O
encontro anual da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República), o
sindicato de fato dos procuradores da República, gerou uma “Carta de Ipojuca”,
em torno do tema “O Ministério Público Federal na defesa da ordem econômica”.
É
uma demonstração cabal que não se deve julgar o MPF por seus luminares, os
grandes procuradores envolvidos nas grandes causas civilizatórias, porque não
representam o pensamento majoritário do setor.
Trata-se
de um setor eminentemente sindicalista, sem nenhuma visão de interesse
nacional, com visão de mundo superficial e corporativista, como pode se
conferir na “Carta de Ipojuca”, documento oficial na última reunião associativa
do MPF.
O
primeiro CONSIDERANDO é o que se segue:
CONSIDERANDO
que a ordem econômica, nos termos da Constituição da República, tem por
finalidade assegurar a todos existência digna e justiça social;
CONSIDERANDO
que a atuação do Ministério Público Federal na defesa da ordem econômica, seja
na proteção à livre concorrência, aos consumidores, ao meio ambiente ou à busca
do pleno emprego, é essencial para que se concretizem direitos fundamentais, reduzindo-se
as desigualdades regionais e sociais;
Observação – o
“à busca do pleno emprego” é uma maneira da ANPR mostrar que procurador também
tem coração. Não há nenhuma decisão, no âmbito do Ministério Público Federal
(MPF), que tenha relação com o pleno emprego. Para atuar, teria que questionar
a política econômica em vigor, mas aí seria ir muito além das chinelas curtas,
que a ANPR determinou para o MPF.
CONSIDERANDO
que o MPF tem enfrentado os maiores casos de corrupção da história do País, os
quais envolvem empresas relevantes e dominantes em diversos mercados;
Observação
– o MPF destruiu cadeias produtivas inteiras, sem a menor preocupação com
emprego e nível de atividade.
(...)
E,
como não poderia deixar de ser, vindo de um órgão eminentemente sindical:
CONSIDERANDO
que as magistraturas são as únicas carreiras federais às quais vem se negando
recomposição salarial, ainda que parcial, tornando-as, em prejuízo do interesse
público e da isonomia, defasadas em termos remuneratórios e em condições de
trabalho, e crescentemente pouco atrativas, em afronta ao princípio constitucional
da irredutibilidade de vencimentos;
CONCLUEM que:
1.
A atuação do MPF na defesa da ordem econômica contribui para a segurança
jurídica, para um ambiente saudável de negócios, com o combate à corrupção, e
para o desenvolvimento econômico sustentável de longo prazo, na medida em que
enfrenta os vícios estruturais do sistema;
Observação
- o governo Temer, colocado no poder com ajuda inestimável do MPF,
está leiloando o país, montando um balcão de negócios só ocorrido, antes, em
países africanos. Trata-se do efeito mais visível da Lava Jato e da atuação
política do MPF. Leiloar estatais na bacia das almas, abrir reservas indígenas
para exploração comercial, leiloar áreas da Amazônia legal, para a brava ANPR,
não comprometem em nada o “ambiente saudável de negócios”.
2.
A responsabilização das pessoas físicas e jurídicas envolvidas em atos de
corrupção é dever inafastável dos membros do Ministério Público e essencial
para que haja desenvolvimento social e econômico, sendo que, quanto às empresas
corruptoras, essa responsabilização é imprescindível para que se garantam os
parâmetros da concorrência adequada e justa, da existência do livre mercado e da
livre iniciativa;
Observação - Como
já demonstrado na série “A indústria das delações premiadas”, a Lava Jato
livrou todas as grandes multinacionais envolvidas em corrupção com a Petrobras.
O “desenvolvimento social e econômico” será alcançado como? Destruindo a
engenharia nacional.
(...)
5. Dada a concomitante atribuição cível e criminal, é o Ministério Público o
órgão melhor posicionado para coordenar os esforços de celebração de acordos de
leniência, garantindo o interesse público e a necessária segurança jurídica;
Observação – quando
se tentava avançar em acordos de leniência, no início da Lava Jato, medida que
preservaria centenas de milhares de empregos, um mero procurador regional deu o
berro contra – para não perder poder – e o próprio Procurador Geral da
República recuou. Uma organização assim, sem coluna vertebral, estaria apta a
ser a avalista final dos acordos de leniência?
6.
