O STF já flertava com a ideia de excepcionalidade
jurídica durante o julgamento do “mensalão”. Ela serviu como base de
um acordo tácito entre os ministros, dando-lhes uma justificativa oportunista
ao desprezo por provas materiais, ao viés condenatório e ao histrionismo
inquisidor de Joaquim Barbosa. Todos imaginavam que seria algo passageiro,
suficiente para impedir a reeleição de Lula.
Assessor de Rosa Weber na época, Sérgio Moro incorporou a
frustração da corte com a blindagem popular do lulismo e o desejo de rompê-la a
qualquer custo. O impulso seria canalizado à Lava Jato, afagando interesses
semelhantes na direita midiática e abrindo uma Caixa de Pandora ideológica nos gabinetes, nas
delegacias e nos tribunais. Os grampos e vazamentos clandestinos que
viabilizariam o golpe parlamentar resultaram desse clima de vale-tudo baseado
no imaginário da Cruzada Anticorrupção.
De novo em nome do interesse público e da moralidade, o STF
tolerou os arbítrios, permitindo a trivialização de medidas extremas
desnecessárias, às vezes ilegais, que usam o modelo racista e xenófobo de
repressão estatal como pretexto para impor agendas obscurantistas. A condução coercitiva passou
a justificar o sequestro policial, a delação a favorecer negociatas, a prisão
temporária a servir de tortura para arrancar denúncias.
Subproduto da essência tendenciosa que viabilizou a Lava Jato, o
maquiavelismo oportunista transformou o desrespeito a prerrogativas
constitucionais em instrumento persecutório. Podendo escolher quem, como e
quando punir, procuradores e magistrados alcançaram um predomínio irrefreável
na agenda pública brasileira, violando autonomias institucionais, esmagando
adversários, beneficiando grupos corruptos, manipulando eleições ao sabor de
afinidades político-partidárias.
Daí surgiu uma espécie de poder paralelo, unido pela
coerência discursiva engendrada nas redes digitais, onde os métodos espúrios
são tidos como estratégia de combate às plataformas progressistas. Poder
corrupto pela natureza parcial e por desvios éticos e funcionais protegidos sob
a ética raivosa e punitiva. Poder não apenas impune, mas também soberano, quase
vitalício, inatingível.
Esse tipo de autoritarismo assusta porque, no limite, nada é
capaz de vencê-lo. Não existem obstáculos viáveis para uma força que conta com
tamanho vigor repressivo, desde o uso censório da litigância até a opressão
policial, passando pelo corporativismo dos tribunais e o apoio da mídia. Faz
parte do próprio ideário da excepcionalidade a relativização dos direitos básicos que deveriam
limitá-la.
O desprezo pela legalidade, cada vez mais explícito nas cortes superiores,
reverbera o discurso antipolítico, portanto antidemocrático, que sustenta a
ilusão meritória da primazia judicial no país. A demonização da
representatividade eletiva mostra o conceito civilizatório que mobiliza nossos
governantes de fato e de direito. E não é por acaso que a campanha sucessória
começa com um golpe preventivo articulado pelo regime judicial.
Um posicionamento claro em torno da exceção ajudará a definir
a legitimidade e a lisura de qualquer programa eleitoral que se apresente como
progressista. Se a esquerda precisa de uma bandeira popular e libertária,
convém aproveitar a oportunidade enquanto ainda é possível.
Do GGN