A mídia ganhou nos últimos anos um poder de manipulação que
consequentemente matou sua capacidade de mediação.
O País tem assistido a uma disputa de narrativas que é uma
das coisas mais nonsense de sua história. Veja o episódio da saída dos médicos
cubanos.
Bolsonaro queria mudar pagamento ao governo cubano e impôr a
revalidação do diploma, um conjunto de exigências que acabaria com o programa
Mais Médicos.
Hoje, com Cuba anunciando sua retirada da parceria, Bolsonaro
diz a seus seguidores que libertou os médicos da escravidão e os devolveu a
seus familiares. Mas como deputado, Bolsonaro tentou proibir, por exemplo, a
vinda dessas mesmas famílias ao Brasil.
É um caso que mostra que estamos lidando com um mentiroso
clássico, que foi eleito presidente da República.
De um lado teríamos o pessoal do Bolsonaro dizendo que os
cubanos foram libertados e, de outro, aqueles que dizem que a saída dos
cubanos, com todos os reflexos sobre 600 municípios que ficarão sem médico, é
culpa das declarações do presidente eleito.
Quem que faz a mediação da opinião pública? Deveria ser a
mídia, os chamados jornais da grande mídia, aqueles que definem a opinião. Mas
você não tem mais essa imprensa aqui.
Desde o impeachment Collor há um jornalismo de guerra que
consiste em sempre dar as versões que interessavam, que dão manchete mesmo em
cima de avaliações erradas e sensacionalistas. O importante é ter volume de
leitura.
De 2005 para cá, quando Roberto Civita montou a cartelização
da mídia e implementou defitivamente o jornalismo de guerra, qualquer história
de mediação veio por água abaixo.
No jornalismo de guerra, o que importa é ganhar a narrativa
considerando alguns interesses, como o do mercado.
Há inúmeros exemplos de narrativas erradas que ganham a
opinião pública nos últimos anos. A história que Bolsonaro repete, de que há um
número gigante de estatais e por isso tudo deve ser privatizado, é uma delas.
Que a Petrobras foi quebrada pela corrupção, é outra narrativa manipulada.
O que levou a uma redução de valor da Petrobras foi a queda
do preço do barril de petróleo no ambiente internacional. Os ajustes contábeis
decorrentes desse fato foram todos tratados pela imprensa meramente como valor
da corrupção.
Há décadas, diariamente, a mídia viciou o organismo da
opinião pública em toda sorte de manipulação. E soma-se a isso a arrogância que
acompanhou a imprensa desde o impeachment do Collor, como se ela fosse o poder
maior. Tudo isso matou a capacidade de mediação da mídia.
Então, agora, quando chega um novo governo com um chanceler
que fala os absurdos que fala, com os filhos do presidente e outros membros do
núcleo duro moldando discursos com base numa visão religiosa fundamentalista,
sem conhecimento técnico e científico sobre vários assuntos, prevalecem as
mentiras deslavadas, como essa do Mais Médicos, porque a mídia já não consegue
fazer a mediação.
A mídia ganhou nos últimos anos um poder de manipulação que
consequentemente matou sua capacidade de mediação.
A queda na qualidade jornalística comprometeu a
informação, que é fundamental dentro de um ambiente democrático e de mercado.
Através da informação é que se forma a opinião, e através da opinião você forma
os pactos jurídicos, políticos, constitucionais, e dali derivam as leis.
O que aconteceu foi que o desmonte da credibilidade da
informação se deu ainda no período de predomínio da mídia, e agora as redes
sociais bagunçam mais ainda a guerra de narrativas. Não adianta mais a imprensa
dizer que a culpa dos Mais Médicos é do Bolsonaro porque o pessoal vai
acreditar no que ele diz nas redes.
O grande problema, acima de tudo, são os filtros, a falta de
canais de controle. Trump tem seus canais de controle dentro do próprio
governo. É o que está impedindo que as maluquices dele tenham consequencias
maiores. Lá, por trás de tudo, você tem uma mídia de opinião que faz a cabeça
dos técnicos que seguram os abusos. Fazem a cabeça gerando debate na imprensa a
partir de várias opiniões técnicas. Isso não tem no Brasil. O que a mídia criou
dentro das corporações públicas, nesse período, foi uma militância antipetista
que se sobrepôs ao debate técnico e aos mecanismos de controle.
Não importa mais se a consequência é que vamos deixar milhões
sem médicos. O que importa é que vamos tirar esses comunistas daqui. Vence o
discurso que não se submeteu à mediação.
O padrão de mediação da mídia, em relação a qualquer governo,
deveria ser o de elogiar o que tem de ser elogiado, e criticar o que tem de ser
criticado, para que o leitor entenda o peso. Mas esse padrão não foi
estabelecido.
Hoje temos um País em que todas as barbaridades, no plano das
discussões das ideias, ganham força. Tudo vira guerra de narrativas.
Infelizmente a imprensa tenta agora de algum modo recuperar a
credibilidade perdida, mas foram muitos anos de demonstração de poder, de usar
a influência midiática para promover badernas e derrubar presidentes, e hoje o
mercado de opinião está a mercê de qualquer cultivador de teorias de disco
voador.
Assista o comentário de Luis Nassif, na íntegra, abaixo:
GGN