No site jurídico Conjur, a simples, preciosa e claríssima
lição do advogado e professor Sérgio Sérvulo da Cunha, demonstrando que, sob a
aparencia (para os leigos) de normalidade jurídica, estabeleceu-se um sistema
de tribunais de exceção, que começa na vara plenipotenciária de Sérgio Moro e
se completa, instância por instância, com o relator “exclusivo” da Lava Jato.
Todos os julgamento são previsíveis, com o desfecho igual de condenações que
dependem de pouca ou nenhuma prova, mas de muitas e perversas convicções.
Vimos que a competência criminal se fixa em razão do lugar: o
lugar da infração ou o lugar do domicílio do réu. O foro competente para
julgar a questão do tríplex atribuído a Lula seria então: ou Brasília, ou
Guarujá, ou São Bernardo do Campo. Como é que esse caso foi parar em Curitiba?
Bem, digamos que, na ação X movida contra vários réus, a
competência se determinará pelo seu domicílio, e eles têm domicílio em comarcas
diferentes.
Então, o juiz de uma dessas comarcas poderá ter estendida sua
competência, para que possa julgar todos os réus, no mesmo processo. A isso
pode-se chamar de conexão, ou continência. Se a ação penal já começou contra um
dos réus, e depois tem início outra, contra outro, diz-se que há prevenção do
primeiro juízo.
Qual a razão para que a competência de um juiz se amplie para
outros casos assemelhados, seja por conexão, continência ou prevenção? A razão
é a unidade processual: faz-se uma única instrução processual, profere-se uma
única sentença. Proferida a sentença, caso surja depois — em Brasília, em
Guarujá ou em São Bernardo — um novo caso que tenha pontos de contato com
aquele, qual o juízo competente? O de Curitiba? Evidentemente, não. Porque a
sua competência prorrogou-se apenas para aqueles casos, tendo em vista a
unidade de sua instrução e julgamento. Não nasceu, daí, uma competência
perpétua e universal daquele juízo, com relação a todos os casos assemelhados.
E caso o juízo de Curitiba se arrogue essa competência, transforma-se-á em
juízo de exceção.
Já tivemos juízo de exceção no Brasil durante a ditadura de
Getúlio, com o Tribunal de Segurança Nacional, criado em 1936. Por isso, diz a
Constituição brasileira, em seu artigo 5º-LVII: “Não haverá juízo ou
tribunal de exceção”.
Quando 12 membros do Ministério Público Federal formularam a
denúncia quanto ao tríplex, entregaram a petição inicial diretamente ao juiz da
13ª Vara Criminal de Curitiba (o juiz Sergio Moro). Saltaram por cima do
juiz distribuidor, dizendo, na própria petição, que havia conexão com dois
outros processos daquela vara: os processos 500661729.2016.4.04.7000/PR e
5035204- 61.2016.4.04.7000/PR. Ao receber a denúncia, o juiz da 13ª Vara
fez menção a vários outros processos, mas principalmente à Ação Penal 508337605.2014.404.7000,
que envolvera a empresa OAS. E, ao proferir a sentença condenatória,
declarou-se competente por prevenção, pois “a investigação iniciou-se a partir
de crime de lavagem de dinheiro consumado em Londrina/PR e que,
supervenientemente, foi objeto da ação penal n. 5047229-77.2014.404.7000”.
Aberrações como essas seriam facilmente corrigíveis, seja
mediante apelação, em segunda instância, seja mediante correição por parte do
Conselho Nacional de Justiça.
Não sei dizer — pelo menos até aqui — o que aconteceu no
CNJ. Mas posso dizer o que aconteceu no Tribunal Regional Federal da
4ª Região. Criou-se, ali, uma turma de exceção, ao se atribuir a um único
desembargador a competência para relatar todos os casos da “lava jato”. Em
outras palavras: criou-se, com isso, uma blindagem contra a parcialidade, a
suspeição e os abusos de poder do juiz Moro. De modo que, sempre que fossem
arguidas essas matérias, seriam sumariamente rejeitadas por essa turma.
Escusado dizer que um juiz de exceção açambarca a competência de todos os
outros juízes do mesmo grau. E que uma turma de exceção açambarca a competência
de outras turmas do mesmo tribunal.
Também não sei dizer — pelo menos até aqui — o que aconteceu
no Superior Tribunal de Justiça, que negou Habeas Corpus a Lula. Mas sei dizer
o que aconteceu no Supremo Tribunal Federal, onde o ministro Teori Zavascki, e
depois o ministro Luiz Edson Fachin, foram instituídos ministros excepcionais
da “lava jato”. Só que, ali, a mão do gato operou com mais sutileza e ardil.
O que é a “lava jato”? Quem melhor a define é o juiz Moro —
detentor da competência universal e excepcional nessa matéria — ao receber a
denúncia do tríplex.
Alguém poderia alegar que não acredita no que estou dizendo
porque isso seria uma ignomínia, inconcebível tratando-se de dignos e decentes
magistrados. Eu lhe responderia assim: pense, meu caro, duas vezes.
Do Tijolaço