A cada dia que passa fica mais nítida a
participação de forças dos Estados Unidos no golpe do impeachment. Trata-se de
tema polêmico, contra o qual invariavelmente se lança a acusação de ser teoria
conspiratória. O ceticismo decorre do pouco conhecimento sobre o tema e da
dificuldade óbvia de se identificar as ações e seus protagonistas. Imaginam-se
cenas de filmes de suspense e de vilões, com todos os protagonistas
orientados por um comitê central.
Obviamente não é assim.
Um golpe sempre é fruto da articulação das
forças internas de um país, não necessariamente homogêneas, e, em muito, da
maneira como o governo atacado reage. No decorrer do golpe, montam-se alianças
temporárias, em torno do objetivo maior de derrubar o governo. Há interesses
diversos em jogo, que provocam atritos e se acentuam depois, na divisão do
butim.
A participação gringa se dá na consultoria
especializada e no know-how da estratégia geral.
E aí entram os princípios básicos,
copiados das estratégias de guerra:
Etapa 1 - Ataques da artilharia: a
guerra de desgaste, de exaurir antecipadamente o inimigo por meio de ataques
diuturnos de artilharia.
Etapa 2 – a guerra psicológica,
visando conquistar corações e mentes das populações dos países adversários
contra suas tropas.
Etapa 3 – a primeira ofensiva,
juntando o avanço dos tanques de guerra com ações táticas de Infantaria,
visando impedir o inimigo de realizar determinadas operações.
Etapa 4 – simultaneamente à Etapa
3, táticas de dividir as forças adversárias para ataca-las uma de cada vez.
Etapa 5 - Vencida a guerra, ocupar o
país com um governo local que, ante um quadro de destruição ampla, ganhará
legitimidade inicial com suas propostas de reconstrução. Por isso a destruição
tem papel central na conquista do território, seja no decorrer da guerra ou no
desmonte posterior.
Etapa 6 – a batalha decisiva. A
aceitação ou não, da população do país, do modelo imposto pela guerra.
Vamos, agora, analisar o Caso Brasil.
Etapa 1 – os ataques de artilharia
Tem a função de fustigar os inimigos
diuturnamente, de maneira a tirar seu fôlego e preparar o terreno para o início
da batalha e o avanço da infantaria.
Quem acompanha as sutilezas do jornalismo
pátrio percebeu nítida mudança no estilo editorial a partir do advento do
Instituto Millenium que ajudou a definir um tipo de jornalismo de guerra mais
sofisticado, e ser o ponto de convergência dos jornalistas que atendiam à
demanda dos grupos jornalísticos por guerreiros.
Até então, a mídia atuava atabalhoadamente
com factoides inverossímeis, dentro do que ficou conhecida como a era do
jornalismo de esgoto.
A partir de determinado momento – e,
especialmente, das notícias geradas pela AP 470, do mensalão – os ataques mudam
de enfoque. Em vez do linguajar agressivo, cobertura intensiva do material
fornecido pelo Ministério Público Federal e pelo relator Joaquim Barbosa, em
linguagem aparentemente neutra, mas sempre incluindo frases-padrão. Em qualquer
matéria, mesmo sem ligação alguma com a AP 470, qualquer menção ao PT era
acompanhada de frases–padrão, tipo “partido que foi acusado de corrupção pelo STF”,
e outros termos similares, repetidos exaustivamente. Instituiu-se método na
campanha midiática.
Etapa 2 – a conquista de corações e mentes
Nas manifestações de junho de 2013 ocorreu
a primeira explicitação do mal-estar coletivo com o início da crise. Antes,
houve um trabalho crescente dos grupos de ultradireita nas redes sociais, se
sobrepondo à jovem militância de esquerda que ficou rendida, sem informações e
sem argumentos do lado de um governo, incapaz de articular um discurso
político.
Factoides de apagão, de epidemias, ataques
ao Enem, à organização Copa do Mundo, tudo ficava sem resposta, sem
informações do governo, deixando o campo aberto para o golpismo.
