Foto: Fabio
Rodrigues/Agência Brasil
Empresários
do setor de transporte, da indústria e banqueiros são donos, literalmente, de
mais de 100 emendas apresentas como se fossem de deputados federais ao projeto
da reforma trabalhista, aprovado pela Câmara na quarta (26).
Segundo
levantamento exclusivo do The Intercept Brasil, do total de 850 emendas
apresentadas por 82 parlamentares, 34% foram integralmente redigidas em
computadores de representantes da Confederação Nacional do Transporte (CNT), da
Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF), da Confederação
Nacional da Indústria (CNI) e da Associação Nacional do Transporte de Cargas e
Logística (NTC&Logística). Desse total vinculado a lobistas, 52% (153
emendas) foram integral ou parcialmente aprovadas com o relatório final.
O portal
ainda registrou que parte dos deputados que encamparam as demandas dos
empresários receberam doações eleitoral para financiar suas campanhas,
revelando o conflito de interesses.
Além disso,
há o agravante de que a legislação atual "impede que eles [empresários]
apresentem emendas diretamente, embora isso seja feito de maneira clandestina,
como revela o levantamento do The Intercept Brasil."
Lobistas
de bancos, indústrias e transportes estão por trás das emendas da reforma
trabalhista.
LOBISTAS DE
ASSOCIAÇÕES empresariais são os verdadeiros autores de uma em cada três
propostas de mudanças apresentadas por parlamentares na discussão da Reforma
Trabalhista. Os textos defendem interesses patronais, sem consenso com
trabalhadores, e foram protocolados por 20 deputados como se tivessem sido
elaborados por seus gabinetes. Mais da metade dessas propostas foi incorporada
ao texto apoiado pelo Palácio do Planalto e que será votado a partir de hoje
pelo plenário da Câmara.
The
Intercept Brasil examinou as 850 emendas apresentadas por 82 deputados durante
a discussão do projeto na comissão especial da Reforma Trabalhista. Dessas
propostas de “aperfeiçoamento”, 292 (34,3%) foram integralmente redigidas em
computadores de representantes da Confederação Nacional do Transporte (CNT), da
Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF), da Confederação
Nacional da Indústria (CNI) e da Associação Nacional do Transporte de Cargas e
Logística (NTC&Logística).
O deputado
Rogério Marinho (PSDB-RN), relator da reforma na comissão especial formada em
fevereiro para discutir a proposta do governo, decidiu incorporar 52,4% dessas
emendas, total ou parcialmente, ao projeto substitutivo. Elas foram
apresentadas por deputados do PMDB, PSDB, PP, PTB, SD, PSD, PR e PPS – todos da
base do governo de Michel Temer. Reforçando o artificialismo das emendas,
metade desses parlamentares que assinaram embaixo dos textos escritos por assessores
das entidades sequer integrava a comissão especial, nem mesmo como suplente.
As propostas
encampadas pelos deputados modificam a CLT e prejudicam os direitos dos
trabalhadores. O texto original enviado pelo governo alterava sete artigos das
leis. O substitutivo de Rogério Marinho, contando com as emendas, mexe em 104
artigos, entre modificações, exclusões e adições.
Não falta
polêmica para meses de discussão qualificada. Mas o governo decidiu encerrar o
debate e colocar logo o projeto para voto, em regime de urgência. Numa primeira
tentativa, não conseguiu votos suficientes para acelerar a tramitação. Mas, no
dia seguinte (19 de abril), num movimento incomum, o presidente da Câmara,
Rodrigo Maia (DEM-RJ), manobrou e conseguiu aprovar a urgência. Por ser um
projeto de lei, se aprovado pela Câmara, vai direto para avaliação do Senado.
O tom geral
da reforma é que o que for negociado entre patrões e empregados passa a
prevalecer sobre a lei. O texto original enviado pelo governo, no entanto, não
deixava isso explícito. Falava que o acordado teria “força de lei”, mas as
empresas conseguiram emplacar emenda para deixar essa força do negociado mais
evidente. Com isso, a redação nesse ponto passou a ser que os acordos “têm
prevalência sobre a lei”.
As emendas aceitas
também preveem restrições a ações trabalhistas. Deputados encamparam pedidos
das associações empresariais para que o empregado, quando entrar na Justiça,
passe a determinar o valor exato de sua reclamação e que o benefício da Justiça
gratuita somente seja concedido àqueles que apresentarem atestado de pobreza.
Ainda no campo da negociação entre empregadores e empregados, apesar de o que
for acordado ganhar peso sobre a lei, ele não pode ser incorporado ao contrato
de trabalho. O objetivo é forçar novas negociações a cada dois anos.
Outro
exemplo de vitória das empresas em suas negociações no Congresso foi a
incorporação da redução em 2/3 do valor do adicional que é pago a trabalhadores
que têm seus horários de almoço ou descanso reduzidos – embora o Tribunal
Superior do Trabalho tenha definido, por meio de súmula, que o valor a ser pago
pelas empresas deve corresponder ao triplo do tempo “comido” pela empresa.
As emendas
aprovadas também eliminam a necessidade de comunicação ao Ministério do
Trabalho sobre casos em que houver excesso de jornada. O argumento, escrito por
representante da CNT e aceito por parlamentares, é que “o empregado poderá
recorrer à Justiça do Trabalho independentemente de comunicação à autoridade
competente”.
