Abuso de
poder, delação premiada, ética de mão única e o Interesse Nacional.
“Faz parte”
Eu quero
falar um pouco sobre o famoso caixa dois. O que é esse caixa dois? Eu lembro-me
do BBB, daquela frase célebre de um dos personagens do BBB da Globo: “faz
parte”.
A impressão
que se tem – e não é só uma impressão, é uma constatação objetiva da verdade –
é de que o caixa dois se transformou, para a maioria quase absoluta dos
políticos brasileiros, num procedimento aceitável. Mas, na verdade, o caixa
dois transforma o Parlamentar, como diria, o nosso velho Brizola, num mandalete
do seu financiador.
O Parlamentar
não pertence mais ao PT, ao PMDB, ao PSDB, ao DEM, ao PR. Ele passa a ser um
instrumento de defesa das opiniões e interesses de quem financia a sua
campanha.
E grande
parte dos políticos eleitos acabou se submetendo a essa distorção do sistema político,
que é o financiamento paralelo de campanha eleitoral. É evidente que muitos o
fizeram deliberadamente. Outros tantos foram nucleados pelos próprios
interesses econômicos para viabilizar a satisfação dos seus interesses por via
de lei, de emendas e de medidas provisórias posteriormente.
A “ética” de um lado só
Mas eu
pergunto, qual é a diferença entre um político que aceita o sistema – “faz
parte”, dizem eles – e um procurador ou um juiz que recebe um auxílio-moradia
ou que recebe um plano econômico, plano Bresser, URV, um plano econômico desses
que existiram num momento difícil do governo do Fernando Henrique Cardoso?
Nenhuma
diferença. É uma distorção ética e moral semelhante à distorção moral e ética
dos Parlamentares, “faz parte” dos benefícios dos juízes e procuradores esses
“jabutis”.
Eu considero
que a moralidade de uma coisa ou de outra é absolutamente igual. É tão sem
ética aceitar o caixa dois e depois negociar uma medida provisória ou uma lei,
como é receber um auxílio para a educação dos filhos em escolas privadas e
essas vantagens todas que se transformam nas emendas, nos privilégios e nos
favorecimentos de algumas classes jurídicas da administração pública
brasileira.
Ambos são
relações de trocas e benefícios mútuos entre grupos de poder. Os benefícios
exorbitantes do judiciário são conseguidos com apoio do legislativo e do
governante de plantão em troca de algo. Sabemos disso.
A delação premiada
Mas nessa
história toda, me impressiona e me assusta um pouco a delação premiada. A
delação premiada algumas vezes acaba sendo uma tentativa de construir supostas
“provas” para dar alguma sustentação jurídica para uma narrativa imaginária
criada na mente fértil de um investigador de polícia, ou um procurador, ou um
juiz.
Às vezes
isso pode fazer sentido na reconstrução de fatos ligados à corrupção do sistema
político brasileiro. Mas, para passar para o abuso, é um pulo, pois condenar na
ausência de provas materiais consistentes é ir contra a lei e a presunção de
inocência.
Por exemplo,
em determinado momento, um procurador pode criar um PowerPoint dizendo que a
corrupção no Brasil tinha um chefe máximo. Mas posteriormente nós descobrimos
que a corrupção era sistêmica, que os chefes se atomizaram com o “vizinho,” o
“mineirinho,” o “primo” e uma série de nomes sociais da Odebrecht, que se multiplicam
cada dia…
Esse elenco
fantástico de apelidos poderia estar, em alguns casos, diretamente comprometido
com a corrupção legislativa e estavam recebendo realmente propina, em outros
poderia ser simplesmente um apoio originado do “nucleamento” de algumas pessoas
que a empresa doadora julgava que teriam sucesso eleitoral e que posteriormente
poderiam ser úteis para a defesa de seus interesses, tipicamente o caso de
caixa dois eleitoral.
Judiciário e Ministério Público
também pecam
Eu vejo
então que há nesse processo todo uma distorção assustadora, e essa distorção
ética, partindo-se do pressuposto de que juízes, procuradores, policiais e
Parlamentares têm a mesma origem genética e formam as suas opiniões e o seu
caráter no mesmo meio que os políticos, é realmente assustadora.
Está aí a
Ministra Eliane Calmon dizendo que a Lava Jato não terá atingido seus objetivos
fundamentais enquanto não revelar a corrupção no Judiciário. A opinião é dela.
Mas é minha também, porque eu sei que a base genética é a mesma, as influências
são iguais, a fraqueza não difere entre os membros dos Três Poderes.
Os que
corromperam o Parlamento, na luta pelos seus interesses particulares, podem
também ter corrompido a Polícia Federal, o Ministério Público, o Judiciário, a
mídia. A questão ética é muito mais ampla do está colocado na imprensa.