Os primeiros organizadores de encontros,
jovens de extração de esquerda, foram jogados ao mar pela própria esquerda.
Sem competidores, os movimentos
estimulados pelo exterior ganharam fôlego e o comando das ruas passou para
grupos, como o MBL (Movimento Brasil Livre) e o Vem prá Rua, bancados
financeiramente e com know-how de grupos empresariais norte-americanos, como os
irmãos Koch, e brasileiros, como Jorge Paulo Lehman.
O know-how consistia na habilidade em
criar agentes políticos do nada, valendo-se apenas das novas formas de
comunicação e organização das redes sociais. Pelo extremo baixo nível das
lideranças, percebe-se a enorme facilidade em se criar protagonistas para
conduzir os movimentos de manada nas redes sociais.
A Rede Globo levou dois dias para perceber
que os aliados tinham assumido a iniciativa. Imediatamente seus comentaristas
se alinharam em defesa das manifestações, depois de a terem desancado
impiedosamente no início.
Nos links abaixo, algumas matérias
explicativas desses movimentos de bilionários organizando a militância:
Esfera
de influência: como os libertários americanos estão reinventando a política
latino-americana.
É movimento que repete o fenômeno da
direita empresarial norte-americana nos anos 60, com grupos como o W.R.Grace,
de irlandeses católicos fundamentalistas, investindo em cruzadas em países da
América Latina.
Leia aqui sobre os Grace e sua Campanha
Pelo Rearmamento Moral:
Etapa 3 – o ataque com tanques e
infantaria
A conquista de corações e mentes foi
relativamente simples. Havia o dado concreto do mal-estar econômico. Bastou
forçar nas relações de causalidade com Dilma e o PT, trabalho facilitado pela
incapacidade de ambos de entender o momento e enfrentar o jogo tanto no campo
político quanto da comunicação.
As manifestações de rua acionaram a bomba
de efeito retardado, que catapultou a guerra para a etapa decisiva.
As ações que permitiram transformar um
pequeno processo de Curitiba em um escândalo do Rio de Janeiro, capaz de
derrubar um governo em Brasília, foram alimentadas pelo DHS, o poderoso
Departamento do governo dos EUA, que surge a partir dos atentados às Torres
Gêmeas, organizando as ações de 23 departamentos internos na luta contra o
terrorismo e as organizações criminosas. Quando os EUA definem o combate à
corrupção como ponto central de sua nova geopolítica, o DHS assimila o novo
pacto comn o mundo corporativo dos EUA.
Ele se torna o ponto de contato com
Ministérios Públicos em todo mundo, no modelo da cooperação internacional, ao
mesmo tempo em que novas leis anticorrupção são aprovadas por organismos
internacionais. A primeira aproximação com o Brasil foi no caso Banestado. A
partir daquele episódio, estreitam-se as relações do DHS com o juiz Sérgio Moro
e o grupo de procuradores que assume a Lava Jato.
Leia aqui sobre o DHS.:
Provavelmente vem do DHS o know-how de
estratégias político-midiáticas da Lava Jato, a organização das informações em
sites, a criação de perfis de procuradores e, mais à frente, a utilização
política dos vazamentos. Antes disso, a seleção de procuradores e delegados que
atuaram de forma harmônica.
Junto com o bombardeiro de tanques,
ocorreram também operações táticas de infantarias, com a divulgação de
conversas gravadas da presidente e a sincronização da agenda policial com a
agenda política do impeachment.
Etapa 4 – a divisão das forças inimigas
A corrupção política contaminou todos os
partidos, sem exceção. As delações dos executivos de empreiteiras forneceram um
amplo arsenal para a Lava Jato, podendo selecionar os alvos a serem atingidos.
