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sábado, 21 de outubro de 2017

Não se engane, lava jato não vai acabar com a corrupção, por Fernando Horta

Há um pensamento corrente na sociedade brasileira de que a Lava a Jato poderá “limpar o Brasil”. Claro que alguns usam o termo “limpar” com o sentido de retirar qualquer forma de governo de esquerda e antiliberal da possibilidade de governar novamente o país. Mas há sim uma boa parcela da população brasileira que julga que o que está acontecendo pode ter o condão de transformar a práxis política brasileira e criar um “novo Brasil” daqui para a frente.
Infelizmente, este é um pensamento mágico que não encontra respaldo em qualquer estudo sério sobre corrupção. Punição não é solução para o crime. Armas não conferem a ninguém uma maior segurança. Não se acaba com uma infestação de ratos caçando um por um. Não se acaba com a “corrupção” criando um justiceiro e um estado de exceção.
É preciso que se entenda que as relações sociais são muito mais complexas e profundas do que qualquer um de nós pode imaginar. As sociedades, por exemplo, coíbem o homicídio há mais de 2000 anos e eles continuam a existir. Justificados, apoiados, escondidos, transformados, ignorados, massificados, idolatrados; cometidos por homens, por empresas, por Estados e etc. A punição não é forma de resolver um problema sistêmico ou estrutural, simplesmente porque não há sociedade que consiga oferecer a mesma punição sempre e todas as vezes que o delito ocorre.
Dado que as individualidades são os efetivos tomadores de decisão, o poder coercitivo exercido sobre uma delas (ou uma dezena ou centena) não tem o condão de evitar que qualquer outro volte a incorrer na mesma ação punida. Tanto porque a informação não corre sobre o tecido social de forma homogênea, quanto pelo fato de que cada incurso de um indivíduo contra uma regra socialmente estabelecida é cercado de condições próprias e singulares. E tanto a autoria da ação, quanto as condições em que ela foi feita tornam os delitos singulares. Não importa o quanto o Direito tente estabelecer normas em caráter conceitual para enclausurar determinadas condutas, cada crime é único.
Corrupção é um termo muito difícil de definir. Tanto é que as pesquisas que “medem” corrupção nunca o fazem de forma indutiva, ou seja, determinando e selecionando o ato da “corrupção”. Qualquer índice sobre corrupção é sempre baseado em uma sensação, um sentimento de alguém. Normalmente se pergunta a empresários e agentes públicos para colocarem determinados países em uma lista de “mais corruptos” até “menos corruptos” e ... voilá! Se tem a “corrupção” quantificada. Mas é a corrupção ou o sentimento de uma parcela de agentes sobre ela, e em determinados contextos? Qual a significação real deste dado? Ele é livre de viés político?
É claro que do ponto de vista econômico são diferentes o ato de faltar ao trabalho e apresentar um atestado falso ou o ato de apropriar-se de parte de um sobrevalor contratado para uma empresa vender petróleo para a África. Do ponto de vista conceitual, entretanto, fica muito complicado diferenciar. Os liberais costumam usar uma regra (não dita) que afirma que “não há corrupção entre interesses privados”. Quando uma empresa está tratando com outra e que – supostamente – não há interesse público, qualquer incongruência entre o imaginado, o contratado e o efetivamente realizado fica no campo da incompetência dos agentes de realização e fiscalização contratual. Um assunto “deles”.
É uma forma bastante eficiente de escamotear a corrupção privada e reforçar, por um contorcionismo lógico, a supremacia do privado sobre o público.
A corrupção que interessa para a maioria dos “índices” e pesquisas sobre o tema é aquela que ocorre no âmbito do interesse público. E daí, novamente, temos o problema da Lava a Jato. Se você se propõe a punir apenas uma parte das ações humanas, ainda que semelhantes, em função do resultado delas, não se consegue criar um espaço de reconhecimento social de que esta prática não é aceita. Se você só mata o rato que enxerga, você não está acabando com a infestação. Na realidade, está a tornando ainda mais forte. Para cada rato adulto que você matar, restará comida suficiente para criar muitos filhotes. O resultado, ao contrário do que poderia afirmar o senso comum, são mais ratos.
A verdade é que a corrupção no Brasil tinha criado uma série de defesas, utilizando-se tanto das garantias e imunidades dadas (e necessárias) a agentes públicos, quanto da nossa centenária prática do uso privado das coisas públicas por uma pequena parcela social, normalmente embalada por laços de nascimento ou de clientela política. Um país onde figuras tão mal preparadas como Geddel, Cabral e Maia participavam do “butim” é um país onde a corrupção atingiu nível endêmico e estrutural.
Chego a dizer que não há cidade no país que não haja desvio ou superfaturamento na compra de papel, lápis, merenda, material de limpeza e por aí vai. Não há quartel, ou instituição que passe por um pente fino destes também.
A questão é perguntar se caçando e punindo “por amostragem” pode-se acabar com a corrupção. Não. O que teremos é uma leva de corruptos muito melhor preparados, muito mais capazes em dissimular seus atos e com raízes e defesas muito mais sólidas. O veneno que um rato come não é consumido pelos outros se este primeiro morre. Ainda que disséssemos que a Lava a Jato tem o objetivo de atacar a corrupção (o que não tem) os métodos e a lógica dela são falhos, pensados por pessoas sem conhecimento sobre o problema que pretendem resolver.
Os historiadores dizem que a corrupção na Itália AUMENTOU após a Mani Pulite de lá. O que diminuiu foi o interesse da população na política, sua participação e seu controle. Isto permitiu Silvio Berlusconi como primeiro ministro por quase dez anos. Nos EUA, incapazes de resolver o problema, eles tornaram a coisa legal. Político receber dinheiro conforme defende os interesses de empresas ou segmentos econômicos é algo normal e legal. O lobby é atividade socialmente aceita. Já quando eles tentaram criminalizar práticas sociais baseados (opa!) num moralismo religioso, tiveram aumento da corrupção e da violência. Basta lembrar dos anos da Lei Seca.
Há, pois, inúmeras formas de se lidar com a corrupção. Nenhuma delas, entretanto, propõe racionalmente a punição espalhafatosa como forma de contenção da ação delituosa. Não é espancando em praça pública que se acabam com os ladrões. Não é matando que se acaba com o homicídio. Não é cortando o pênis que evitamos o estupro. Não é armando a população que coibimos a criminalidade.
Preparemo-nos, assim, para uma leva de corruptos cada vez mais preparados e mais inteligentes, com sistemas mais complexos e com relações em ainda mais alto nível no Estado. E, claro, a corrupção vai aumentar bastante seu preço. O resultado da Lava a Jato vai ser a alienação da população para a política (como já acontece), o descrédito da coisa pública como capaz de exercer a função para a qual foi pensada e – o mais perigoso de tudo – uma desconfiança nos processos democráticos.
Sem falar da corrupção moral de juízes e promotores ao se acharem super-heróis ... tornam-se exatamente o que julgam perseguir.
Do GGn