No âmbito interno do MPF, os acordos de leniência da Lei Anticorrupção devem
contar com a colaboração entre os diversos membros legitimados e a Câmara de
Combate à Corrupção, respeitando-se sempre o promotor natural;
Observação – o
princípio do promotor natural foi amplamente desrespeitado pelo MPF na Operação
Lava Jato. Com que autoridade volta a defender o princípio?
7.
É fundamental a atuação da Câmara de Combate à Corrupção do MPF na homologação
e na expedição de orientações para os procedimentos e parâmetros da elaboração
de acordos de leniência, indicando diretrizes que deem maior segurança jurídica
aos membros, aos investigados e à sociedade;
Observação
– Ufa! Robalinho teve um assomo de anti-corporativismo. Deve ter ficado
com medo de perder votos nas próximas eleições.
8.
A obrigação da criação de sistemas de compliance em empresas que firmem acordo
de leniência é fundamental para garantir que as empresas possam balizar suas
práticas com base na ética e na legalidade;
Observação
- Defesa do mercado de trabalho futuro, para os procuradores que se
aposentarem, conforme já alardeado por integrantes da Lava Jato.
9.
O combate eficiente e efetivo ao crime pressupõe a manutenção integral das
garantias constitucionais de inamovibilidade, irredutibilidade de subsídios e
autonomia, atribuídas às magistraturas judicial e ministerial;
Observação
– nenhuma menção ao Estado de Direito, ao respeito aos direitos
individuais.
10.
É necessário o contínuo e intenso engajamento da classe, da Instituição e da
sociedade em defesa das prerrogativas institucionais do Ministério Público e
da magistratura judicial;
Observação
– Obviamente, ajudando a garantir a recomposição salarial.
Seguem-se
vários parágrafos sobre o papel do MPF e da Polícia federal.
17.
É imprescindível e urgente a reposição das perdas inflacionárias que corroem os
subsídios das magistraturas federais, únicas carreiras de estado da União que
não têm reajustes desde 2015 (e que repuseram parcialmente a inflação apenas de
2013 e anteriores). A defasagem absoluta e relativa dos subsídios põe em risco
a preservação do próprio status constitucional da Instituição, e é
particularmente injusta aos aposentados, que não têm acesso a verbas remuneratórias
e indenizatórias recebidas na ativa;
18.
Para que se recupere a existência efetiva de uma carreira nas magistraturas e
se reponha a paridade entre ativos e inativos, é urgente, e deve continuar a
ser prioridade da carreira e da instituição a retomada e aprovação da PEC nº
63/2013, que institui o adicional de Valorização de Tempo de Magistratura;
Observação
– nenhuma linha a respeito da PEC do Teto, que está sendo alvo de análises
e ações da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), da própria PGR.
O que mostra que a massa dos procuradores têm exclusivamente visão sindical de
defesa dos próprios interesses.
(...)20.
O Ministério Público Federal e o CNMP devem manter diálogo permanente para o
fortalecimento das prerrogativas institucionais e para que a atuação do
colegiado não afete e não interfira na atividade finalística desempenhada pelos
órgãos ministeriais;
Observação
– ah, bom! Achei que a visão institucional do item 7 tivesse se sobreposto
ao corporativismo dos que consideram cada procurador uma ilha de poder.
23.
O respeito à lista tríplice para escolha de Procurador-Geral da República se
mostrou, uma vez mais, salutar para o País. Reforça-se a necessidade de os
membros do MPF continuarem envidando esforços para a institucionalização da
lista tríplice, bem como da sua inclusão formal na Constituição da República,
consagrando a escolha democrática e republicana de representante máximo da Instituição;
Observação
– um órgão com poder de Estado, sem ter voto nem mandato, pretendendo ser
dono absoluto do seu próprio poder. Uma notável falta de senso sindical.
(...)
25. Os membros do Ministério Público Federal devem reforçar o apoio à sociedade
civil organizada para atuação na fiscalização e controle da gestão pública,
visto que a sociedade civil é fiscal e parceira fundamental do MPF no combate
à corrupção.
Observação
- o primeiro passo é abrir as informações e submeter a indústria da
delação premiada a um controle externo. O poder absoluto de fixar pena, de
bloquear e liberar dinheiro, com base na avaliação subjetiva de um procurador e
um juiz colide com qualquer forma de transparência pública.
GGN