Não se trata
do PT, do PMDB, do PSDB, com o “Vizinho” ou “Mineirinho”, mas se trata de um
processo sistêmico que destruiu a política brasileira por uma corrupção
continuada, porém reversível. É importante ressaltar que esse processo e
corrupção sistêmica é reversível.
Podemos
reverter esse processo. Por que podemos reverter? Porque eu quero acreditar
que, como existem, no Congresso Nacional, pessoas com uma visão filosófica
sólida, realmente incorruptíveis diante das pressões e tentações do sistema,
existem pessoas com as mesmas qualidades no Judiciário, no Ministério Público e
na Polícia Federal.
Quem manda?
Nós temos
que avançar com esse processo desnudando os vícios do sistema, mas, fundamentalmente,
chegaremos no domínio do capital financeiro sobre a economia política. Quem
manda no Brasil hoje? Quem manda? O “vizinho”? O “Mineirinho”? O “Primo”? O
“MT”? Não.
Nós estamos
sendo governados pelos interesses do capital financeiro. São o Banco Central e
o Ministro da Fazenda que estão dizendo ao Brasil o que devemos fazer.
Daí eu
assisto à entrevista do Michel Temer, extraordinariamente bem articulada. Ele
não titubeou. Ele não gaguejou.
Ele colocou
as suas ideias de uma forma fluente, evidentemente apoiado num grupo de
jornalistas simpáticos a ele, mas foi absolutamente insensível em relação aos
problemas sociais. Ignorou a crise econômica por que passa o mundo e por que
passa o Brasil.
Parecia a
mim que o Michel Temer era um banqueiro defendendo os interesses da banca e dos
rentistas, o aumento dos juros, e, na defesa desses interesses, ele sacrificava
os aposentados, os trabalhadores e a soberania nacional.
O combate à
corrupção é sempre saudável. Este Plenário sabe que eu fui, seguramente, o
primeiro Senador a, desta tribuna, saudar o início da Lava Jato.
Porém, o
combate à corrupção não pode se submeter às narrativas férteis formadas na
cabeça dos seus promotores. Especialmente se essa narrativa oculta uma política
clara de desnacionalização do Brasil, de quebra da nossa soberania e de
sacrifício do trabalho.
Não, não vou
dizer que não precisamos de reformas, talvez até profundas, no sistema
previdenciário, mas nós não podemos aceitar isso sem que se mexa no lucro dos
rentistas, no domínio dos bancos. O povo pobre e trabalhador não pode pagar a
conta de uma festa para a qual eles sequer foram convidados.
O Distritão do Michel
O Presidente
Michel Temer propôs, nessa sua fluente e simpática entrevista à Rede
Bandeirantes, o “distritão”. O que é o “distritão”?
O
“distritão” é a abolição da ideologia e da visão programática dos partidos no
Brasil. O “distritão”, segundo o Presidente Michel Temer, é a eleição
automática dos mais votados num determinado Estado.
Então, nós
teríamos candidatos que viriam ao Congresso por razões de empatia religiosa,
com suas denominações, apresentadores de televisão ou pessoas que poderiam de
alguma forma gastar somas significativas do seu próprio patrimônio numa
campanha eleitoral. O distritão anula os partidos.
O Presidente
Temer está dizendo que não quer mais o velho MDB de guerra do Ulysses
Guimarães, o PMDB do documento Esperança e Mudança, o PMDB do
desenvolvimentismo, marcado por uma política social significativa, o PMDB da
Constituição de 1988.
Ele está
propondo que os candidatos se elejam na medida da sua votação, nos seus
distritões, sem nenhum compromisso programático, ideológico ou filosófico. Por
quê?
Porque o
Michel Temer está deixando o controle da política brasileira sob o comando do
dinheiro, de Mamon, e não se pode servir a Deus e a Mamon, como não se pode
servir ao povo, à banca e aos rentistas ao mesmo tempo.
O Petróleo e a privatização do social
A política,
então, seria conduzia pelo Ilan Goldfajn, chefe dos economistas do Itaú, pelo Meirelles,
representante da Febraban e dos banqueiros nesse processo amalucado. E, no meio
dessa crítica que sensibiliza o Brasil e a população de forma massiva, lá se
vai a Petrobras.
O petróleo é
o sangue fundamental para o desenvolvimento de qualquer país, o petróleo pode
viabilizar o crescimento econômico do Brasil. É nosso passaporte para o
desenvolvimento.
O atual
presidente da Petrobras indicado pelo Michel, Pedro Parente, foi Ministro, ou
parente do Fernando Henrique, não me recordo mais…
Em uma viagem
ao Rio Grande do Sul, quando a população protestava contra a supressão de
alguns investimentos da Petrobras que precarizariam a economia gaúcha e
eliminariam milhares de empregos, ele disse, com a maior franqueza, que ele era
o presidente de uma empresa que se reportava apenas ao mercado e aos seus
acionistas e ainda completou dizendo que a Petrobras, sob meu comando, não tem
nada a ver com políticas sociais.