quinta-feira, 8 de junho de 2017

Esqueletos no armário, de Fernando Horta

A verdade é que tem muita gente falando pelo Exército. O senador símbolo do governo Temer, Romero Jucá, foi gravado dizendo que “estava conversando com comandantes militares” e que eles “dizem que vão segurar”. E nada mais lhe foi perguntado, colocando uma enorme dúvida na cabeça de todo cidadão brasileiro sobre quem disse e sobre segurar o quê? A falta de interpelação do próprio senado às falas de Jucá mostra o quanto o Brasil ainda é um país cujas instituições de poder atuam nas sombras, longe do olhar claro do cidadão.​

quarta-feira, 31 de maio de 2017

Lava jato: não é só uma operação, traz consigo uma carga ideológia destruidora dos anseios das classes populares

Sala de visitas: como a Lava Jato desnudou fragilidades da democracia brasileira. Luis Nassif entrevista o colunista do Jornal GGN e pesquisador da UnB Fernando Horta e pianista e cantor Breno Ruiz.
Nesta edição do programa Na sala de visitas com Luis Nassif você acompanha a entrevista completa do colunista do GGN, historiador e relações internacionais Fernando Horta fazendo uma análise do impacto da operação Lava Jato na crise política do país, e como todos os processos políticos que se desenrolaram em torno dela, incluindo o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, desnudam as fragilidades da democracia brasileira. 

Para o pesquisador da UnB, a Lava Jato é mais do que uma operação para desvendar um esquema de corrupção revelando, desde seu início, um viés de cunho ideológico para conseguir destituir do governo central do país um partido mais correspondente aos anseios das classes populares.


Em seguida, Nassif recebe o pianista, cantor e compositor paulista Breno Ruiz, que apresenta músicas do repertório do seu primeiro CD - Cantilenas Brasileiras, trabalho composto em parceria com o poeta Paulo Cesar Pinheiro. Breno é considerado hoje um dos melhores compositores jovens da atualidade no Brasil se tornando, nos últimos anos, referência entre os músicos do Rio Janeiro e de São Paulo.
Do GGN

Fernando Horta: In dubio pro democracia!

O professor Pedro Serrano acredita que emenda pelas “diretas já” seria inconstitucional. Serrano, é uma potente voz neste assunto. O professor afirma que a emenda viria de um “casuísmo”, uma legislação ad hoc, feita para um momento extraordinário, diferenciado. Serrano tem se pautado pela negação de qualquer ato de exceção, buscando fortalecer as instituições ao invés de solapá-las. A lei serve para os momentos ruins e para os bons. Sem distinção.
Já o professor Yuri Carajelescov acredita que as eleições indiretas não estão previstas no nosso ordenamento. A lei que regula este tipo de situação é de 1964 e não teria sido recepcionada pela constituição de 1988. Recepcionar uma lei é um termo técnico que os juristas usam para quando os legisladores aceitam absorver uma lei originada anteriormente à constituição. Aproveita-se a positivação anterior desde que não em tensão com o novo ordenamento. Carajelescov também cita o fato de não ter havido posse correta de Temer, eis que o impeachment que deu origem à vacância não seria legítimo. E em não havendo posse legítima não há vacância que enseje a lei de 64. Estaríamos num limbo e bem viria uma PEC para eleições diretas.

