Teoria
do Fato é um método de investigação que o Ministério Público Federal introduziu
na Lava Jato. É um nome vistoso para uma metodologia utilizada empiricamente
por repórteres na cobertura de casos complexos.
Trata-se
de montar uma narrativa com um conjunto de deduções amarradas a algumas
informações objetivas.
Vamos
montar nossa Teoria do Fato sobre o acordo de delação da JBS.
Movimento
1 – Janot e a Operação Norbert
Fatos:
No dia 2 de janeiro de 2015 o GGN divulgava em primeira mão a ação penal
209.51.01.813801- que mofava desde 2010 na gaveta do PGR – na época era Roberto
Gurgel (AQUI). Na noite do jantar de posse de Dilma Rousseff,
antes de publicar a matéria, cobrei de Janot posição sobre o inquérito.
-
Quando você tirará da gaveta a Operação Norbert?
A
primeira reação de Janot foi demonstrar surpresa, sugerindo nada saber sobre o
tema. Como já tinha todos os dados, despejei em cima dele: a operação em cima
de um casal de doleiros no Rio de Janeiro, Norbert Muller e sua mulher,
Christine Puschmann , montada por três procuradores de ponta do MPF – que você
chamou para trabalhar na PGR -, que descobriu contas de Aécio Neves em
Liechtenstein abertas em nome de uma tal Fundação Bogart & Taylor.
Aí
Janot se lembrou e me disse que daria parecer no máximo até abril.
Publiquei
a matéria. No dia 25 de março de 2015, o jornalista mineiro Marco Aurélio
Flores Carone entrou com uma denúncia na Sala de Atendimento ao Cidadão,
solicitando providências em relação à denúncia (AQUI).
Constatou-se
que havia sido arquivada em 23 de fevereiro de 2010 pelo procurador Rodrigo
Ramos Poerson, sob a alegação de que o Principal de Liechtenstein não tinha
acordo de troca de informações com o Brasil.
No
dia 15 de dezembro de 2015 Janot respondeu, informando que havia determinado o
arquivamento dos autos alegando que a conta era de propriedade da mãe de Aécio,
Inês Maria Neves Faria, com Aécio e irmãos figurando apenas como herdeiros.
Além disso, segundo Janot, a mãe de Aécio não autorizara ninguém a abrir conta
em seu nome e os valores movimentados eram inferiores ao mínimo a ser declarado
ao Banco Central.
Em
vista disso, determinava o arquivamento dos autos.
Esse
era o Janot-Aécio antes do fator JBS.
Peça
central em todas as etapas das investigações foi Marcelo Miller, procurador que
conduziu a Operação Norbert, que viu indícios contra Aécio para remeter a
denúncia para a PGR e que depois foi convocado por Janot para compor seu estado
maior na Procuradoria Geral da República. Ou seja, o procurador Miller, em
Brasília, não viu nenhum dos indícios apontados pelo Procurador Miller, quando
no Rio de Janeiro.
Movimento
2 – a JBS ensaia a delação premiada
A
água começou a bater no nariz da JBS com a delação de Fábio Cleto,
ex-vice-presidente da Caixa Econômica federal, ligado a Eduardo Cunha. A
empresa foi alvo de três operações da Polícia Federal, Sépsis, Greenfield e Cui
Bono, bens foram bloqueados e os irmãos afastados da direção do grupo.
Os
irmãos Batista já haviam traçado sua estratégia. Primeiro, mudar a sede da
empresa e suas residências para os Estados Unidos. A maior parte dos negócios
já estava por lá e seu pedido de mudança da sede seria muitíssimo bem acolhido
porque daria aos Estados Unidos poder amplo sobre o maior fornecedor de
proteínas animais para a China e para a Rússia. Não foi difícil um acordo de
leniência com o Departamento de Justiça local.
Mas,
antes, precisaria se livrar dos empecilhos legais no Brasil. E o caminho seria
um acordo de delação que limpasse definitivamente a barra por aqui.
Advogados
de Joesley Batista sondaram procuradores da Lava Jato em Brasília querendo
abrir caminho para a delação premiada.
