Vídeo mostra que delegado Anselmo prometeu imunidade
processual à ex-contadora de Youssef, Meire Poza, e depois voltou atrás. Mas
somente após a Lava Jato ser investigada pelo ex-ministro Eugênio Aragão e
Meire começar a revelar os bastidores da atuação da equipe de Dallagnol ao MPF
em São Paulo
Passou batido na grande mídia, mas nesta semana o juiz Sergio
Moro ouviu o depoimento do delegado que presidiu os primeiros inquéritos da
Lava Jato em Curitiba, Marcio Anselmo. O vídeo, divulgado pelo canal do Estadão
no Youtube, mostra o delegado sendo questionado por ter prometido imunidade
processual à ex-contadora de Alberto Youssef, Meire Poza. E o descumprimento da
promessa esconde mais um potencial escândalo envolvendo a força-tarefa de
Curitiba e as raízes de toda a operação.
Meire Poza procurou a Lava Jato ainda em 2014, quando a
primeira fase da operação foi deflagrada tendo Youssef como alvo. Ela colaborou
com documentos e relatos que o delegado Anselmo reconhece, diante de Moro, que
foram essenciais às investigações.
Segundo Anselmo, à Meire foi oferecido um acordo de delação
premiada, rejeitado por ela. A defesa de Meire diz insinua outra coisa: que
Meire não viu necessidade de acordo e, inclusive, foi orientada pela
força-tarefa a não busca advogado enquanto colaborava informalmente. E assim
ela fez, porque teria a palavra de Anselmo, que prometeu que ela não seria
processada.
Parte das provas que Meire tem em relação a este fato foi
exposta no blog de Marcelo Auler. (Veja aqui).
Ocorre que depois de ter sido usada pela Lava Jato, Meire
sentiu-se abandonada quando seu escritório foi objeto de um incêndio
possivelmente criminoso. Temendo pela segurança de sua família, procurou a
força-tarefa, que nada fez.
Em 30 de maio de 2016, com ajuda do jornalista Marcelo Auler,
decidiu contar a um procurador de São Paulo os bastidores de sua colaboração em
Curitiba. E, curiosamente, cinco meses depois, ela foi denunciada pela
equipe de Deltan Dallagnol.
"Portanto, não há como apontar nas suas queixas uma
represália à denúncia em si que só ocorreu meses depois. Já o contrário pode
ter acontecido: o depoimento ao procurador ter provocado a denúncia",
escreveu Auler.
Outro fator que complica ainda mais essa história é o fato de
que o ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão mandou investigar se a Lava Jato de
Curitiba usou Meire como "informante infiltrada" para abastecer
dezenas de inquéritos, inclusive para embasar ações que deveriam ter passado
pelo Supremo Tribunal Federal e não passaram.
As notícias dando conta de que a conduta dos delegados e
procuradores estrara no radar de Aragão são do iníco do mesmo mês em que Meire
decidiu falar com o Ministéiro Público Federal em São Paulo, onde reside.
No depoimento a Moro, Anselmo foi surpreendido com uma
pergunta que demonstra que Meire tem provas de que a Lava Jato ofereceu proteção
a ela e mudou de ideia somente após a ex-contadora procurar o MPF paulista para
contar detalhes que podem colocar a operação em risco.
Por volta dos 18 minutos, um dos advogados pede que Anselmo
confirme se enviou à Meire a seguinte mensagem, em 25 de maio de 2015: "Se
te denunciaram, me coloca de testemunha que vou pedir o perdão judicial."
Anselmo respondeu que se recorda se falou com Meire nesses
termos e ainda pediu que o celular dela seja periciado para afastar a hipótese
de fraude.
"Sobre mensagens específicas, se for o caso de
questionamento, eu não tenho como afirmar textualmente. se for o caso, acredito
que ela deva apresentar o celular dela para extração e perícia para evitar
montagem ou qualquer coisa do gênero. mas eu me recordo que a gente chegou a
falar sobre eventual situação processual dela, não sei se exatamente nesses
termos", disse.
Não ficou por menos. Um segundo advogado, ainda na audiência
com Moro, fez uma pergunta que insinua que há provas de que Anselmo orientava o
que Meire deveria dizer às autoridades em inquéritos policiais e também à CPI
da Petrobras. Ele negou que se recorde desses fatos.
Meire foi acusada de lavagem de dinheiro por ter vendido um
imóvel de propriedade de Alberto Youssef. Para justificar o processo, Anselmo
disse a Moro que a ex-contadora até chegou a comentar sobre a transação com a
força-tarefa, mas de maneira "reticente", o que teria complicado sua
situação e motivado os procuradores a apresentar a denúncia.
Já a contadora diz que a força-tarefa foi informada sobre a
comercialização do imóvel de Youssef, sem reagir com ameaça de processo.
"Como eu disse, num primeiro momento havia discussão
sobre se ela ia virar colaboradora, e ela não quis. Tinha uma empresa
investigada que ofereceu advogado para ela, e ela recusou. É só disso que me
lembro. Mas sempre foi implicito nessa relação que a partir desse momento em
que estivesse colaborando, ela não deveria praticar novos atos."
Anselmo também disse que Meire "se mostrava preocupada
com a situação processual dela e a gente conversou em algumas oportunidades.
Mas a conversa foi que isso [a promessa de imunidade] seria decidido ao longo
do processo dependendo do que ocorresse nesse período."
Ainda em 2016, CartaCapital publicou que a defesa de Meire
pretende pedir à Procuradoria-Geral da República e ao Ministério da Justiça
algum tipo de proteção, e perdão judicial ao Supremo Tribunal Federal.
Na gestão de Eugênio Aragão, havia a suspeita de que
"ela foi usada como uma 'agente infiltrada' pela PF, que aproveitou os
documentos e informações dados à força-tarefa para forjar diligências e até
para grampear parlamentares sem autorização do Supremo. E é isso o que o
ministro da Justiça quer que seja investigado."
Por causa da conduta da Lava Jato, que orientou Meire a não
procurar um advogado para se defender, a nova defesa peticionou a Moro a
anulação de tudo o que foi feito com base na colaboração da ex-contadora.
Não é pouca coisa: além de fornecer documentos que ferem o
direito a não se auto-incriminar, Meire ajudou a fundamentar inquéritos que
atingiram deputados, senadores e empresários.
Meire também convocou Dallagnol e outros membros da força-tarefa
como testemunha de defesa. Pela lei, eles não podem recusar.
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GGN