Peça
1 - o aleatório e o planejado
Nos
processos históricos, é muito difícil separar o aleatório do planejado. Há um
processo não linear, pontilhado por uma série de eventos, muitos não
planejados. E os atores vão se reorganizando a cada fato novo.
No
golpe do impeachment, há apenas um fio condutor sólido, que se sobrepõe a todos
os demais: o desmonte do estado nacional de bem-estar e dos projetos de
desenvolvimento autônomo.
Este
é o fio condutor que mantém a lógica que une Rede Globo, o chamado mercado,
os bilionários liderados por Jorge Paulo Lehman e, na ponta, os
tarefeiros da Lava Jato. O modo de fazer é aleatório e obedece aos caprichos do
destino.
Abaixo
da esfera maior, dos indutores, vêm os instrumentalizados.
Há
os instrumentalizados que procuram conscientemente se alinhar com o bloco
vencedor, como é o caso do Ministro Luís Roberto Barroso. E aqueles que deixam
guiar pelos ventos da opinião pública, como a Procuradora Geral da República
Raquel Dodge e, antes dela, Rodrigo Janot e seus templários.
Finalmente,
as bactérias oportunistas, inserindo-se aí a organização político-criminosa
liderada por Eduardo Cunha e Eliseu Padilha e representada por Michel Temer.
Digo
isso para facilitar o entendimento dos fatores que levaram à Operação Skala,
deflagrada na 4ª feira pela PGR, com a anuência de Barroso, prendendo
provisoriamente os membros civis da quadrilha de Temer.
Peça
2 - Temer, o batom na cueca
Desde
o início, Temer era o batom na cueca da suposta moralidade do impeachment. Não
apenas um desonesto histórico, mas um dos personagens mais execráveis da
história política do país.
Na
cadeia improdutiva do submundo político, cabia a ele o papel de mediador da
divisão do butim do condomínio de bucaneiros reunidos em torno do MDB. As
jogadas estratégicas mais altas ficavam sob responsabilidade de Eduardo Cunha e
Eliseu Padilha.
O
último grande embate do grupo com o governo Dilma foi em torno das jogadas que
beneficiavam os operadores do Porto de Santos. A demissão do Secretário dos
Portos, Edinho Araújo, foi a gota d’água que deflagrou o golpe.
Depois
do impeachment, seguiu-se um período de lua de mel cujo momento mais vergonhoso
foram as cenas gravadas em celular, após uma entrevista laudatória do Roda
Viva. Na gravação, a jornalista brasiliense fala em tom confidente sobre as
artes de conquista de Temer e o jornalista da TV Cultura dizia de sua surpresa
de saber que Temer era “gente como a gente”. Temer termina agradecendo “mais
essa propaganda”, em um dos episódios mais constrangedores da história do
jornalismo. Só faltou beijo na boca.
Peça
3 – a disfuncionalidade de Temer
Temer
tornou-se disfuncional por vários motivos:
No
plano econômico, o fim da feira de secos e molhados que permitiu amarrar o
orçamento por 20 anos e liquidar com a legislação trabalhista. Ontem mesmo
celebrava-se a economia de R$ 850 milhões obtidos com o corte nas compras de
cinco remédios essenciais da Farmácia Popular. A insensibilidade social desse
pessoal beira o sadismo.
Mas
Temer não conseguiu avançar mais com o saco de maldades e nem com a prometida
recuperação da economia, chegando-se à seguinte situação:
O
esgarçamento do punitivismo da Lava Jato, com o STF (Supremo Tribunal Federal).
Críticas rompendo a blindagem da mídia em relação à operação.
O
STF (Supremo Tribunal Federal) finalmente ousando reassumir seu papel
contra-hegemônico.
A
substituição da luta contra a corrupção pelas questões de segurança como
bandeiras mobilizadoras.
O
aumento da percepção da parcialidade da Lava Jato e da perseguição a Lula.
A
relação clara das medidas adotadas com o mal-estar nacional, sem recuperação da
economia e com precarização maior ainda do emprego. E com as reformas sendo
identificadas com a quadrilha de Temer.
O
grupo do impeachment sem um candidato competitivo sequer.
A
absoluta falta de noção de Temer, tentando se lançar candidato.
A
própria ambiguidade de Temer, que levou algumas cabeças imaginosas a supor que
poderia conceder indulto a Lula. Elio Gaspari divulgou em sua coluna sem
endossar a piração, mas revelando que estaria por trás da decisão do
inacreditável Luís Roberto Barroso de endurecer na questão da segunda
instância.
É
nesse contexto que entra a Operação Skala como uma espécie de freada de
arrumação e de volta ao trilho da anti-corrupção.
Aliás,
nesses momentos de inflexão, de corte, nada melhor do que ler Merval Pereira. Ele
sempre sinaliza as mudanças de rumo com toda clareza, sem essas frescuras de
figuras de retórica rebuscadas.
Peça
4 – a motivação da Operação Skala
Entendidos
esses movimentos, vamos tentar compreender a motivação e a oportunidade da
Operação Skala.
Há
tempos se tinha Michel Temer na mira. É o tipo do suspeito que não resiste a
uma pesquisa no Google. Some-se o que há nos diversos inquéritos e processos
acumulados ao longo de duas décadas, e suspensos devido à influência política.
Havia
evidências de sobra para deflagrar a operação um ano atrás, dois meses atrás,
ou uma semana à frente.
O
que permite as seguintes conclusões:
Conclusão
1 - É evidente que não se trata de mera coincidência a Operação ter
acontecido dois dias antes do julgamento do habeas corpus a Lula.
Independentemente dos méritos de Temer, a escolha da data visou matar dois
coelhos com uma só cajadada e colocar os garantistas do STF na defensiva. No
plano político, Raquel Dodge é Rodrigo Janot, com suas suscetibilidades aos
sinais emanados da mídia.
Conclusão
2 – Tecnicamente, Raquel Dodge não é Rodrigo Janot. Pode-se esperar uma
peça tecnicamente bem elaborada para a terceira denúncia, em cima de uma
blindagem esgarçada da base política de Temer. Principalmente porque, nas
eleições, os candidatos fugirão dele como o diabo da cruz. Ou o inverso, dado
que, nas últimas eleições, pesquisas qualitativas apontaram sua identificação
com o demo, para parte da opinião pública mais simples.
Hipótese –
para se observar, apenas. O assassinato de Mariele Franco, o atentado à
caravana de Lula, mas o Fachin News das supostas ameaças ao Ministro Luiz Edson
Fachin, aumentaram a sensação de descontrole. Imediatamente alguns setores
viram nisso o álibi para adiar as eleições. Mas nenhuma tese de adiamento seria
minimamente viável se significasse a prorrogação do mandato de Temer. Só os
absolutamente sem-noção apostariam nisso.
Se
Temer for derrubado, fortalece-se a hipótese do adiamento das eleições, com o país
sendo entregue ao deputado Rodrigo Maia, genro de Moreira Franco.
Nos
próximos dias, haverá mais lenha na fogueira, visando amedrontar o STF na
votação do HC de Lula, tornar mais agudo o quadro de descontrole, para
posterior aparecimento da bandeira salvadora do adiamento das eleições.
Do GGN