Um
deles era Marcelo Miller, braço direito do PGR Rodrigo Janot e profundo
conhecedor dos intestinos da Lava Jato. Além disso, profundo conhecedor da
falta de vontade da PGR em investigar Aécio Neves.
Movimento
3 – Miller monta a estratégia
No
final de 2016 Joesley Batista percebeu que precisaria de uma estratégia
fulminante para impedir que a Lava Jato destruísse a empresa, a exemplo do que
fez com a Odebrecht.
Há
alguns meses, Miller manifestara a colegas a vontade de deixar o MPF. A partir
de fins de 2016 provavelmente deu-se a aproximação de Joesley com ele. Vamos
imaginar o diálogo:
Joesley
conversou com Miller indagando como poderia obter uma delação premiada que o
livrasse de todos os problemas no Brasil. O procurador alegou que seria
difícil, mas não impossível. Teria que apresentar uma bomba atômica maior do
que todas as anteriores. Mas teria que apresentar de tal modo que não restasse
outra alternativa a Janot senão aceitar.
Qual
seria o caminho?
Provavelmente
a resposta foi algo do gênero: “Não posso dizer, porque não sou seu advogado”.
Foi
um acerto rápido – a julgar pela cronologia dos fatos. Miller seria contratado
pelo escritório Trech, Rossi & Watanabe, conceituado, contratado pela
Petrobras para uma auditoria em todos os contratos e e-mails da companhia desde
2003.
Movimento
4 – preparando o bote
Antes
mesmo de sair do MPF, Miller ajudou a montar a estratégia.
Primeiro,
analisou com Joesley todos os trunfos que teria à mão. E Joesley apresentou
seus dois maiores trunfos: a possibilidade de grampear conversas
comprometedoras com Michel Temer e Aécio Neves.
Mas
como convencer Janot a aceitar? Desde 2014, Janot sempre tergiversara quando as
investigações roçavam Aécio Neves (AQUI). No Supremo, havia
uma disputa entre ele e o Ministro Gilmar Mendes, inimigos declarados, mas
revezando-se na blindagem a Aécio. Deixara incólume Dimas Toledo, o operador de
Aécio em Furnas; recusara a delação da OAS, que seguramente incriminaria
caciques tucanos.
Qual
o caminho das pedras para aceitar a delação da JBS?
A
estratégia consistiria, então, em apresentar provas tão bombásticas que Janot
não teria outra alternativa senão aceitar. E nada melhor do que um grampo em
Aécio Neves, o lado mais vulnerável de Janot, devido às suspeitas sobre sua
falta de vontade de atuar contra o conterrâneo.
Miller
pediu exoneração do MPF no dia 6 de março de 2017. O primeiro grampo de Joesley
Batista foi um dia depois, no dia 7 de março de 2017 (AQUI).
No
dia 2 de abril de 2017 surgiram as primeiras informações de que Joesley estaria
disposto a fazer as delações.
No
decorrer do mês, houve a abordagem formal da PGR pela JBS para negociar o
acordo de delação. O pacote incluía grampos com Aécio e Temer, em conversas
comprometedoras; extratos bancários, números de contas no exterior por onde
transitavam as propinas. E a informação de que já estavam de partida para os
Estados Unidos.
Jogaram
um elefante na sala de Janot, sem a menor possibilidade que fosse escondido
debaixo do tapete, como foram escondidas as capivaras de Dimas Toledo, dos
esquemas de Furnas, das parcerias com a Andrade Gutierrez.
Em
pungente artigo publicado na UOL no dia 23 de maio de 2017, Janot admite como
praticamente foi obrigado a aceitar a delação (AQUI).
“Em
abril deste ano, fui procurado pelos irmãos Batista. Trouxeram eles indícios
consistentes de crimes em andamento – vou repetir: crimes graves em execução –,
praticados em tese por um senador da República e por um deputado federal.
Os
colaboradores, no entanto, tinham outros fatos graves a revelar. Corromperam um
procurador no Ministério Público Federal. Apresentaram gravações de conversas
com o presidente da República, em uma das quais se narravam diversos crimes
supostamente destinado a turbar as investigações da Lava Jato.