Na última terça um grupo de juristas da UFRJ (doutores, José Ribas Vieira, Vanessa Batista Berner, Lilian Balmant Emerique, Carolina Machado, Cyrillo da Silva e Fabiano Soares Gomes) escreveram artigo informando que a Lei de 64 (a que fala de eleições indiretas) está em desacordo com a constituição de 88 (notadamente o artigo 14 que fala da soberania popular e do sufrágio universal). Afirmam que o correto seria eleições diretas.

Longe de mim dar pitaco nestas discussões aí. É como criticar corrida de Ayrton Senna, Alain Prost e Nelson Piquet. Eles que são grandes que se entendam. Meu caminho é outro, é o da política, é o da história.

A lei de 64 vai muito bem com a cara do regime militar. Aquele que gostava de democracia sem povo. O povo, afinal, atrapalha o bom andamento da democracia. Em tudo o que os militares podiam, eles afastavam o povo. Trocavam participação por uma espécie de tutoria. O povo era uma criança que precisava ser cuidada, carregada no colo, alimentada, levar umas palmadas, mas jamais decidir por si ou caminhar sozinha. Muito perigoso. Me parece que a lei de 64 não se adequa ao momento atual, usá-la seria a velha solução de exclusão da população do cenário decisório. Isto é chamado na História brasileira de “decisão pelo alto”. O impeachment fez isto. Os em posição mais alta nos grupos econômicos e nas burocracias, aqueles que “sabem melhor do que o povo”, decidem o que é melhor. O resto segue como boiada.

Eleições indiretas consagrariam também outra conhecida máxima da história brasileira: a de mudar as coisas para que continuem todas iguais. Tivemos várias reviravoltas institucionais durante nossa história. Tiramos imperadores, colocamos regentes, tiramos regentes para colocar imperadorezinhos, tiramos a monarquia colocamos militares, tiramos os militares para assumirem cafeicultores ... e assim foi ... chegaram os ditadores, voltaram os militares e nesta dança das cadeiras não foi mudado o grupo social que sempre se aproveitou do Estado para enriquecer e sempre decidiu. Nunca houve uma revolução social no Brasil. O que de mais próximo tivemos foram a inclusão dos trabalhadores pelas leis trabalhistas de Vargas e a inclusão das classes baixas nos espectros de consumo e nas universidades feita por Lula.

Nem se pode dizer que foram “revoluções”, mas definitivamente mudaram a cara da nossa sociedade. Não é por acaso que ambas são alvos dos grupos que querem eleições indiretas. Não é por acaso que se tenta acabar com educação, leis trabalhistas e tudo mais que poderia garantir algum tipo de ascensão social às populações mais pobres deste país. Eleições indiretas agora seria mudar para continuar tudo na mesma. Os nomes ventilados assustam. Ou é o jurista-coringa que trabalhou para todos, menos para o povão. Ou é o multimilionário nordestino, que está em silêncio para fazer parecer que nada se tem contra ele ou algum outro nome de ocasião que cheira a perfume importado, fala um português “escorreito” e tem “entrada” com as elites. Bem ao gosto daqueles que mandam no país desde 1500.

A mim, parece claro que não é constituição que recepciona a democracia. Que o povo não precisa de alguma autorização que os mortos deixaram numa capenga carta. Carta esta que anda sendo desautorizada desde as questões do anatocismo (juros bancários), lembram? É a democracia e o pacto entre nós que permite qualquer constituição. Não há Carta sem pacto democrático anterior. Ando bem ressabiado porque leio os artigos da nossa constituição, especialmente do primeiro ao quinto, e não reconheço o país que ali está descrito. Não sei mais, efetivamente, para que serve aquele amontoado de incisos, leis, artigos se não para tolher o pobre, afastar o povo e proteger os ricos e poderosos. Se tudo pode ser mudado por PEC, na calada da noite, com votações surpresa ou decisões do nosso tão ativo STF, então não há motivo para usar-se como camisa de força uma lei de 1964.

No mínimo, in dubio pro democracia. E os que tem medo de povo, medo de voto e medo de sufrágio que tenham a coragem de vir à público explicarem-se.

Não se pode aceitar menos do que eleições diretas. Penso ainda que o povo deveria exigir renúncia de todo parlamento e junto votar um novo parlamento constituinte. Se é para passarmos a limpo tudo que tomemos a nossa história nas mãos. E que se diga mais adiante, em caso de tudo dar errado, que o erro foi do povo. Pela primeira vez, em 500 anos.

Do GGN