"Aceitemos
isso como um sinal dos deuses e sigamos até onde eles acenam, vingando-nos de
nossos inimigos hipócritas. A sorte está lançada" (Júlio César).
Quando
Júlio César decidiu atravessar o rio Rubicão com suas legiões - algo que era
proibido a qualquer general por lei do Senado - a República romana, a rigor, já
vivia seus estertores. Ela vinha morrendo desde as derrotas e o assassinato dos
irmãos Graco, das guerras civis entre Sila (aristocracia) e Mário (partido do
povo) e com a anulação da lei da reforma agrária. Roma era dominada pela
aristocracia, que havia transformado a República num simulacro. Já não havia
equilíbrio entre o povo e os nobres e o poder estava concentrado no Senado.
O
Brasil está muitíssimo longe de ter vivido a grandeza da República de Roma,
mas, politicamente, existe hoje uma certa similitude com os tempos em que César
decidiu-se a cruzar o Rubicão. O país está dominando por uma elite perversa que
destrói direitos e desequilibra o poder em favor dos ricos, impondo pesados
confiscos tributários aos pobres. O conflito entre os dois lados chegou a um
ponto de não retorno, pois é preciso radicalizá-lo com o objetivo de buscar
restabelecer algum equilíbrio, evitando um empobrecimento e uma exploração
ainda maiores dos trabalhadores.
O
governo aristocrático de Brasília, que vem se tornando cada vez mais uma
oligarquia destrutiva e opressora, precisa ser derrotado, seja pela via
eleitoral, seja pela via das lutas de rua, de rebeliões sociais. O pacto
republicano-democrático foi rompido quando Aécio Neves não aceitou o resultado
das urnas e começou a urdir o golpe que resultou no afastamento do governo
eleito.
Na
última semana, o violento ataque perpetrado contra Lula, partindo de vários
meios, comprova que as forças
conservadoras estão dispostas a usar todos os meios da guerra - judiciário,
delações, acusações, destruição da imagem pública pela mídia, etc. - para
alcançar seus objetivos. A sentença contra Lula já está decidida. A nova onda
de ataques surgiu com três objetivos: 1) manter fogo cerrado contra a
candidatura Lula; 2) esconder o fracasso de Temer depois de um ano de governo;
3) criar uma cortina de fumaça para levar ao esquecimento as pesadas denúncias
que vieram a tona contra líderes do PSDB, Temer e ministros do governo.
Uma
batalha campal pela democracia, por direitos e pela candidatura Lula
É
preciso reconhecer que as forças progressistas, Lula e o PT não estão com uma
nitidez estratégica definida e com definições de iniciativas táticas que
indiquem um caminho a ser seguido e objetivos a serem conquistados. Após atos,
manifestações públicas de rua e a própria greve geral, os setores populares
carecem de solução de continuidade e não sabem qual será o movimento seguinte.
Em que pese o momento ser propício para uma virada em favor de uma ofensiva
popular, na verdade, persistem elementos de desorganização e de defensiva que
vêm se observando desde o início de 2015, quando se iniciou o projeto do golpe
conservador.
A
rigor, existem três grandes tarefas postas na conjuntura: defender a
democracia; lutar pela preservação dos direitos, contra as reformas
conservadoras e o desmanche da educação, da saúde, da cultura e da ciência e
tecnologia; e exigir que Lula tenha o direito de ser candidato em 2018. Há
consenso no campo progressista acerca dos das duas primeiras tarefas. O que
falta é organização, tática ofensiva e um cronograma de lutas.
Independentemente
de que se venha apoiar ou não a candidatura de Lula, o fato é que o direito de
ele ser candidato tornou-se uma questão democrática crucial para enfrentar o
condomínio conservador e antipopular estabelecido no governo. Em primeiro
lugar, é preciso observar que a cruzada contra Lula é a mais violenta e cruel
já levada a efeito contra um político brasileiro. O juiz Moro, a Lava Jato,
setores do Judiciário, o PSDB e setores da mídia jogam sem piedade para
destruir a personalidade política de Lula e tudo o que ele representa enquanto
política popular. Com o linchamento moral recorrente, criaram as condições para
a violência política e para o linchamento físico do ex-presidente. Os conteúdos
técnicos e jurídicos dos processos contra Lula já estão enterrados e seu
julgamento é puramente político.
Se
a Lava Jato faz reféns, como disse Gilmar Mendes, as delações forçadas são
pagamento do resgate. É espantosa a degradação moral a que o país chegou: um
corrupto notório como o marqueteiro João Santana teve a ousadia de afirmar que
Dilma sofreu um "apagão moral". A normalidade com que se revestiu a
delação de Marcelo Odebrecht e dos outros executivos, descrevendo o roteiro de
como o capitalismo brasileiro assalta o Estado e os pobres, prova que a
sociedade brasileira já não tem mais alma, não tem mais virtudes, vendeu-se ao
demônio. As perguntas sem sentido do juiz Moro, a pavonice estúpida de Deltan
Dallagnol, o disse-me-disse sem provas e sem dignidade das delações forçadas
transformaram a Lava Jato num comitê de absurdos, numa guilhotina da verdade,
num instrumento persecutório, numa proteção da mentira. Na equação perversa que
a Lava Jato montou, serão salvos os maiores corruptos, os que causaram mais
dano ao Brasil.
A
caminho da violência política
A
parcialidade da Lava Jato, do Ministério Público, do STF, da Polícia Federal e
de setores da mídia está levando o país a uma crise de violência política
gravíssima. Histórias de vários eventos políticos e militares mostram que
quando se leva determinadas forças a becos sem saídas, elas lutaram até a
morte. É isto o que está acontecendo hoje no Brasil com Lula e com os
movimentos sociais. Cabe perguntar: o que quer o Ministério Público? A rebelião
social? O que querem o juiz Moro e outros setores do Judiciário? A violência
política? O que querem setores da mídia? Incendiar o país?
Ate
agora não há elementos consistentes que justifiquem a condenação ou a prisão de
Lula. Condená-lo ou prende-lo e impedir a sua candidatura, deixando livres Aécio Neves, vários ministros
e o próprio Temer significa jogar dinamite num deposito de pólvora e é
inaceitável sob qualquer ponto de vista. Existe um curto-circuito político no
país que só será desfeito se a imparcialidade do judiciário e a coincidência
temporal dos processo forem estabelecidas. Como a democracia foi quebrada com o
beneplácito do Supremo Tribunal Federal, parte da sociedade e um dos lados do conflito
perderam toda a confiança em qualquer neutralidade das instituições. O STF está
com um estopim acesso nas mãos diante de um mar de gasolina. Cabe a ele decidir
se incendiará país ou se permitirá que os líquidos e os humores inflamáveis
escoem para alguma saída.
As
forças progressistas, se não quiserem sofrer uma derrota ainda mais
devastadora, precisam se pôr de acordo, criar uma unidade, cruzar o Rubicão e
invadir Brasília. Se não há um César para comandar as legiões, que as comandem
outros cadetes. E se não há legiões, que se lute com os trabalhadores da cidade
e do campo, com os índios, com as mulheres e com os jovens.
É
preciso parar o governo e o Congresso na sua criminosa investida contra os
direitos do povo. É preciso exigir do STF e do Ministério Público que recobrem
a sobriedade e a responsabilidade constitucional. Nas atuais condições, as
forças progressistas devem perceber que não há o que negociar. Para que se
estabeleçam condições de negociação é preciso restabelecer o funcionamento da Constituição
e o fim do ataque aos trabalhadores e ao povo pobre.
Do
GGN, por Aldo Fornazieri