“Você,
naturalmente, já foi à Disney, não é?”, perguntou a socialite ao escritor e
dramaturgo Ariano Suassuna, durante um evento social no Rio de Janeiro.
Perplexa com a resposta negativa, retrucou: “foi aos Estados Unidos e não foi à
Disney?”. Mais uma decepção, pois o poeta respondeu que nunca havia saído do
país. No desenrolar da conversa, Ariano acabou se convencendo que aquela
senhora havia dividido a humanidade em duas partes: entre os que foram e os que
não foram à Disney. O episódio está relatado em vídeo no Youtube e, brincadeira
ou não, reflete o fútil e alienado perfil de grande parte da sociedade
brasileira.
Tenho
ironizado o perfil classe média brasileira com uma fala da filósofa Marilena
Chaui. “A classe média brasileira é uma aberração cognitiva” – seja lá o que
for que ela quer dizer com isso. Aliás, vigente dentro da Polícia Federal, onde
vivi mais tempo do que com minha família. Mais da metade de minha existência
foi lá. Entre tapas e beijos, conheci as entranhas do pensamento dominante, o
ideário do carreirismo, das fogueiras de vaidades e das puxadas de tapete...
Observei perplexo o frenesi da cultura do chegar lá – pouco importa o sentido e
a dimensão do que isso possa representar para os federais. Havia e há um chegar
lá a qualquer custo - puxando o saco honesta ou desonestamente.
Grande
parte dos integrantes da PF tem o denominado perfil “qualificado”, quando se
toma por base os referenciais médios de aferição cultural, saldo bancário, o
carro, os eletrodomésticos. Mergulhados e ou fechados nesse universo de
números, signos e significados, muitos sequer têm idéia do que possa ser o tal
“ideário classe média”. Até se irritam quando “um classe média” como eu (sob a
perspectiva deles) critica a classe média. Mas, o universo PF não difere das
demais confrarias golpistas. Numa entrevista sobre salário, um desembargador
paulista disse que seus colegas entram em depressão por não poderem viajar pra
Miame. Um auditor fiscal, durante debate salarial com um ministro, fundamentou
a necessidade de reajuste dizendo: “ministro, tenho dois aparelhos de ar
condicionado e só estou ligando um”.
O
que a Polícia Federal tem a ver com Ariano Suassuna e Marilena Chaui? O ideário
classe média descrito por ambos, que por conta da aberração cognitiva separa o
mundo entre quem foi ou não à Disney. Quero, pois, falar da burrice crônica da
classe média desconectada e o faço ao me dar conta de que numa manifestação
pró-intervenção militar, uma legião de bolsopatas o fez entoando a canção “Pra
não dizer que não falei das flores”, de autoria do Geraldo Vandré. Perdidos de
tudo, os bolsopatas não conseguem estabelecer um diálogo político civilizado
com qualquer cidadão. Ao mesmo tempo em que têm informação, a conjugação de
dados é rasteira e tendenciosa. Como assim? Já ouviram falar de Geraldo Vandré
mas não sabem o que defendeu e nem o que aconteceu com ele por defender suas
idéias.
Ao
ver o uso inadequado da canção de Vandré, lembrei de uma campanha política de
Paulo Salim Maluf embalada pela música “Explode Coração”, composta por
Gonzaguinha, que se vivo estivesse à época, não permitiria o aviltamento
público de sua obra. Não sem propósito, Chico Buarque desautorizou o uso da
canção “Roda Viva” no hoje desmoralizado programa do mesmo nome. Coisas da
aberração cognitiva de que fala Marilena Chaui, tão odiada dentro da PF quanto
o ex-presidente Lula, justo ele que propiciou os melhores salários e recursos
materiais para instituição. Justo ele, ligado ao partido que, por meio da legítima
Presidenta Dilma, conferiu o maior arsenal jurídico para a PF trabalhar.
Daí
que quando discuto a acefalia crônica do ideário classe média, de pronto me
ocorre os barnabés da golpista Polícia Federal. Seus servidores não aprenderam
nada, quando, por burrice, maldade, preconceito ou ódio aos pobres, apoiaram a
candidatura de Aécio Neves e até hoje integra a vassalagem do covil tucano. A
propósito, a falange paulista concede ou concedeu sesmarias a delegados ativos
e inativos da PF. Afinal, Alckmin, Serra, Dória e Huck não dormem em serviço e
quer manter sesmarias na polícia judiciária mais bem paga do País. Polícia,
aliás, onde cresce vertiginosamente o ideário bolsopata, no melhor estilo
aberração cognitiva do quem foi ou não à Disney.
Pois
bem. Recentemente, se o ideário bolsopata da PF não engrossou o coral cantando
Vandré pró-intervenção militar, em mais uma pirotecnia truculenta, batizou uma
operação pelo nome de “Esperança Equilibrista”, numa alusão a obra de João
Bosco e Aldir Blanc (O Bêbado e a Equilibrista). Indignado, o autor, por meio
de nota no Facebook, destacou a truculência bolsopata que a cada dia se
consolida na PF. Segundo ele, a canção foi concebida “em honra a todos os que
lutaram contra a ditadura... Não autorizo, politicamente, o uso dessa canção
por quem trai seu desejo fundamental. Noutras palavras, o ideário classe média
da PF poderia dormir sem essa.
Vexames
da PF à parte, o que choca é a superficialidade que tem marcado as ações da PF,
com matizes mais intensas na trupe golpista de Curitiba. É dela que brotam as
interpretações rasteiras da lei e dá mote à mídia produtora de sofismas. Via
cínico jogo de palavras, produz ilusões de verdades e pós-verdades. Inspirada,
movida e consubstanciada pela mentalidade excludente e precária de quem divide
a sociedade entre quem foi ou não à Disney.
É
essa gente com raciocínio raso que vem traçando os destinos do País. É com essa
“profundidade” que produzem leis, investigam, acusam, condenam, destroem
reputações. É com essa mentalidade que a Farsa Jato exibe como troféu a
recuperação de R$ 1,4 bilhões para a Petrobras. Um fundamentado discurso da
Senadora Gleisi Hoffmann revela que os ativos da empresa são de R$ 802 bilhões
e que só no primeiro mandato da Presidenta Dilma Rousseff foram investidos R$
462 bilhões. Mostra também que a Farsa Jato causou prejuízo de R$ 140 bilhões à
empresa e que causou três milhões de desempregados.
O
fruto dessa aberração cognitiva impede a análise daqueles números e intensifica
o conteúdo ginasiano da sentença condenatória de Lula. É com essa
profundidade que os meios de comunicação colocaram o Brasil como o segundo pais
do mundo em que as pessoas têm a percepção equivocada sobre a realidade,
segundo pesquisa internacional do instituto Ipsos Mori.
A
rasidade do raciocínio superficial que divide o País entre os que foram e não
foram à Disney e o voyeurismo estimulado que gravita em torno disso se tornam
engraçadas na crônica de Ariano Suassuna. Mas é trágica na vida real do povo
brasileiro, dominado por uma elite burra, mesquinha, atrasada e malvada. A
verdadeira aberração cognitiva, na qual bolsopatas cantam Vandré e a PF canta João
Bosco...
Armando
Rodrigues Coelho Neto é jornalista e advogado, delegado aposentado da Polícia
Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo
GGN