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terça-feira, 6 de junho de 2017

Pobre de direita: ele ganha 2 mil (por fora) e tem pena do patrão, por Eduado Guimarães

A tarde cinzenta e chuvosa chegava a parecer noite, de tão escura. Os outros carros com os faróis e lanternas reluzentemente acesos e o meu com um farol e uma lanterna enguiçados. “Pode confundir outros motoristas”, pensei.

Semanas antes, fora a um eletricista de automóveis que me pediu uma centena e meia de reais para trocar duas lâmpadas do tamanho de bolinhas de gude. De um carro popular. Recusei a extorsão e fui deixando até que, na tarde escura e chuvosa, percebi que por conta de alguns reais estava me arriscando.

A oficina surgiu milagrosamente, como que em resposta aos meus pensamentos e necessidades. Bem montadinha. A limpeza me deixou com boa impressão. Dois homens uniformizados passaram uma sensação de confiança.

É a esse que eu vou…

Dois homens. Um deles, um rapaz de uns 35 anos, branco, olhos claros; o outro, branco, careca, também de olhos claros, porém cinquentão como eu.

Cumprimentaram-me educadamente e o mais jovem se retirou em seguida, saindo em um dos veículos estacionados dentro do estabelecimento.

O careca começou a desmontar minha lanterna traseira. Jogando conversa fora, perguntei como andavam os negócios.

O mecânico diz que, graças àquele filho da puta que falou que era uma “marolinha”, estava tudo uma merda no Brasil.

Meu ímpeto foi lhe dizer que Lula falou que a crise seria uma “marolinha” no já distante 2008 e, depois daquilo, o Brasil se recuperou rapidamente da crise iniciada com a quebra do banco dos irmãos Lehman. E que esta crise nada tinha que ver com aquela.

Porém, preferi descobrir mais sobre quem se confundia daquele jeito. Confesso que o diálogo me deixou perturbado.

— Você é o proprietário da oficina?

— Não, não, sou prestador de serviço. Autônomo.

— Você presta serviço a outras oficinas?

— Não, só a esta.

— Mas tem horário livre, não é?

— Ah, quem me dera… Chego às 7 da manhã e saio às 8 da noite.

— Nossa, trabalha bastante, hein! Pelo menos deve estar tirando uma nota…

— Doce ilusão…

— Como assim, você não ganha uns 5 paus?

— Tá longe disso…

— 4?

— Não.

— 3?

— Não.

— Pô! Mas, perdão, quanto você ganha?

— É comissão de 40% sobre a mão-de-obra…

— Mas quanto dá isso por mês, homem? Desculpe perguntar…

— Sem problemas… Por volta de uns 2 paus.

— Nossa, mas sem registro em carteira?

— Senão o patrão não aguenta, é muito encargo. Ainda bem que a reforma trabalhista vem aí…

— Hein?!

— O problema do Brasil são os encargos comunistas do “nove dedos”…

— Desculpe, mas o autor dos encargos trabalhistas morreu em 1954…

— Que seja, mas o PT ferrou o Brasil.

— Mas, escute, esta bela oficina, cheia de equipamentos caros, toda pintadinha de nova… Esse patrão não poderia pagar uns 800 reais de encargos trabalhistas? Aliás, você mora em que bairro?

— Santo Amaro…

— Mas ele te paga o ônibus?

— Não, eu sou autônomo, microempresário… Liga lá a chave e pisa no freio, por favor.

Do Blog da Cidadania