A atuação da Lava Jato visou três
objetivos centrais, todos diretamente relacionados com os interesses
norte-americanos, dificultando radicalmente o retorno ao modelo combatido:
·
Inviabilizar rapidamente as multinacionais brasileiras que competiam com grupos
norte-americanos no exterior;
·
Derrubar o governo Dilma e, com ele, a legislação do pré-sal;
·
Inabilitar Lula politicamente.
Para que nada se interpusesse no caminho,
tratou de poupar Michel Temer, principal personagem do escândalo da
Eletronuclear, assim como Eduardo Cunha, que só foi preso depois de consumado o
impeachment. E foi por isso que a maioria absoluta dos delatores conseguiu a
libertação bastando, para tanto, as palavrinhas mágicas: Lula ou Dilma sabia.
Agora, uma checagem minuciosa mostra um
trabalho relapso, muito mais focado na quantidade que na qualidade das
delações. Mas obedecia à estratégia de comunicação, de não dar um minuto de
folga aos inimigos (PT e Lula). Cada declaração, mesmo vazia e sem provas,
alimentava o noticiário diário, insuflava o clamor das ruas e atraía adesões do
Judiciário.
Etapa 5 – a ocupação do território inimigo
A estratégia pós-impeachment consistiu em
implementar rapidamente um conjunto radical de medidas visando fazer terra
arrasada do modelo econômico vigente. Antes mesmo do impeachment já haviam sido
fincadas as bases do acordo com os coronéis do PMDB, em torno da tal Ponte Para
o Futuro. A ponto do próprio Temer, em evento nos EUA, afirmar que Dilma caiu
por não ter aderido aos pontos da tal Ponte.
É evidente que havia um documento, que foi
entregue pessoalmente aos líderes do PMDB por representantes do tal do mercado.
Provavelmente, a cabeça por trás da Ponte
para o Futuro, e do trabalho de demolição do orçamento, foi Marcos Lisboa,
espécie de menino de ouro do liberalismo pátrio e ponto de contato entre os
grupos de mercado, os políticos do PMDB re a alta burocracia pública, graças ao
contatos desenvolvidos em seu tempo de assessor do ex-Ministro Antônio
Pallocci.
Nas eleições de 2002, foi indicado para
Jorge Paulo Lehman pelo economista brasileiro Alexandre Scheinkman, diretor do
prestigioso departamento de macroeconomia da Universidade de Chicago. Lehman
tentou enganchá-lo na campanha de Ciro Gomes. Com a eleição de Lula, Lisboa
acabou indo para a equipe de Antônio Palocci onde, saliente-se, realizou um
belo trabalho de reformas microeconômicas.
No discurso que fez no evento do
Jota-Insper, na sexta passada, há todas as impressões digitais das principais
maldades em tramitação na Câmara, inclusive a que obriga o devedor inadimplente
que devolve o bem a continuar devedor. Para Lisboa, economia saudável é que a
permite ao banco tirar a máquina do empresário inadimplente, ainda que uma
máquina parada seja menos eficaz para a economia que uma empresa produzindo;
que permite ao banco punir o mutuário inadimplente. Para ele, a inadimplência é
um ato de vontade do devedor, não contingências da economia. É um autêntico
defensor da eugenia social e corporativa.
Todo o estoque de projetos, a começar da
PEC do Teto e, a partir dela, o desmonte de todas as políticas sociais e
a ocupação de todos os territórios do Estado, do aparelhamento da Funai à
Eletronuclear, do Inmetro ao TSE (Tribunal Superior eleitoral)
o.Simultaneamente, lança um conjunto de medidas estruturais, que destroem
o modelo anterior de Estado, para que a Nova Ordem possa ser a única
alternativa visível.
A contribuição externa se deu no
aconselhamento da estratégia da Ponte para o Futuro e do conjunto de leis
atuais.
O papel da mídia
A exemplo da estratégia pós-millenium, o
papel da mídia é vocalizar um conjunto de slogans vazios:
A equipe econômica é brilhante. A frase é
repetida por Ministros do Supremo, empresários etc. A maioria absoluta dos
quais jamais tinha ouvido falar antes, ou depois, dos membros da equipe
econômica.
