posiciona então aí é divulgada uma versão pela
imprensa sobre esse vazamento e essa versão acaba muitas vezes se cristalizando
perante a opinião pública e afasta totalmente a presunção de inocência. Você
cria artificialmente um ambiente de culpabilidade em relação a uma pessoa que
em realidade não praticou nenhum tipo de crime.
A MÍDIA
“Só
o Jornal Nacional dedicou 11% de sua programação para reportagens negativas
contra o presidente Lula e não existe registro de reportagem positiva”.
Na
minha visão existe uma atuação até bastante ilegítima de determinados veículos
que acabam tendo primazia na obtenção de informações e justamente usam dessa
primazia para criar um cenário de culpabilidade para aqueles que são
considerados seus inimigos ou que são as pessoas que esses veículos não
admiram. Veja um exemplo: nós entregamos à ONU um estudo técnico mostrando que
de março de 2016, quando houve a prisão coercitiva, até outubro de 2016, só o
Jornal Nacional dedicou 11% de sua programação para reportagens negativas
contra o presidente Lula e não existe registro de reportagem positiva. Então,
este é um exemplo claro de um órgão de imprensa que é usado para criar um clima
de culpabilidade associado à Operação Lava Jato. Na falta de provas contra uma
pessoa você cria esse clima de culpabilidade afim de que a pessoa fique
vulnerável a julgamentos e condenações mesmo não havendo nenhuma prova contra
aquela pessoa.
O FILME SOBRE A LAVA JATO
“É
claramente uma violação a relação entre autoridades e agentes estranhos às
investigações que puderam compartilhar experiências com essas autoridades em
relação a pessoas que não foram julgadas.”
Nós
temos vários aspectos para questionar em relação a esse filme. O primeiro é que
o próprio juiz que autorizou a condução coercitiva ilegal fez uma ressalva
expressa na decisão em letras garrafais de que não seriam admitidas imagens ou
gravações. Então, o fato de já existir uma gravação por si já mostra que essa
decisão judicial não foi respeitada pelas autoridades envolvidas na execução da
ordem. Agora quando essa gravação é disponibilizada a terceiros estranhos às
investigações, essa é uma conduta ainda mais grave porque você acaba expondo a
intimidade, a imagem e a honra das pessoas que estão envolvidas no processo
judicial afim de produzir uma obra que não tem nenhum interesse no processo, ao
contrário, é uma obra que, pelo que foi divulgado, quer colocar em relação ao
presidente Lula uma culpabilidade que não foi reconhecida em nenhum processo.
Há também o envolvimento direto das autoridades que estão na operação com esse
filme. Vários atores e produtores declararam à imprensa que estiveram presentes
e fizeram verdadeiros laboratórios com essas autoridades. É claramente uma
violação em série o fato dessa relação que eu entendo promíscua entre
autoridades e agentes estranhos às investigações que não só tiveram acesso a
esse material como puderam compartilhar experiências com essas autoridades em
relação a pessoas que não foram julgadas.
CARNE FRACA E LAVA JATO
“A
operação Carne Fraca mostra os prejuízos, muitas vezes irreversíveis, que podem
ser gerados a partir da atuação indevida de agentes policiais que extrapolam as
suas funções”.
Eu
acho que esse episódio da operação Carne Fraca revelou o quanto uma atuação
midiática da Polícia Federal é nociva ao Estado Democrático de Direito e aos
interesse dos país. O papel da Polícia Federal é investigar e entregar
subsídios da investigação para o Ministério Público. Não é ir à televisão, à
imprensa, fazer juízo precipitado de valor. A operação Carne Fraca mostra os
prejuízos, muitas vezes irreversíveis, que podem ser gerados a partir da
atuação indevida de agentes policiais que extrapolam com as suas funções. No caso
do ex-presidente Lula, nós também temos algumas violações de autoridades
policiais que guardam paralelo. Existe até uma ação judicial que o
ex-presidente move contra um delegado por ter emitido juízo de valor em relação
a ele em relatório policial que não tratava do ex-presidente. Você tem também a
extrapolação de outras autoridades como foi a tal entrevista do power point, um
espetáculo de pirotecnia para acusar o ex-presidente Lula na televisão.
Inclusive não há sequer compatibilidade da acusação da televisão com as
acusações do processo. Tudo apenas para denegrir a imagem dele e criar um
desgaste absolutamente desprovido de qualquer prova.
COMPARAÇÃO 1964-2016
“Há
hoje uma situação que tangencia um estado de exceção e isso é realmente muito
ruim para a democracia brasileira.”
Olha,
eu nasci em 1975, então eu não acompanhei o início daquele momento tão difícil
para o nosso país, de violações de tantas garantias fundamentais, um momento de
horror. Agora, eu acho que o que guarda um paralelo é que toda vez que você
deixa de lado garantias fundamentais e os direitos do cidadão, você tem um
processo ilegítimo. Então, no Brasil nós temos verificado uma série de
processos ilegítimos tanto no que diz respeito ao afastamento de presidentes
eleitos como também na perseguição política através de processos judiciais. Há
hoje uma situação que tangencia um estado de exceção e isso é realmente muito
ruim para a democracia brasileira.
LAVA JATO E RUPTURA DEMOCRÁTICA
“Foi
dentro da Lava Jato que houve a formalização de um verdadeiro estado de exceção
através de uma decisão proferida por um tribunal brasileiro”
Eu
acho que foi um papel de muito destaque nesse cenário de ruptura e desrespeito
ao Estado Democrático de Direito , aliás, é no âmbito da operação Lava Jato que
foi proferida uma decisão do Tribunal Regional Federal da 4a Região que diz que
a Lava Jato não precisa observar os regramentos gerais, ou seja, a lei. Então,
foi dentro da operação Lava Jato que houve a formalização de um verdadeiro
estado de exceção através de uma decisão proferida por um tribunal brasileiro.