O petróleo é
o sangue do desenvolvimento, mas é também o tesouro que produziu muito sangue
em guerras e genocídios no mundo inteiro pelo seu controle. Esse tal de Pedro
Parente nunca ouviu falar nada disso? Alguém realmente acha que a Petrobras não
tem nada a ver com o desenvolvimento do país?
Imagine uma
figura dessas comandando a Cedae, no Rio de Janeiro, que é 99% de propriedade
do povo carioca? Ele diria: eu não tenho nada a ver com a saúde pública, com a
expansão do fornecimento de água tratada e de saneamento, eu tenho a ver com o
mercado e com os acionistas, que seriam acionistas privados, de grupos
nacionais e internacionais, porque a Cedae está à venda.
O mesmo
raciocínio, aconteceria com a educação e com a saúde. Isso é o fim do Estado
Social, o Estado que reconhece as minorias, que respeita o trabalho, o Estado
que garante a sustentabilidade do desenvolvimento. É o fim do Estado Social em
favor dos interesses do capital financeiro.
A
precarização do Executivo transforma um Presidente da República numa espécie de
gendarme, um policial repressor dos movimentos populares que, seguramente,
surgirão desse programa e dessa prática de opressão a direitos sociais
conquistados através de décadas.
Reformar não
significa deformar, melhorar a Previdência não significa privatizá-la, porque
amanhã, sob o comando de um Pedro Parente, representando os bancos que
administram, alguém dirá pouco importam os que querem se aposentar, porque a
mim interessa o mercado e os acionistas do meu projeto, nada tenho a ver com
políticas sociais.
Abuso de poder e as corporações
Minha gente,
é esse o caminho que nós estamos trilhando. E é evidente que precisamos de
reformas pesadas também nas corporações que se acham acima da lei, que acham
que podem abusar da lei.
Eu saúdo,
com louvor, o início da Lava Jato, desnudou os escândalos da política
brasileira. Mas não venham a sacralizar corporações. Um juiz não é o juiz
substituto de Deus, que é onipotente, que não precisa de um texto legal.
De repente
temos a proposta dos juízes off road, que acham que podem sair da linha, do
estreito limite da estrada que a lei determina e resolvem resolvem sair pela
mata sem qualquer limite legal.
É claro que
tem que ter flexibilidade, mas é evidente que juízes devem seguir também o
caminho estreito, flexível, de alguma maneira, da interpretação legal.
Se não,
teremos oráculos, como o de Delfos e o de Delos, sem texto legal a adivinharem
o que seriam os desígnios dos deuses na época da velha Grécia. Ou pitonisas,
que também adivinhavam o futuro, interpretando a vontade e os desígnios
estabelecidos pelo Olimpo. Não. Não pode ser assim.
A Lava Jato
oferece ao Brasil uma oportunidade incrível de revisão do sistema político, da
conduta de juízes, promotores, policiais e Parlamentares.
Eu encerro
afirmando aqui a minha esperança: assim como existe gente muito séria no
Congresso Nacional, verdadeiros intelectuais orgânicos da sociedade e da
soberania nacional, também existem no Judiciário, no Ministério Público, na
Polícia Federal. Nós iremos superar este momento em que as narrativas e a
imaginação passam a conduzir as delações premiadas.
É evidente
que é errado e imoral premiar um delator à medida que ele diz exatamente o que
quer o juiz, o delegado ou o membro do Ministério Público quer que ele diga. Aí
se estabelece uma fantástica distorção. E essa distorção se espraia pelo País
inteiro através da imprensa e da jurisprudência. Ela vai chegar ao pequeno
Município, onde a arbitrariedade de um policial, de um delegado, de um promotor
público atingirá com dureza o prefeito, um vizinho, um cidadão qualquer.
Projeto de lei de abuso de poder
E é disso
que nós vamos tratar na próxima quarta-feira, quando eu estarei trazendo a
minha versão do relatório do abuso de poder, no qual eu me suporto em algumas
ideias da antiga comissão de reforma da República, não do Renan, porque o Renan
subscreveu aquele relatório da mesma forma que o Reguffe subscreveu o dito
relatório do Janot, que sequer do Janot é, porque foi feito por um grupo de
personagens do Ministério Público Federal, e o Janot assinou para trazê-lo ao
exame e à consideração do Congresso Nacional.
Espero estar
construindo um relatório, um projeto de lei que acabe com a possibilidade da
interpretação aberta, off road da lei, mas que não impeça, de forma alguma, a
investigação e a punição dos corruptos. Porque esse é um objetivo que todos
buscamos.
Não queremos
assistir mais a carteirada, o abuso de poder. E isso deve valer para todas as
instituições: o Parlamento, o Judiciário, o Ministério Público, a polícia,
enfim, os agentes públicos de forma geral, desde o fiscal de renda do Município
até o presidente da República.
Vi o Mundo, Roberto
Requião