Peça 1 – a Polícia
Federal assume a linha editorial de O Valor
A
Operação Acrônimo da Polícia Federal conseguiu um feito espetacular: decretar
definitivamente a morte do jornalismo. O jornal Valor, um dos últimos
resistentes, montou uma equipe de quatro repórteres, em tempos de escassez,
para a reportagem “Mulher
de Pimentel foi elo com grupo empresarial, diz PF”.
Não
se trata de episódio nebuloso, que exigiu investigação, perspicácia e fontes
especiais. Tratava-se apenas de analisar o inquérito da PF à luz dos fatos
ocorridos entre junho e outubro de 2011, um dos temas mais comentados da mídia,
porque uma guerra entre assessorias e suas fontes que chacoalhou a imprensa.
Bastaria
uma mera consulta ao Google para oferecer aos leitores de o Valor uma notícia
de qualidade.
A
acusação - A PF acusa Fernando Pimentel, quando Ministro do
Desenvolvimento Indústria e Comércio (MDIC), de ter beneficiado o grupo Casino,
ao impedir que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social)
financiasse a fusão entre o Pão de Açúcar, de Abílio Diniz, e o Carrefour. Mais
que isso, indicia sua esposa, na época assessora de comunicação do MDIC, e o
ex-presidente do BNDES Luciano Coutinho, justamente o maior defensor da fusão.
Os
fatos – na época, a mídia se vangloriou do feito de ter impedido a
operação BNDES-Abílio Diniz.
O
maior responsável pelo fracasso da fusão foi a imprensa, mais especificamente
as Organizações Globo, em editorial e através de seus colunistas.
Mas
a lógica midiática funciona assim: a mídia tem o mérito de ter impedido a fusão
entre Pão de Açúcar-Carrefour, e Pimentel tem a culpa de ter impedido a fusão
entre Pão de Açúcar e Carrefour.
De
duas uma: ou o veto à operação era legítimo, e aí a mídia e Pimentel estavam
certos; ou o veto era indecoroso, e ambos são cúmplices.
Nem
uma coisa, nem outra, como se verá a seguir.
Peça 2 – a lógica
inicial
O
Casino tornou-se sócio do Pão de Açúcar ainda nos anos 90. Em determinado
momento da sociedade, Abílio Diniz acertou com o Casino transferir o controle
do grupo até 2012.
Em
2011, com o mercado de consumo bombando, com a ajuda do Banco Pactual, de André
Esteves, Abílio pensou em uma saída estratégica: associar-se ao Carrefour, que
estava em dificuldades, e comprar a parte do Casino.
A
estratégia era interessante. Os supermercados são a porta de entrada cada vez
maior para os alimentos em geral. As redes francesas sempre tiveram papel
relevante no escoamento da produção agrícola do país. Associando-se a uma marca
mundial, o agronegócio e a indústria de alimentos brasileira poderia ter canais
internacionais de escoamento.
Pode-se
discutir se ocorreria ou não esse benefício ou se, a exemplo da Inbev,
internacionalizaria o capitalista brasileiro, sem beneficiar o produtor. Mas a
tese fazia sentido, a ponto de ser endossada por uma reportagem do Financial
Times, de 1o de julho de 2011, quando o fato ganhou as manchetes:
A
reportagem diz que os políticos brasileiros estão preocupados com o fato de o
Brasil estar se consolidando principalmente um exportador de commodities.
"Então,
estão entusiasmados (com a ideia de) criar campeões nacionais em outros
setores, mesmo que sejam parcialmente controlados por estrangeiros", diz o
texto, agregando que o know-how trazido pela rede varejista francesa poderia
ajudar a ampliar ao exterior os negócios do novo empreendimento.
E
o maior defensor da operação, aliás defensor histórico da lógica dos “campeões
nacionais” era o então presidente do BNDES Luciano Coutinho – agora indiciado
pela PF por supostamente ter atrapalhado a operação.
Peça 3 – a guerra
midiática
A
base da acusação da PF foi o fato do Casino ter bancado uma conta milionária do
consultor Mário Rosa e parte do recurso ter sido pago a Carolina Oliveira, na
época contratada pelo BNDES para ser assessora do MDIC, e que posteriormente se
casaria com Pimentel.
Para
reforçar a acusação, a PF compara os valores pagos a Mário Rosa, na casa dos R$
2 milhões, com afirmações de Abílio, que teria se limitado a contratar a
Máquina de Notícias por módicos R$ 50 mil.
Mentira
evidente! Foi uma guerra milionária na qual Abílio não economizou recursos. Na
biografia autorizada de Abílio, por Cristiane Correa, a guerra midiática é
relatada assim:
“A
briga foi amplificada na imprensa. Diariamente, reportagens e notas esmiuçavam
o andamento do caso. Nesse campo, o Casino estava mais bem preparado do que
Abílio. Havia quase três meses que a FSB, maior agência de comunicação do
Brasil, fora contratada pela varejista francesa (o Casino recrutaria ainda
outras empresas e especialistas, como a In Press e os consultores Mario Rosa e
Eduardo Oinegue, mas cabia à FSB a coordenação do processo). Abílio, por sua
vez, só começou a se preparar depois do vazamento do jornal francês, ao
contratar a agência Máquina da Notícia (foram recrutados também os consultores
Cila Schulman, Sergio Malbergier, Gustavo Krieger e Marcelo Onaga).” Inclusive
apresentando o cappo do Casino, Jean-Charles Naouri como o Daniel Dantas
francês.