Além
desses fatos aterradores, foram apresentadas dezenas de documentos e
informações concretas sobre contas bancárias no exterior e pagamento de
propinas envolvendo quase duas mil figuras políticas”.
Não
é a declaração assertiva de um PGR no pleno comando das operações, mas
explicações titubeantes de como foi obrigado a aceitar a delação e negociar
termos bastantes favoráveis aos delatores:
“Que
juízo faria a sociedade do MPF se os demais fatos delituosos apresentados, como
a conta-corrente no exterior que atendia a dois ex-presidentes, fossem
simplesmente ignorados? Foram as perguntas que precisei responder na solidão do
meu cargo”.
Foi
a chamada sinuca de bico. Ou aceitava ou haveria dois dos mais cobiçados alvos
da Lava Jato livres, leves e soltos em Nova York e o fantasma do pacote de
delação pairando sobre o pescoço de Janot.
“Finalmente,
tivesse o acordo sido recusado, os colaboradores, no mundo real, continuariam
circulando pelas ruas de Nova York, até que os crimes prescrevessem, sem pagar
um tostão a ninguém e sem nada revelar, o que, aliás, era o usual no Brasil até
pouco tempo”.
Movimento
5 – a adesão da Globo
Mas
não bastaria. Entrava-se, agora, em um terreno tabu para a mídia, a
criminalização dos seus aliados. Afinal, Aécio Neves quase se tornou presidente
da República com jornais escondendo seu passado e todas as suspeitas que
pairavam sobre ele. E membros da força tarefa da Lava Jato, de Curitiba,
fazendo campanha ostensiva para ele através das redes sociais.
Além
disso, já havia um cansaço com as estripulias da Lava Jato paranaense e
críticas cada vez mais amplas contra o estado de arbítrio. Sem o bate-bumbo da
mídia, o Ministro Luiz Edson Fachin dificilmente homologaria uma delação na
qual o elemento de maior destaque era um grampo no próprio presidente da
República.
Como
furar o balão da cumplicidade da mídia, regada pelas verbas publicitárias
articuladas por Eliseu Padilha?
Aí
entrou a rede Globo e seu principal patrocinador – a JBS.
No
dia 10 de maio de 2017 Joesley, mais sete executivos da JBS foram até o
Ministro Luiz Edson Fachin confirmar os termos da delação premiada acertada com
o PGR (AQUI). No dia 17 de maio de 2017, a notícia da delação
é vazada para O Globo. À noite, o Jornal Nacional monta uma cobertura de quase
uma hora, improvisada. No dia 18 de maio de 2017 Fachin anuncia a homologação
da delação.
Imediatamente,
a Polícia Federal prende Andreá Neves, invade os apartamentos de Aécio Neves,
criando o episódio de maior impacto da Lava Jato desde a condução coercitiva de
Lula.
O
que cativou a Globo e a fez apostar todas as fichas na denúncia e, por
consequência, no impeachment de Michel Temer? Quem vazou o acordo para ela,
Janot ou os Batista? Como explicar quase uma hora de Jornal Nacional
improvisado, com repórteres e comentaristas de olhos arregalados, balbuciantes,
sem conseguir sequer seguir o script? E, mais ainda, contra o maior anunciante
da Globo e rompendo o pacto com outros grupos de mídia?
Há
um conjunto de possibilidades:
1. A Globo foi convencida de que não haveria
mais condições de apoiar Temer, depois que o pacote fosse revelado. A
alternativa seria ela faturar jornalisticamente em cima da denúncia,
cacifando-se para os jogos da sucessão.
2. Houve uma negociação da Globo com a
própria JBS, visando criar o fato consumado. Nenhum veículo investe a seco
contra seu maior patrocinador com a desenvoltura com que a Globo endossou as
denúncias.
Foi
uma adesão tão rápida e improvisada que, de manhã, Mirian Leitão produziu uma
bela reportagem com o ínclito Eliseu Padilha defendendo o governo; e à tarde,
depois do editorial da Globo pedindo o impeachment, correu a retificar com uma
notinha em que dizia que, à luz das últimas informações, o governo Temer não
tinha remédio. As últimas informações eram o editorial de O Globo.
Do
GGN, Nassif