LAVA JATO X MÃOS LIMPAS
“Alguns
atos da Operação Mãos Limpas também foram objeto de condenação pela Corte
Europeia de Direitos Humanos.”
Eu
não conheço a fundo a Operação Mãos Limpas para fazer um paralelo. Agora, eu
faço um registro. Alguns atos da Operação Mãos Limpas também foram objeto de
condenação pela Corte Europeia de Direitos Humanos. Então você não pode
torná-la um paradigma acima de qualquer suspeita para outra operação na medida
que ela cometeu violação a direitos humanos, a garantias fundamentais. Aliás,
como está ocorrendo hoje no Brasil.
DEZ MEDIDAS CONTRA A CORRUPÇÃO
“Tem
medidas aqui absolutamente incompatíveis com a Constituição, por exemplo, você
limitar o habeas corpus e você criar teste de integridade para funcionários
públicos.”
Elas
têm por objetivo fundamentalmente esvaziar ainda mais as garantias fundamentais.
A própria operação Lava Jato mostra o processo de esvaziamento das garantias
fundamentais. O tempo todo você tem interpretações que vão a cada momento
superando e esvaziando aquelas garantias clássicas previstas na Constituição
Federal. E tem medidas aqui absolutamente incompatíveis com a Constituição, por
exemplo, você limitar o habeas corpus, você criar teste de integridade para
funcionários públicos… São medidas que eu acho que longe de trazer benefícios
elas ajudariam ainda mais a promover o esvaziamento das garantias fundamentais
e poderiam até ajudar a conduzir ainda mais o país para um estado de exceção.
LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE
“Nós
estamos vendo vários abusos sendo cometidos e é preciso que a lei possa dar uma
resposta a esses abusos”.
O
abuso de autoridade já está disciplinado em lei. É uma lei de 1965 que define
abuso de autoridade e estabelece pena para essa situação. Então, hoje, na
legislação brasileira, nenhuma autoridade pode extrapolar o seu poder ou abusar
do poder que a lei e a Constituição Federal lhe confere, sob pena de cometer
abuso de autoridade. O que está em tramitação no Congresso Nacional são
projetos que têm por objetivo o aprimoramento dessa lei que é de 1965, buscando
atualizar essa legislação. E eu acho importante que isso aconteça porque nós
estamos vendo vários abusos sendo cometidos e é preciso que a lei possa dar uma
resposta a esses abusos. Ninguém pode estar acima da lei. Quando uma autoridade
diz que tem receio da aprovação de uma lei que possa atualizar o abuso de autoridade,
de duas uma: ou a pessoa não conhece essa disciplina normativa ou comete abuso
de autoridade e tem medo de ser punida. Não tem outra explicação que não seja
uma dessas duas hipóteses para aqueles que têm receio da aprovação ou do
aprimoramento da lei de abuso de autoridade.
FORO PRIVILEGIADO
“Não
é possível você acabar com o foro privilegiado ou a garantia de foro por função
porque isso inviabilizaria o exercício de muitas funções públicas”.
O
foro privilegiado tecnicamente chama prerrogativa de foro por função. Não é a
pessoa que tem o foro é o cargo. O privilégio, entre aspas, é inerente ao cargo
que a pessoa exerce, é uma forma que a Constituição e a lei dá para que essa
pessoa possa exercer o cargo com tranquilidade e sem medo ou de ser perseguida
ou de ter que responder processos em diversos lugares do país. Eu acho que a
discussão legitima que se pode fazer é em relação à extensão: qual são as
autoridades que necessitam desse foro privilegiado? Agora, não é possível, ao
meu ver, você acabar com o foro privilegiado ou a garantia de foro por função
porque isso inviabilizaria o exercício de muitas funções públicas.
JULGAMENTO CHAPA DILMA/TEMER NO TSE
“Tem
que fazer o julgamento conjunto da chapa, sem separação. Essa é a
jurisprudência da Corte”
Eu
não tenho condições de fazer uma avaliação técnica em relação a isso porque eu
não estou constituído nos autos. Não conheço detalhes. Agora, todos sabem que a
jurisprudência do tribunal de forma pacífica, com exceção de um único
entendimento isolado, é no sentido de que você tem que fazer o julgamento
conjunto da chapa, sem a separação. Essa é a jurisprudência da Corte.
A IMPUGNAÇÃO DE LULA 2018
“Quando
uma pessoa não cometeu nenhum crime e você passa a acusá-la sistematicamente e
sem provas é evidente que você tem o objetivo de interferir naquela atividade
política”.
Primeiro,
o ex-presidente não tem nenhuma decisão de ser ou não candidato, até porque não
é o momento apropriado para isso, inclusive, sob a perspectiva legal. Mas você
não pode excluir ninguém das eleições através de uma perseguição política.
Então quando uma pessoa não cometeu nenhum crime e você passa a acusá-la
sistematicamente e sem provas é evidente que você tem o objetivo de interferir
naquela atividade política. Seja como candidato, seja como ator político. Toda
vez que o presidente Lula tem que prestar um depoimento, tem que se reunir com
seus advogados para definir uma defesa, ele está sendo retirado do seu ambiente
normal que é a política, ele deixa de fazer política para ter que se envolver
em processos judiciais. Isso por si só já é um prejuízo grande no caso dele.
Essas acusações e suspeitas sucessivas e difusas claramente buscam isso,
interferir na atividade política. Se ele decidir ser candidato, eu acho que
isso também acaba por extensão entrando nesse espectro de perseguição que hoje
para mim é muito claro, usando das leis e dos procedimentos jurídicos.
Do
GGN