Foto:
Ricardo Stuckert/Instituto Lula
Especialista
em direitos humanos e na legislação internacional da matéria, o advogado
australiano Geoffrey Robertson assumiu a defesa de Lula perante as cortes
internacionais de direitos humanos.
Na
manhã dessa sexta-feira (1º), ele concedeu entrevista exclusiva a Luís Nassif e
Cintia Alves, do Jornal GGN.
Robertson
falou sobre sanções que o Brasil pode sofrer por desrespeitar decisões da Corte
Interamericana de Direitos Humanos; abordou polêmicas em torno da cooperação
internacional com os Estados Unidos; mostrou que é necessário adequar a
legislação brasileira aos padrões internacionais de direitos humanos e não
poupou críticas ao juiz curitibano que condenou Lula no caso triplex. "O
juiz [Sergio] Moro não responde a ninguém e essa é a tragédia do Brasil",
disparou.
***
A criação de uma legislação
internacional sobre direitos humanos, se sobrepondo às legislações nacionais,
não abre espaço também para ingerência externa sobre países soberanos?
As
leis internacionais de direitos humanos têm sido adotadas por um número
crescente de tribunais em regiões diferentes.
O
Tribunal Europeu de Direitos Humanos julga casos apresentados por 47 países,
incluindo países orgulhosos e confiantes como Grã Bretanha e Portugal. Essa
jurisdição é bem acolhida por pessoas inteligentes e por advogados, porque
ajuda a manter sua legislação atualizada, com formas de pensamento conjunto em
direitos humanos. Em segundo lugar, porque identifica aspectos da lei que
deveriam ter sido reformados há anos, porque os Parlamentos nacionais nunca
estiveram dispostos a realizar a reforma.
Existe
também o Comitê das Nações Unidas de Direitos Humanos, com 18 juízes
especializados e 70 países que aceitam que seus cidadãos apresentem reclamações
junto a este tribunal, inclusive países confiantes em sua soberania.
Por
aqui, existe a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) que tem um
julgamento muito famoso, contra o Brasil, em que condenou um juiz investigativo
por liberar transcrições de grampos telefônicos à mídia. Exatamente aquilo que
o juiz Sergio Moro também fez no ano passado, no caso Lula.
Como
advogado criminal, o juiz Moro deveria conhecer esse precedente. Como juiz, ou
ignora o fato ou tem uma aversão aos direitos humanos conforme estabelecido
pela Corte Interamericana.
Meu
ponto de vista é que Nações orgulhosas de si, boas Nações, nada têm a temer das
cortes internacionais, muito pelo contrário: deveriam acolher suas orientações
e recomendações.
O Brasil, inclusive através do STF
(Supremo Tribunal Federal), tem desobedecido várias resoluções da CIDH. Quais
as consequências?
Os
países que se recusam a obedecer, a seguir as regras relativas aos direitos
humanos têm uma mancha negra contra a sua reputação em muitos campos.
Certamente
em círculos jurídicos internacionais há professores e juízes brasileiros que
não serão considerados seriamente.
Também
nos círculos diplomáticos, os brasileiros vão perder aquilo que se chama
internacionalmente de 'soft power'.
No
comércio internacional, o Brasil poderá ser desfavorecido, porque se não
respeita os padrões de direito internacional, será visto como um país primitivo
e possivelmente instável. Então pode ter várias repercussões.
Há quem suspeite que a cooperação internacional esteja sendo utilizada para propósitos geopolíticos dos EUA.
Há quem suspeite que a cooperação internacional esteja sendo utilizada para propósitos geopolíticos dos EUA.
A
internacionalização começou, de fato, depois do 11 de setembro [de 2001] com o
estabelecimento da legislação e da investigação do financiamento do terrorismo.
Obviamente
é muito importante investigar a corrupção política em todos os países. Um sinal
dela são os políticos movimentando grandes somas financeiras no exterior, as
quais não são declaradas às autoridades fiscais. Portanto, é necessária a
cooperação internacional para seguir o caminho desses fluxos de dinheiro.
