2012 marcou o fim das grandes apostas de Dilma Roussef. Como
efeito da estratégia de superação da crise, no período 2008-2010, os bancos
públicos assumiram protagonismo inédito. Numa ponta, o Banco Central
conduzia a redução da Selic; na outra, Banco do Brasil, Caixa Econômica
Federal, e BNDES forçavam a uma queda inédita no spread bancário.
Teve início um movimento de migração da renda fixa para a
renda variável. Só na Funcef, a queda na Selic liberou R$ 50 bilhões que, à
falta de títulos para serem rolados, iriam necessariamente para os novos fundos
de infraestrutura.
Em 2013, as pressões já tinham dobrado a candidata a dama de
ferro. Pouco antes, houve uma reversão no processo de queda da Selic, pegando
no contrapé os que tinham acreditado na promessa anterior, de taxas de juros
internacionais. A Fazenda havia identificado pressão de demanda em alguns
eletrodomésticos e as cotações globais pressionaram preços de alimentos. Em
junho aconteceram as grandes passeatas refletindo o clima de mal-estar na
economia.
Entrou-se em 2014 com dados objetivos de que as
desonerações de folha, distribuídas com evidente exagero a dezenas de setores,
não haviam produzido aumento de investimento pretendido. Não foi dinheiro
jogado fora. Permitiu alguma redução da enorme alavancagem das empresas não
financeiras, no período anterior, e a manutenção dos níveis de emprego. De
qualquer modo, Dilma estava perdendo o grande álibi que lhe garantiu uma folga
política nos dois primeiros anos de mandato, que era uma economia em
crescimento.
A perda de fôlego da economia deixou a presidente com uma
hipersensibilidade para as críticas. Duas, em particular, produziram respostas
rápidas, e nem sempre adequadas.
A primeira, as críticas contra contra a expansão dos bancos
públicos, obrigando os bancos privados a reduzir os spreads.
Em janeiro de 2014 Dilma Roussef foi a Davos tentando
tranquilizar o chamado mercado. Sua mensagem foi: fiquem tranquilos que bancos
púbicos não vão concorrer com vocês. Foi um momento apenas para superar a
crise. O discurso foi bem recebido e Dilma tratada como estrela do encontro,
ofuscando até o recém-eleito presidente do México, Enrique Peña Nieto.
Foi seu último momento de brilho.
A guerra contra os bancos públicos já era enorme, e, no Palácio,
sentiu-se o aumento da pressão quando o Banco Itaú passou a se valer de Marina
no discurso público.
A segunda crítica foi do presidente da FIESP (Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo), Paulo Skaf, contra os preços da energia,
nas vésperas da renovação de algumas outorgas relevantes.
Dilma decidiu da sua grande tacada no setor elétrico. Montou
um modelo pelo qual as concessões seriam relicenciadas sem a chamada outorga
onerosa, isto é, sem pagar pela nova outorga. As usinas já estavam depreciadas
e não havia a necessidade de fundos de reversão – destinados a ressarcir os
investimentos iniciais – e outras contas que encareciam as tarifas. Estas
passariam a refletir apenas os custos operacionais.
Ao mesmo tempo, tentou antecipar outorgas relevantes, em mãos
de companhias estaduais, especialmente da Cemig, de Minas, da CESP, de São
Paulo, e da Copel, do Paraná. Esbarrou em uma disputa pesada, em parte por
motivos políticos (os três estados dominados pela oposição); em parte pelo
valor oferecido.
E, aí, criou-se a tempestade perfeita, com uma série de
eventos totalmente fora de controle do governo.
O primeiro deles foi a seca do nordeste, a maior em décadas,
que arrebentou com a tentativa de reduzir as tarifas de energia elétrica.
O mercado é composto por energia contratada e mercado livre.
A energia contratada é fornecida pelos geradores às distribuidoras em contratos
de longo prazo. Quando ocorre algum problema na oferta, as distribuidoras são
obrigadas a buscar o que faltou no mercado à vista.
A seca derrubou a oferta de energia. Com o impasse com o
governo federal, as três concessionárias saíram do mercado de energia
contratada. Houve uma notável redução na oferta de energia contratada,
obrigando as distribuidoras a irem para o mercado livre – cujas cotações
explodiram.
Ao mesmo tempo, a queda no nível de água dos reservatórios
obrigou a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) a acionar todas as
eletrotérmicas, mesmo aquelas de baixíssima eficiência, aumentando a conta do
setor. Repassar os custos para as tarifas de energia significaria aumentar o
custo de produção e tirar a comida da mesa do mais pobre. E o Tesouro foi
bancando esses subsídios. Criou-se uma conta pesada no setor elétrico, ao mesmo
tempo em que a seca obrigou a desembolsos de R$ 5 a R$ 6 bilhões para enfrentar
as questões sociais.
