No fascismo italiano e espanhol, nazismo e golpes
militares na América Latina, a onda foi irreversível. Com o avanço
institucional do país, o clima de ódio deveria cansar.
Peça
1 – a onda da pacificação
É curioso como ocorrem
as grandes inflexões na opinião pública. Cria-se uma onda que engole o mundo
político, midiático, libera a besta das ruas, promovendo os surfistas que
conseguem cavalgá-la e afogando os que são apanhados no contrapé.
Há casos em que a onda
é tão forte que se torna irreversível. Foi assim com o fascismo italiano e
espanhol, com o nazismo, e com os golpes militares na América Latina. Mas, na
maior parte das vezes, dependendo do maior ou menor avanço institucional do país,
o clima permanente de ódio cansa e as ondas refluem. Se não tem forças para
completar o ciclo, e instaurar uma ditadura fascista, esvazia-se com o tempo.
Nesses grandes
movimentos tectônicos, um bom governo teria enormes dificuldades para atender
às expectativas criadas pelo imaginário. Mas quando a cara do governo passa a
estampar cada vez mais a bocarra e a incompetência dos Bolsonaro, tem início
uma nova onda, pequena no início, mas crescendo rapidamente, e que será
hegemônica dentro de algum tempo: a busca de saídas para o país através da
conciliação nacional.
Passado o pico do ódio,
haverá um refluxo até que reste só a besta, a legião selvagem dos
bolsonaristas, a 15 a 18% da população.Jornalistas Livres@J_LIVRES, #SP Av. Paulista.
Três covardes, três
vermes, três machos escrotos, três defensores de @jairbolsonaro e Sérgio Moro
atacam selvagemente uma garota que apenas não concorda com eles. #lulalivre#fascistasnãopassarão, video: Chico Prado
Peça
2 – a reorganização das forças hegemônicas
Na maionese bolonariana
têm religiosos fundamentalistas, alucinados antiglobalistas, aventureiros
empresariais. Mas, para os jogos de poder, o que conta forças políticas e
econômicas. Entre elas, o antilulismo continua sendo peça central: na mídia, no
mercado, no Judiciário e nas Forças Armadas. Portanto, o próximo capítulo
ainda será uma tentativa de reorganização dessas forças.
As guerras políticas
internas (assim como as guerras reais) têm dois tempos: o das batalhas e o da
consolidação da conquista. Dos estudos de Sun Tzu, sobre a arte da guerra, aos
de Montesquieu, sobre a ascensão e queda do Império Romano, há uma literatura
ampla mostrando a diferença fundamental entre a postura na guerra e a postura
na vitória.
Terminada a guerra, a
principal preocupação dos vitoriosos é desarmar os espíritos, mostrar senso de
justiça, atrair os derrotados, mantendo seus poderes sob controle, mostrar-se
justo, não tentar impor seus valores e costumes sobre os adversários. E há um
conjunto de lições sobre as estratégias militares. Nunca se mostre como você é:
se está forte, tente se apresentar como enfraquecido; se está fraco, mostre-se
forte; nunca explicite o que você pensa, implemente A dando a entender que você
quer fazer B.
É interessante comparar
a conduta do general Hamilton Mourão com a do governador paulista João Doria
Jr.
Dória conseguiu
cavalgar duas ondas. A primeira, na prefeitura de São Paulo, apresentando-se
como gestor antipetista. Quando o eleitorado da capital se deu conta de que não
era gestor, a onda do antilulismo estava em plena ascensão, especialmente no
interior, catapultando-o ao governo do Estado. Com isso, passou a apostar
desmedidamente na sua intuição. E tenta repetir, para a próxima rodada, o mesmo
discurso das rodadas anteriores.
Os romanos tinham um
hábito interessante contra esses deslumbramentos. Sempre que um general voltava
vitorioso da guerra e fazia a caminhada da vitória pela cidade, ao seu lado ia
um escravo que murmurava: “Não se esqueça que você é humano”.
Dória persiste no
discurso de guerra, perpetrando mesquinharias, como impedir que o MST
(Movimento Sem Terra) faça sua reunião anual (para venda de produtos orgânicos)
no Parque da Água Branca, ou cortando recursos para cultura, ou estimulando a
violência policial. Está pensando em chegar mais longe olhando pelo retrovisor
e pretendendo disputar os 18% do eleitorado. Fosse politicamente mais
inteligente, haveria uma avenida aberta à sua frente, como contraponto
civilizado a Bolsonaro.
Essa avenida – da busca
da conciliação, como maneira de consolidar a direita – está sendo trilhada pelo
general Mourão, seguindo à risca e com inteligência os manuais de estratégias
militares.
Apresenta sempre o
contraponto racional contra as maluquices de Bolsonaro, impedindo as loucuras
do Ministro das Relações Exteriores, corrigindo as bizarrices perante o público
interno e externo. É evidente que, ao corrigir o presidente, não pretende
desfazer suas tolices, mas expô-las.
Vai além, com
reconhecimento da necessidade de propostas de união nacional, aproximação com
diversos setores sociais, a importância da diversidade, do meio ambiente, o
entendimento sobre o que é uma economia moderna etc.
É possível que tenha
descoberto as virtudes da democracia e do pluralismo, é possível que apenas
esteja aplicando um dos princípios da estratégia militar de não se mostrar como
é. De qualquer modo, é quem está crescendo sobre os escombros do bolsonarismo.
Nos próximos meses,
Mourão se tornará cada vez mais ponto de convergência de empresários, políticos
e mercado, desencantados com Bolsonaro. Quando a aliança estiver madura, não
será necessário conspirar, nem dar golpe de gabinete para se desfazer de
Bolsonaro. Basta aguardar as conclusões de uma das investigações em curso sobre
suas ligações com as milícias, e contar com o desmanche de sua base política,
obra do inacreditável Onix Lorenzoni.
Parte
3 – o fator Lula
Impressiona o fato de
que, sendo prisioneiro político, impedido até de dar entrevistas, Lula consegue
unificar a esquerda com suas mensagens. Aliás, o fato de ter se transformado em
preso político unificou a esquerda, consolidando sua liderança até sobre os
partidos mais novos, que cresceram em cima do desgaste do PT e da falta de
arejamento do seu alto comando.
De qualquer modo, o
desafio político consiste em ampliar o leque de alianças, abarcando o centro
democrático e a centro-direita. Mas o PT tem encontrado dificuldades, com Lula
preso.
Tem um candidato,
Fernando Haddad, com penetração junto a muito setores progressistas e
empresariais anti-PT. Mas a própria manutenção da prisão política de Lula
impede avanços maiores, visando a conciliação nacional.
De qualquer modo, o PT
vive um paradoxo. Não pode abandonar o protagonismo, junto às esquerdas, para
não perder o bonde com a redemocratização – como ocorreu com o velho PC. Por
outro lado, esse protagonismo impede o avanço das negociações e dificulta a
montagem de uma frente ampla democrática.
A libertação de Lula
seria o grande sinal para se começar a desenhar a paz nacional. Mas o STF
(Supremo Tribunal Federal) permanece acuado e sem coragem de retomar o caminho
da institucionalidade.
Com tudo isso, o jogo
político continuará sendo jogado entre bolsonaristas e a direita mais racional,
com o prestígio crescente de Hamilton Mourão.
Do GGN