Mas,
considerando o comportamento imperialista dos EUA na América do Sul nos últimos
anos, obviamente é essencial que as decisões de se investigar e processar sejam
tomadas por autoridades nacionais que tenham a responsabilidade perante os
tribunais nacionais.
O
problema real verdadeiro com a Lava Jato não é a cooperação com os EUA, mas sim
o fato do líder da Lava Jato não ser apenas um promotor que investiga, mas
também um juiz que julga. Nenhum país civilizado do mundo poderia permitir que
as pessoas responsáveis pelas investigações, as pessoas que tomam decisões
contra os suspeitos durante as investigações, no dia seguinte, sejam o juiz do
caso.
Os
EUA podem apoiar o quanto quiser a investigação, desde que as provas sejam
submetidas a um juiz independente e imparcial para julgar. Porque o juiz Moro
não é imparcial, e esse é o motivo pelo qual ele não deveria atuar como juiz,
mas apresentar as provas colhidas a um juiz imparcial para avaliar as evidência
sem pré-julgamento.
Como analisa o fato dos EUA trazer
para sua jurisdição crimes cometidos em outros países, por estrangeiros, só
pelo fato de parte do crime ter transitado por dólares?
A
conduta dos EUA ao tentar arrastar estrangeiros para seus próprios tribunais
está aberta a questionamentos e sobre, muitos aspectos, pode-se dizer que os
EUA pretendem uma jurisdição exacerbada para atuar como a polícia do mundo,
como um grande tira mundial.
Nós
vimos isso no caso do senhor Julian Assange. Querem processá-lo nos EUA, embora
ele seja um jornalista, um editor australiano, sem nenhum tipo de vínculo com
os EUA. E não apenas isso. Querem também negar ao senhor Assange a proteção
conferida pela 1ª Emenda da Constituição americana, alegando que não é
americano.
Porém,
pode haver casos em que grandes criminosos são punidos nos EUA merecidamente,
porque lá, no seu próprio país, pode haver um sistema fraco e injusto.
E
receio que o sistema brasileiro, neste momento, seja injusto.
Existem
sistemas melhores, e o melhor seria o sistema ICAC [Independent Commission
Against Corruption], que funciona em Hong Kong, Cingapura, Sidney e em outros
países, onde uma comissão permanente é criada para investigar, e tem todos os
poderes de descoberta de evidências, uso de grampos telefônicos, alegações de
corrupção cometidas por políticos, funcionários públicos, juízes e outros.
O
que é bom conhecer em relação ao ICAC é o motivo pelo qual tem sido tão
bem-sucedido, que tenha grau tão alto de aceitação pública: é que o ICCAC não
processa.
Ou seja, é o contrário do juiz Moro, porque coleta evidência, relata as alegações, e um promotor separado vai processar o caso perante o juiz que não tenha tido nenhuma participação durante a fase de investigação.
Ou seja, é o contrário do juiz Moro, porque coleta evidência, relata as alegações, e um promotor separado vai processar o caso perante o juiz que não tenha tido nenhuma participação durante a fase de investigação.
Mas
como analisar o paradoxo da colaboração que interessa? Quando o julgamento não
interessa ao sistema, o Brasil desobedece. O próprio STF tem agido assim.
Quando interessa, como é o caso da Lava Jato, vale-se da cooperação para
propósitos políticos.
Eu
acho que a resposta ao paradoxo é que existem imposições ao Poder Judiciário,
que não pode abusar desse poder. É preciso que haja responsabilização. O juiz
Moro não responde a ninguém e essa é a tragédia do Brasil. Porque ele criou uma
espécie de lei de linchamento contra o Lula, liberando, nesse caso, ao
contrário do que manda a lei internacional, a transcrição dos grampos
telefônicos. E ele também se conduziu de uma forma obviamente parcial. Não há
nenhum problema com um operador do direito que faça campanha contra a
corrupção, se ele estiver envolvido apenas com a investigação da corrupção. No
entanto, é totalmente errado que essa pessoa seja o juiz que vai julgar a
investigação que ele próprio fez.
