Moro no Roda Viva: disse o que lhe
convinha, sem ser devidamente questionado
Na entrevista ao Roda Viva, Sergio Moro fez um relato que não
corresponde aos fatos. Pode ter feito outros com o mesmo defeito.
Mas este, seguramente, não se deu como narrado. Ele recordou
que, no início de 2014, a operação Lava Jato quase acabou por decisão do
ministro Teori Zavascki.
Moro disse que o ministro tinha mandado soltar todos os
presos da operação. Era a consequência óbvia do habeas corpus obtido pela
defesa do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, que se encontrava preso.
O fundamento do HC era a ilegalidade da operação, que não
poderia estar em Curitiba por algumas razões legais, entre elas a falta de
competência do juiz.
A sede da Petrobras é no Rio de Janeiro, não no Paraná, e, na
origem da investigação, em 2006, um dos envolvidos nos fatos apurados pela
Polícia Federal era o então deputado federal, José Janene.
Como havia o parlamentar envolvido, o inquérito deveria ter
sido remetido, já naquela época, ao Supremo Tribunal Federal, mas Moro, por
razões que nunca ficaram claras, decidiu segurar a investigação em Curitiba, e
manter sob sua jurisdição o doleiro e sócio de Janene, Alberto Youssef.
No Roda Viva, Moro contou a história até uma parte, com uma
dramaticidade que lhe cai bem na figura do herói: ele disse que ficou arrasado
com a decisão de Teori, voltou para casa (segundo ele, de bicicleta)
cabisbaixo. Aquilo seria o fim da Lava Jato.
Ele disse que informou a Teori que a decisão colocaria na rua
até um grande traficante — cliente de Youssef —, preso no pacote dos primeiros
dias da operação. Moro afirmou, na TV, com um esboço de sorriso e piscando
muito, que Teori reviu a decisão.
“Ele não tinha todas as informações e, por isso, tinha tomado
aquela decisão. Mas ele reviu”, disse.
O jornalista Ricardo Setti, revelando elevado grau de
despreparo, perguntou se ele tinha informado Teori por e-mail.
Não, esclareceu Moro, as comunicações no Judiciário são
feitas por papel, dentro do processo, “não existe um telefone vermelho”.
O que Moro não disse é que, além de fazer a comunicação
formal, ele deixou de cumprir a decisão e, ao mesmo tempo, houve um vazamento
para o site da revista Veja, que publicou um texto com o título “STF manda
soltar acusado de tráfico internacional de drogas”.
Logo a nota da revista repercutiu e foi para a TV Globo.
Teori começou a ser criticado e, então, ele deu entrevista à Globo para
explicar que a decisão dele se limitava à libertação de Paulo Roberto Costa, e
manteve a Lava Jato nas mãos de Moro.
“O ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki voltou
atrás e decidiu manter na cadeia onze presos da Operação Lava Jato”, diz
Patrícia Poeta, na abertura do noticiário da TV
Globo.
“O juiz de Curitiba emparedou Teori e o Supremo”, reagiu à
época um advogado logo que viu a entrevista de Teori na Globo, num grupo de
WhatsApp formado por criminalistas.
“Quando ministro do STF explica suas decisões na TV, a causa
está perdida. Teori mostrou fraqueza, perdeu força, na mesma proporção em que
Moro ganhou musculatura”, disse o criminalista Anderson Bezerra Lopes, na série
de entrevista que fiz para o DCM, “As 10 maiores ilegalidades
da Lava Jato”.
O caso também está descrito na reportagem “Como
Sergio Moro emparedou Teori e o STF para consolidar seu poder”, publicada
pelo DCM.
Ao vazar a decisão para a Veja, a vara de Moro mostrou o que
viria a ser um marca da Lava Jato. A utilização da imprensa como aliada nos
processos judiciais.
A estratégia está descrita no artigo que escreveu em 2004
para a Revista CEJ (Centro de Estudos Judiciários, do Conselho da Justiça
Federal). Registrou ele:
“Os responsáveis pela Operação Mani Pulite ainda fizeram
largo uso da imprensa. Com efeito: para o desgosto dos líderes do PSI (Partido
Socialista Italiano), que, por certo, nunca pararam de manipular a imprensa, a
investigação da ‘mani pulite’ vazava como uma peneira”, escreveu.
O artigo, por sinal, é o roteiro do que viria a ser o
trabalho da Lava Jato, dez anos depois, com o uso de recursos previstos na
legislação italiana, mas não na brasileira.
Para Moro, isso não é um problema. Ele dá um jeito de ajustar
a lei a seus propósitos.
E tem tido êxito, já que, em geral, suas decisões têm sido
confirmadas pelas instâncias superiores.
O TRF-4, num julgamento do pleno em 2016, ao tratar da
acusação de ilegalidade das escutas telefônicas, disse que a Lava Jato não
precisava seguir regras dos casos comuns.
O tribunal considerou que a Lava Jato gerou uma situação
inédita, “a merecer um tratamento excepcional”.
Excepcional de exceção. Exceção que não pode, em nenhum
hipótese, caracterizar o trabalho da Justiça.
Alguém aí já ouviu falar em tribunal de exceção e ao que
remete? Ditadura. O oposto do império da lei.
Tudo isso poderia ser objeto de questionamento na entrevista
de ontem. Mas os jornalistas pareciam mais querer levantar a bola do juiz do
que, propriamente, fazer as perguntas devidas, em respeito ao público.
do DCM