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domingo, 12 de agosto de 2018

NO DIA DOS PAIS, A BUSCA INCESSANTE DO ENIGMA, POR LUIS NASSIF

É complexa essa relação de pais e filhos, especialmente os da nossa geração, presos a uma educação mais formal e a um fechamento maior entre as gerações.
Dia desses, ousei enxergar na essência da criação de Guinga uma relação não resolvida com o pai, especialmente depois do impressionante “Meu Pai”, letra e música dele, apresentado em uma sessão intimista no Bar do Alemão.
A permanente tensão da harmonia, que caminha na frente levando a melodia consigo, parecia uma decorrência desse conflito. O tema é a busca incessante para desvendar o enigma do pai, a tentativa permanente de entender cada gesto, cada atitude, um conhecimento gradativo e doloroso que vai se dando aos poucos quando, a cada nova etapa da vida, as experiências e semelhanças vão se acumulando.
Apenas no final do percurso é que se percebe que a busca, em si, acaba moldando nosso próprio destino, nos fazendo repetir a saga paterna, as cabeçadas, os desafios, os erros, os desafios, como maneira de ir internalizando o pai dentro de nós para conseguir as respostas. A melodia, o trajeto,  a vida, é mera decorrência.
Pela emoção de Guinga, uma semana depois, achei que tinha acertado no diagnóstico.
Em cada ida a Poços vou juntando as informações sobre seu Oscar, a saga inicial do jovem filho de imigrantes, arrimo de família desde a adolescência, que adquiriu a farmácia com vinte e poucos anos no momento em que, com o fim do jogo, Poços começava a se desenvolver. Era um grupo de jovens comerciantes que mudou o centro do comércio da rua Marechal Deodoro, que acompanhava o rio, para quatro quarteirões centrais da cidade.
Seu Oscar participou de todos os momentos, integrou todos os clubes de apoio à cidade, da Caldense, do qual foi diretor de futebol por 20 anos, ao Lyons, Rotary, Maçonaria – que deixou como pré-condição para casar na Igreja -, Associação Comercial e o que mais viesse em benefício da cidade. Acho que só não foi vicentino.
Não se metia em política partidária. Recentemente encontrei um artigo na Gazeta de Farmácia relatando seu estilo nas reuniões do Conselho Federal e do Conselho Regional. Ouvia a todos e, depois, tentava a síntese, harmonizando as posições em torno de princípios muito claros e sem jamais recorrer à retórica vazia, segundo o autor do artigo.
De certo modo repetia a saga do avô, espécie de prefeito da pequena Ain Aar, a vila que fica a poucos quilômetros de Beirute. E do próprio pai que, segundo minhas tias, era um mediador das disputas da colônia libanesa em Rosário.
Em casa, contrabalançava o radicalismo feroz do sogro, meu avô Issa Sarraf, udenista, lacerdista, com pitadas de moderação. Como quando me recomendou a leitura de uma revista liberal, Política & Negócios, se não me engano, em contraposição a um panfleto de nome Ação Democrática, que meu avô me mandava.
Dia desses, um psiquiatra escreveu um artigo instigante, identificando a família como centro de conservadorismo – da ideia de conservar valores. Em momentos de ruptura, dizia ele, famílias perdem influência nos mais jovens. Deve ser por isso que, na adolescência, envolvido em mil atividades em Poços e São João da Boa Vista, deixei de me aprofundar nas relações familiares e aproveitar as informações de minhas tias Marta e Rosita.
Descobri que não estava sozinho nessa busca quando visitei o primo Armando Bogus no Sírio Libanês e marcamos uma conversa sobre a família quando ele saísse de lá. Morreu pouco depois e a viúva me ligou dizendo que seus últimos momentos foram de expectativa para a conversa que nunca tivemos.
Os Schkair – nome de família – vieram de Aina Aar, vila próxima a Beirute e se espalharam por São Paulo, São João da Boa Vista, Vargem Grande do Sul, em uma infinidade de sobrenomes, Nassif, Constantino, Zogbi, Gebara, Salomão, Marun, Gióia, Aschkar (juro que um dia ainda conseguirei recuperar a árvore genealógica da família para desfazer a trapalhada dessa prática árabe do neto ter o nome do avô como sobrenome). No Facebook foi montado um grupo com todos esses sobrenomes, mas poucas informações sobre os ascendentes.
Mas, graças à Internet, descobri a certidão de casamento de meu avô, Luiz (Slaib) Nassif, com minha avó Carmen Abdalla Melaj, em 1907 em Mendoza, Argentina. Na certidão, o nome de meu bisavô, Nassif Schkair, o inverso do Schkair Nassif, de meu pai. E, no que restou dos arquivos do bisavô, indícios de que os conterrâneos se espalharam não apenas pelo Brasil, mas por Rosário e Mendoza, trazendo do Líbano relações comerciais que se mantiveram no Ocidente, especialmente para a importação de tecidos.
Dia desses estive em Buenos Aires em um primeiro contato com parentes, que descobri através desses serviços de árvore genealógica. Três simpáticos casais, mas refletindo a radicalização latino-americana. Havia um feroz defensor dos militares, outro defensor de Cristina Kirchner e um terceiro que, sempre que a conversa ameaçava chegar na política, ajudava a mudar de assunto. Mas pouca informação sobre os ascendentes mais longínquos.
Quando minhas tias falavam das terras no Líbano, na vila em que a família morava, sempre imaginava tendas árabes e beduínos. Depois de conseguir recuperar as fotos de família é que me dei conta de que, em fins do século 19, eram mais ocidentalizados que os fazendeiros brasileiros da época.
E fico me indagando a razão de jamais ter me aprofundado nessas investigações familiares. Pela simples razão, que me foi contada por Lindolfo Carvalho Dias, amigo de papai: “Com dez anos de idade seu pai era argentino. Com dez anos e um dia, tornou-se mineiro”.
A família que saiu de Ain Aar, passou pelo Brasil, foi para a Argentina, voltou para o Brasil, nada tinha de nômade. Havia uma necessidade tão grande de fincar raízes que Poços de Caldas jamais saiu da memória do seu Oscar. E o dia em que o vi mais exultante, feliz, foi quando reuniu dezenas de amigos em casa para celebrar o sonho alcançado: a naturalização como brasileiro.
Ser brasileiro foi o valor maior ensinado em casa, que se sobrepôs às raízes libanesas, à nostalgia porteña de minhas tias. O velho lutava em todos os momentos pelo Brasil civilizado.
Anos atrás recebi um e-mail de uma conterrânea, que morava no início da subida da rua Rio de Janeiro para o Largo de São Benedito, nossa rua. Quando a rua foi asfaltada, os carros passavam em velocidade imprudente.
Seu Oscar juntou os meninos do início da subida, explicou que a rua era deles e, por isso, deveriam zelar por ela e por sua segurança. E orientou-os a criar faixas alertando os motoristas a correrem menos.
GGN