Se reformar a Previdência, o país sai da
crise. Não há nenhuma relação de causalidade. Para chegar a esse ponto de terra
arrasada – parte da estratégia de desmonte do Estado anterior – acabaram com a
demanda, criaram enorme capacidade instalada, aumentaram as taxas reais de
juros, todas medidas pró-cíclicas.
Sobre essa retórica, prepararei um artigo
à parte.
Etapa 6 – a batalha decisiva
O teste final serão as eleições de 2018.
E, aí, há uma ampla confusão e disputa entre os diversos grupos hegemônicos que
dependem de três balas de prata para enfrentar Lula.
O clube dos bilionários do golpe abriu os
olhos para o risco de confundir sua imagem com a da organização comandada por
Michel Temer. E entendeu que a aprovação de reformas, sob o jugo de Temer,
tirará grande parte da sua legitimidade. Além de comprometer qualquer tentativa
futura de protagonismo político.
Aí entram em cena os conflitos de
interesse.
Os caciques do PSDB continuarão sendo
escandalosamente blindados pelo algoritmo do Supremo Tribunal Federal (STF).
Mas, politicamente, estão liquidados.
Tasso Jereissatti pretendeu tirar o PSDB
dessa rota suicida. Mas passou a enfrentar a pressão da banda fisiológica do
partido, liderada pelo chanceler Aloysio Nunes. Sem financiamento empresarial e
sem governo, parte relevante das atuais lideranças tucanas será varrida do
mapa. Daí a insistência em permanecer no barco de Temer.
Por outro lado, o clube não dispõe de um
nome competitivo para 2018. Marina Silva não tem fôlego. E Geraldo Alckmin não
representa novidade alguma no panorama político.
Por tudo isso, o clube – mais a ala
mercadista do PSDB, puxada por FHC – provavelmente jogará suas fichas na
candidatura de João Dória Jr, apesar das imensas ressalvas que manifestam em
relação a ele. Será uma novidade, mas dificilmente será competitivo.
Com o definhamento do PSDB, o antipetismo
se tornou totalmente invertebrado.
O distrital misto
Sem uma liderança minimamente esclarecida,
tenta-se, agora, esse aborto do modelo político ditrital misto como
última tentativa de sobrevida à atual bancada de deputados. E aí sobressai uma
ameaça cada vez mais presente na política atual: a entrada de várias
organizações criminosas no jogo.
O narcotráfico mostrou um poder assustador
no episódio da helicoca, no qual a Polícia Federal e o Ministério Público Federal
não moveram uma palha para apurar as ligações do dono do helicóptero, senador
José Perrela, com o tráfico. O helicóptero foi devolvido dias depois para o
dono, em outra atitude inédita.
Por outro lado, a extraordinária
influência da Fenatran – a suspeitíssima federação de transporte urbano do Rio
de Janeiro – no STF, através do Ministro Gilmar Mendes, acende outra luz
amarela.
Finalmente, a tentativa de legalizar
novamente o bingo abrirá nova frente de influência para o crime organizado.
O México é aqui e, ao contrário das
suspeitas iniciais, o que mais se assemelha ao PRI mexicano não é o PT, mas
esse amálgama que sai do golpe, com os primeiros indicios de parceria com o
crime organizado.
O PSDB acena com o parlamentarismo, caso
consiga o poder. É mais fácil Gilmar Mendes declarar suspeição em qualquer
processo, do que a bandeira do parlamentarismo eleger um presidente.
O próximo presidente será eleito
denunciando o saco de maldades produzido pelo atual governo, em parceria com o
PSDB e com o mercado.
Por todos esses condicionantes, mais que
nunca dependerão de ações no Judiciário para inviabilizar a oposição. Afinal,
por mais que seja estreita a colaboração com os EUA, não poderão contar com a 7a Cavalaria
contra os índios de Lula.
Do GGN