Muito
dinheiro rolou, sim. E sempre através das assessorias de imprensa.
Mais
que isso, a guerra ganhou a mídia a partir de 1o de julho de 2011. O
próprio inquérito da PF constata que no dia 22 de junho de 2011 a
proposta foi analisada pela área técnica do banco. Doze dias depois, o parecer
determinava que a aprovação estava condicionada à ausência de litígio entre Pão
de Açúcar e Casino.
Essa
foi a análise inicial e foi a decisão final do banco. Não houve incoerência. O
enorme burburinho ocorrido na mídia visou exclusivamente valorizar os contratos
das assessorias de imprensa e seus aliados.
Mais
à frente, quando o BNDES oficialmente negou a operação, a decisão foi saudada
como se fosse uma vitória da mídia. No entanto, a brilhante delegada do PF
conclui que a cláusula de 22 de junho era a prova de que Abílio foi
prejudicada pelo lobby do Casino.
Ora,
o único lobby que ocorreu na época foi a contratação, pelo BTG Pactual, do
ex-Ministro Antônio Palocci para atuar, visando reverter a decisão. O próprio
Palocci acenou com a delação sobre as tratativas de Abílio e do Banco Pactual –
que organizava a tentativa de fusão – para influenciar o governo.
A
denúncia não para aí. Desde os anos 90 é praxe o BNDES contratar uma pessoa
para disponibilizar como assessor de imprensa do Ministro. O relatório da PF
trata como se fosse manobra excepcional para beneficiar Carolina. Soma não
apenas os salários do ano, mais os gastos com viagens nacionais e
internacionais – a serviço – e computa tudo como se fosse ganho líquido da
funcionária.
Peça 4 – cronologia de
uma guerra que não houve
Como
se viu, no dia 22 de junho de 2011, a área técnica do BNDES já tinha
recomendado que o aporte na fusão Pão de Açúcar-Carrefour só fosse autorizado
caso não houvesse conflito entre Abílio e o sócio Casino.
A guerra midiática que se
seguiu foi no sentido de reverter a decisão do banco. E a principal arma do
Casino foi a Globo. Confira-se na cronologia dessa falsa guerra:
30
de junho – BNDES
diz confiar em entendimento de varejistas. Os jornais já sabiam que a
operação só sairia se houvesse a concordância do Casino.
1o de julho – BNDES
reforça que oferta não é hostil. E que só apoiará Pão de Açúcar e Carrefour
após entendimento amigável. Ou seja, o fato consumado era a decisão de não
apoiar a fusão, sem o consentimento do Casino.
1o de julho
– Cai
por terra tese sobre fusão Pão de Açúcar/Carrefour. Os jornais já dão a operação
por fracassada.
1o de
julho – Mirian Leitão faz
longo artigo criticando a fusão que já havia sido descartada pelo
BNDES. Qual a lógica, se o próprio banco não havia concordado com a operação?
2 de julho – Sob
pressão, BNDES ameaça desistir da fusão Carrefour-Pão de Açucar. Uma
manchete fantasiosa, já que a decisão do corpo técnico se deu antes de qualquer
pressão.
5 de julho
– Mirian Leitão diz que “BNDES
deveria ter aguardado o desfecho da briga entre sócios”. Uma matéria fake
em defesa do Casino, já que a área técnica havia condicionado a operação a um
acordo entre os sócios.
8 de julho – BNDES
vê com ceticismo fusão entre varejistas
24 de outubro – BNDES
vai retirar apoio à fusão Pão de Açúcar / Carrefour. Apenas formalizando o
que a área técnica já havia recomendado.
24 de outubro –
Mirian Leitão celebra que “opinião
pública derrubou proposta de fusão”. Não era verdade, porque a recomendação
do BNDES foi anterior à pressão da mídia. Matéria para valorizar a própria
influência. Mas se atribui a mídia o fracasso da operação, porque não desmente
a denúncia da PF, que atribui a decisão a Pimentel?
24 de outubro –
em outro post, a incansável Mirian diz que “Dilma
está certa: BNDES nada tem a fazer na fusão”.
24 de outubro –
Elio Gaspari diz que governo deu ao BNDES a “missão
heroica de salvar Abilio Diniz”. E acusa o Ministro Fernando Pimentel
de.... apoiar Abílio Diniz. Preso por ter cão, preso por não ter cão.
24 de outubro –
Em editorial, sob o título “Mais
um desvio de função do BNDES”, O Globo critica a intenção que o BNDES nunca
teve em apoiar a fusão.
Criaram
um factoide – o suposto apoio do BNDES à fusão, que nunca houve -, montaram uma
campanha pesada em favor do Casino, mas tão parcial que o único veículo que
apresentou o outro lado, razões a favor da fusão, foi o Financial Times. Se
vangloriaram de terem derrubado as pretensões de Abílio. Ajudaram claramente o
grupo Casino. Celebraram o fato do governo supostamente ter voltado atrás
graças à pressão da mídia. E, quando a PF atribui a frustração da operação a
Pimentel, veículos e jornalistas não têm a grandeza de rebater as conclusões.
A
contratação de Carolina ocorreu um ano após a decisão do BNDES. E não há
uma evidência sequer de que tenha influenciado qualquer decisão de Pimentel, ou
que Pimentel tenha influenciado qualquer decisão do BNDES.
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GGN