Os problemas ganharam uma nova dinâmica em meados de 2014,
com os primeiros sinais do fim do grande ciclo de commodities que ajudou a
sustentar a economia na década anterior.
O ano abriu com petróleo a US$ 110,00 o barril; bateu nos US$
140,00. Mas, em agosto, havia despencado para US$ 45,00. O mesmo ocorreu com as
cotações de commodities, afetando setores chaves para o crescimento.
Todos esses elementos, seca e commodities, estavam fora do
controle do governo federal.
No final de agosto, estava claro para Dilma e Mercadante que,
passadas as eleições, seria inevitável um choque de arrumação.
Em 2011 tinha havido um ajuste fiscal rigoroso, mas com todas
as variáveis sob controle. Agora, era um jogo sem controle de todas as
variáveis.
Foram dois meses de debates internos pesadíssimos, sobre como
sair da armadilha com o mínimo possível de perdas. Foi o período em que,
terminadas as eleições, Dilma enfurnou. Nessas discussões, definiram-se as
peças chaves, intocáveis, como Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida e outras
prioridades.
Para completar a tempestade perfeita, entrou o fator
Petrobras. O pré-sal já andava a pleno vapor. O país fechou 2014 com a produção
do pré-sal respondendo por 25% da produção nacional. Em 2013 e 2014 ela havia
sido fundamental para garantir os investimentos internos, trazendo consigo a
cadeia do petróleo-gás-estaleiros. Quando despencaram os preços do petróleo, a
Petrobras precisou desacelerar o ritmo de investimento.
As discussões maiores eram sobre quem receberia a incumbência
de promover o ajuste rigoroso. Acabaram se fixando no nome de Joaquim Levy. Sua
ideia inicial era um pacote ainda mais recessivo do que o que foi anunciado.
Levy levou propostas pesadas de corte nos investimentos públicos.
Dilma reagiu:
— Estamos no meio de um choque monetário e você quer um
choque fiscal? Assim vamos parar o Brasil.
Antes de terminar o ano, houve a estreia de Levy, um desastre
inicial como prenúncio dos desastres posteriores. Mesmo com pleno emprego havia
o crescimento do seguro desemprego. Sem conhecimento maior da economia real,
Levy supôs que estivesse ocorrendo uma fraude gigantesca.
Na verdade, tratava-se da rotatividade normal na economia
brasileira, especialmente na construção civil, que vinha comandando o
crescimento. Os especialistas avisaram, depois, que a construção civil abria o
ano com um estoque de trabalhadores e terminava com outro contingente,
mostrando rotatividade total.
Em dezembro, entre Natal e Ano Novo, Levy anunciou a revisão
do seguro desemprego. Foi o cartão de visita da nova gestão, provocando o
primeiro grande impacto negativo.
Até então, Dilma achava que, passado o terceiro turno, do
julgamento do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) conduzido por Gilmar Mendes, o
Judiciário daria uma folga.
Mas quando declarou que não havia nenhuma possibilidade de
apoiar Eduardo Cunha para a presidência da Câmara, abriu a caixa de Pandora. O
então vice-presidente Michel Temer chegou a propor a Dilma ficar neutra. Mas
ela e Mercadante decidiram partir para o confronto.
Não tinham noção de que Cunha já comandava uma bancada de 200
deputados do baixo clero, cuja campanha ele ajudara a financiar.
O embate final se deu quando Dilma ousou apresentar uma nova
lei dos portos.
Foram mais de 20 reuniões para o marco portuário. No
Congresso, Cunha havia apresentado uma emenda que abria caminho para a
lambança. Embora todo mundo soubesse das ligações históricas do PMDB,
especialmente de Temer, com o porto de Santos, não tinham ideia da sua
dimensão. Temer não largava do pé de Luiz Adams, chefe da Advocacia Geral da
União (AGU), buscando uma portaria que permitisse ao grupo Libra se candidatar
à renovação da concessão sem quitar seus débitos fiscais.
Mas o lance final, que precipitou o golpe, foi quando Aécio e
o PSDB aderiram a Cunha. Este pretendia manter o governo sob rédea curta; os
tucanos apostavam no golpe, acreditando que Temer se apoiaria neles para
a nova gestão.
Nos meses seguintes, o Congresso foi paralisado com as
pautas-bombas do PMDB. A Globo se pôs a campo, conclamando a população para as
grandes passeatas, e o STF piscou.
A partir daí, o caminho estava aberto para a tomada do poder
pela mais deletéria organização criminosa gerada pela política brasileira. Com
a luxuosa contribuição da Lava Jato.
Do GGN