Relações de gratidão
As propostas
agora defendidas pelos deputados provavelmente não estarão em seus palanques ou
santinhos nas eleições do ano que vem, mas certamente poderão ser lembradas nas
conversas de gabinete para acertar apoio a suas campanhas. Embora o
financiamento empresarial tenha sido eliminado, pessoas físicas ligadas ao
setor podem doar e, embora seja crime, ainda é difícil imaginar um cenário
próximo sem o caixa 2.
O vínculo de
gratidão de parlamentares que aceitaram assumir como suas as emendas preparadas
por lobistas das entidades empresariais é verificável pela prestação de contas
da última campanha. Julio Lopes (PP-RJ), Paes Landim (PTB-PI) e Ricardo Izar
(PP-SP), que apresentaram sugestões da CNF na comissão, receberam doações de
Itaú Unibanco, Bradesco, Santander, Safra, entre outras instituições
financeiras. Desses, somente Landim participava da comissão especial, e ainda
assim como suplente.
O potencial
conflito de interesse também aparece de forma clara no caso de parte dos
parlamentares que assinaram emendas da CNT. A começar por Diego Andrade
(PSD-MG), que, além de ter recebido doações de empresas que dependem de
logística adequada para o escoamento de suas produções, é sobrinho do
presidente da entidade, o ex-senador Clésio Andrade. O deputado apresentou 22
emendas à Reforma Trabalhista. Todas elas, sem exceção, foram redigidas por um
assessor legislativo da CNT. O deputado Renzo Braz (PP-MG) também chama a
atenção. Todas as suas 19 emendas foram preparadas pelo mesmo assessor. Além de
ser de família ligada ao transporte de cargas, sua campanha de 2014 foi bancada
majoritariamente por empresas do setor de transportes.
Uma das
emendas idênticas apresentadas pelos dois deputados mineiros, mas não acatadas
pelo relator, previa que, por exemplo, se um motorista perdesse sua
habilitação, ele pudesse ser demitido por justa causa pela empresa que o
tivesse contratado. Da mesma forma que os colegas “amigos” da CNF, Diego
Andrade e Renzo Braz também não estavam entre os 74 integrantes da comissão
especial da Reforma Trabalhista.
Lobby informal
Numa visão
condescendente, o que as entidades empresariais estão fazendo no caso da
Reforma Trabalhista e em outras situações menos visadas tem nome: lobby. A
atividade não é crime, mas também não tem regras definidas no Brasil. Em países
como os Estados Unidos, ela é regulamentada. No Brasil, há mais de uma década o
tema é alvo de discussão, com divisão de opiniões sobre a conveniência da
criação de regras. Uma vantagem é clara: isso traria mais transparência para a
atuação de grupos de pressão privados.
No dia a dia
do Congresso, lobistas circulam livremente entre gabinetes de deputados e
senadores, quase sempre com o rótulo de “assessor legislativo”, gerente de
“relações governamentais” ou “relações institucionais” de associações que
reúnem grandes empresas – ou, por vezes, representando diretamente uma empresa
específica.
A legislação
atual impede que eles apresentem emendas diretamente, embora isso seja feito de
maneira clandestina, como revela o levantamento do The Intercept Brasil.
No regimento
da Câmara, a determinação é que as emendas sejam apresentadas somente por
parlamentares. No mesmo documento, o artigo 125 dá poderes ao presidente da
Câmara para recusar emendas “formuladas de modo inconveniente” ou que
“contrarie prescrição regimental”. Não há notícia de que o mecanismo tenha sido
usado em algum momento para barrar emendas preparadas por agentes privados.
Advogados
consultados pelo The Intercept Brasil divergem sobre a existência de crime a
priori na produção de emendas por agentes privados.
“No caso do
parlamentar, existe uma injeção ainda maior de dolo e é evidente o crime de
corrupção passiva, justamente ao usar informações produzidas por uma entidade
privada na esfera pública”, afirma Rafael Faria, professor de Processo Penal na
Universidade Cândido Mendes, no Rio de Janeiro.
Segundo
Faria, os parlamentares deveriam produzir emendas e suas justificativas por
meio dos seus assessores contratados para trabalhar nos seus gabinetes, pagos
com dinheiro público para exercer esse papel de assessoramento técnico e
jurídico.
“Existe uma
vantagem indevida, não sabemos qual é ainda, mas isso somente uma investigação
poderá revelar. Mas que há, não tem dúvida. Não importa se o deputado não
recebeu dinheiro de doações declaradas, é necessário que ele respeite as regras
de compliance. Não trazer pareceres privados para a área pública”, argumenta.
Por outro
lado, Carolina Fonti, especialista em Direito Penal Empresarial e sócia do
escritório Urquiza, Pimentel e Fonti Advogados, acredita que é necessário
verificar se houve vantagem indevida em troca das emendas antes de enquadrar no
crime de corrupção.
“Mais uma
vez verificamos que processo legislativo pode enganar ou esconder interesse
escusos da sociedade. Identificada uma vantagem eventual, futura ou apenas prometida
aos deputados, podemos então ter o crime de corrupção”, afirma.
O senador
Romero Jucá (PMDB-RR) apresentou, no ano passado, uma PEC (47/2016) com apoio
do governo para regulamentar o lobby no país. No campo legislativo, sua
proposta prevê que lobistas possam apresentar emendas a projetos em tramitação
no Congresso. A tramitação está parada no Senado, aguardando designação de
relator na Comissão de Constituição e Justiça.
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