O
juiz Moro é um juiz em causa própria quando condena Lula. E eu acho que é por
isso que ele ignorou, não prestou atenção, na sua sentença de 964 parágrafos,
ao fato de que não há evidência de que Lula teria feito alguma coisa em relação
a essas supostas propinas da OAS.
Não
há nenhum tipo de prova que tivesse havido uma contrapartida por parte do Lula,
mesmo tendo a OAS alguma intenção criminosa.
Como comunicado de Lula à Comissão de
Direitos Humanos da ONU será atualizado após a condenação? Será mencionada, por
exemplo, a entrevista em que o presidente do TRF-4 [Carlos Eduardo Thompson
Flores] classificou a sentença de Moro como "irretocável"?
Este
é assunto que estamos considerando cuidadosamente porque é obviamente absurdo
que o líder do tribunal de recursos, antes de ouvir qualquer argumento, declare
que a sentença seria impecável. Ele pode não participar do julgamento da 2ª instância,
mas ele é o principal juiz e, portanto, sua opinião influencia o tribunal.
Ele
envergonha o Judiciário brasileiro por fazer um julgamento claramente prévio.
Do
mesmo modo, a AJUFE [Associação dos Juizes Federais] é uma associação fraca por
não dizer nada. No Reino Unido, se um juiz presidente de um tribunal fizesse um
julgamento prévio de um caso, como esse desembargador claramente fez, seria
demitido ou disciplinado e os seus pares, também magistrados, levantariam a
voz.
Portanto,
certamente será considerado para uma reclamação. Com base no fato de que Lula
não teve julgamento justo e não poderá ter um recurso justo dentro de um
tribunal presidido por um juiz irresponsável.
Como governo brasileiro participa do
julgamento da Lava Jato na ONU?
O
Estado brasileiro é responsável pelo que ocorre no exercício dos poderes de
Estado dentro do País. Portanto, o Estado brasileiro é responsável pela Lava
Jato. O Estado brasileiro ou, pelo menos, o Ministro de Relações Exteriores não
está preparado para uma visão independente.
A
resposta [prévia do governo a ONU] deixa claro que ele não entende o conceito
da independência que precisa se aplicar ao Judiciário. Alega que o Lula não
pode reclamar pelo comportamento de juízes que ele próprio teria nomeado. Como
se fosse função do juiz ser um apoiador, um eterno agradecido. É ridículo que o
Brasil sugira que seus juízes fariam favores ao presidente que os nomeou.
No
entanto, sua tentativa de bloquear essa reclamação apresentada tem uma base
pouco técnica. Não contestam o mérito das reclamações do ex-presidente Lula.
Por outro lado, admitem que os juízes têm aquilo que é chamado no documento de
resposta de um "duplo papel" porque fazem a investigação e processam.
Mas
essa resposta também diz que ex-presidente Lula não pode ir à ONU até que ele
passe por diferentes procedimentos (instâncias) aqui no Brasil. Este é o
argumento técnico do Estado brasileiro.
Qual
era a reputação do jurista e do juridicário brasileiro antes da Lava Jato?
Houve
alguns bons momentos. Mas nós presumimos que o Brasil tinha a mesma legislação
de Portugal. Porém, a lei foi herdada de Portugal no século 19. Essa lei é
baseada nos princípios da Inquisição católica. O grande inquisidor fazia a
investigação e depois dava a sentença. Depois, na Europa, em 1988, o Tribunal
de Direitos Humanos emitiu sentença determinando que um juiz que supervisiona a
investigação não pode atuar como juiz no julgamento. E a lei portuguesa hoje é
assim.
De
fato, o Brasil tem sistema antigo e ainda com essa imperfeição. Precisaria
passar por uma reforma para cumprir os padrões internacionais de direitos
humanos.
GGN