sábado, 31 de março de 2018

A disputa pelo poder real se desenrola fora da arena da política, por Jeferson Miola

A investida policial que culminou na prisão de muitos amigos, empresários e políticos do círculo de convivência íntima do Temer foi fatal para o governo ilegítimo.
Só não foram presos ele próprio, Temer, e seus comparsas protegidos pelo foro privilegiado na esplanada dos ministérios.
É de se perguntar, a estas alturas, se a promoção do ex-subchefe de assuntos jurídicos da Casa Civil ao cargo de ministro de direitos humanos não foi, também, uma medida preventiva para assegurar a impunidade do afilhado do Eduardo Cunha.
Este desgaste brutal não significa, todavia, que Temer será cassado, como corresponderia, uma vez cumpridos os trâmites legais e constitucionais que não vigem no Estado de Exceção instalado no Brasil.
O certo, entretanto, é que o governo ilegítimo passa a viver uma condição irreversível de total irrelevância e desprezo ainda mais profunda que antes.
A ofensiva contra Temer e sua quadrilha não ocorreria sem a assinatura de Luís Barroso.
Raquel Dodge também foi importante protagonista ao solicitar as prisões, num giro que pode caracterizar sua opção de afastar-se de Temer para aproximar-se da Lava Jato.
Este grave episódio, que torna ainda mais imprevisível e imponderável o cenário político e institucional do país, aparenta, porém, ser uma reação da facção mais lavajateira e mais arbitrária do Regime de Exceção a decisões polêmicas adotadas por Dias Toffoli.
No curto intervalo de 24 horas, Toffoli concedeu prisão domiciliar a Paulo Maluf e Jorge Picciani; e liminar autorizando a candidatura de Demóstenes Torres.
A ofensiva contra Temer e sua quadrilha, neste sentido, pode ser um lance da disputa de poder que ocorre entre as diferentes facções do golpe.
Esta disputa [1] se desenrola por fora e por cima do campo de disputa esperável, que é a arena da política; e [2] é dominada por atores não-eleitos e não investidos de poder político e legislativo; ou seja, pela mídia/Globo, judiciário/Lava Jato e mercado/establishment.
Estes são os atores que dominam o cenário da disputa do poder real; os atores que disputam o poder de fato de mandar e de desmandar hoje no Brasil.
Dessa dinâmica “intra-golpe” se conhecerá a resultante política e institucional que, inclusive, poderá ser dum horizonte crítico, de cancelamento das eleições e endurecimento autoritário do regime.
Do GGN

sexta-feira, 30 de março de 2018

Xadrez do pós-Temer e as eleições, por Luis Nassif


Peça 1 - o aleatório e o planejado
Nos processos históricos, é muito difícil separar o aleatório do planejado. Há um processo não linear, pontilhado por uma série de eventos, muitos não planejados. E os atores vão se reorganizando a cada fato novo.
No golpe do impeachment, há apenas um fio condutor sólido, que se sobrepõe a todos os demais: o desmonte do estado nacional de bem-estar e dos projetos de desenvolvimento autônomo.
Este é o fio condutor que mantém a lógica que une Rede Globo, o chamado mercado,  os bilionários liderados por Jorge Paulo Lehman e, na ponta, os tarefeiros da Lava Jato. O modo de fazer é aleatório e obedece aos caprichos do destino.
Abaixo da esfera maior, dos indutores, vêm os instrumentalizados.
Há os instrumentalizados que procuram conscientemente se alinhar com o bloco vencedor, como é o caso do Ministro Luís Roberto Barroso. E aqueles que deixam guiar pelos ventos da opinião pública, como a Procuradora Geral da República Raquel Dodge e, antes dela, Rodrigo Janot e seus templários.
Finalmente, as bactérias oportunistas, inserindo-se aí a organização político-criminosa liderada por Eduardo Cunha e Eliseu Padilha e representada por Michel Temer.
Digo isso para facilitar o entendimento dos fatores que levaram à Operação Skala, deflagrada na 4ª feira pela PGR, com a anuência de Barroso, prendendo provisoriamente os membros civis da quadrilha de Temer.
Peça 2 - Temer, o batom na cueca
Desde o início, Temer era o batom na cueca da suposta moralidade do impeachment. Não apenas um desonesto histórico, mas um dos personagens mais execráveis da história política do país.
Na cadeia improdutiva do submundo político, cabia a ele o papel de mediador da divisão do butim do condomínio de bucaneiros reunidos em torno do MDB. As jogadas estratégicas mais altas ficavam sob responsabilidade de Eduardo Cunha e Eliseu Padilha.
O último grande embate do grupo com o governo Dilma foi em torno das jogadas que beneficiavam os operadores do Porto de Santos. A demissão do Secretário dos Portos, Edinho Araújo, foi a gota d’água que deflagrou o golpe.
Depois do impeachment, seguiu-se um período de lua de mel cujo momento mais vergonhoso foram as cenas gravadas em celular, após uma entrevista laudatória do Roda Viva. Na gravação, a jornalista brasiliense fala em tom confidente sobre as artes de conquista de Temer e o jornalista da TV Cultura dizia de sua surpresa de saber que Temer era “gente como a gente”. Temer termina agradecendo “mais essa propaganda”, em um dos episódios mais constrangedores da história do jornalismo. Só faltou beijo na boca.
Peça 3 – a disfuncionalidade de Temer
Temer tornou-se disfuncional por vários motivos:
No plano econômico, o fim da feira de secos e molhados que permitiu amarrar o orçamento por 20 anos e liquidar com a legislação trabalhista. Ontem mesmo celebrava-se a economia de R$ 850 milhões obtidos com o corte nas compras de cinco remédios essenciais da Farmácia Popular. A insensibilidade social desse pessoal beira o sadismo.
Mas Temer não conseguiu avançar mais com o saco de maldades e nem com a prometida recuperação da economia, chegando-se à seguinte situação:
O esgarçamento do punitivismo da Lava Jato, com o STF (Supremo Tribunal Federal). Críticas rompendo a blindagem da mídia em relação à operação.
O STF (Supremo Tribunal Federal) finalmente ousando reassumir seu papel contra-hegemônico.
A substituição da luta contra a corrupção pelas questões de segurança como bandeiras mobilizadoras.
O aumento da percepção da parcialidade da Lava Jato e da perseguição a Lula.
A relação clara das medidas adotadas com o mal-estar nacional, sem recuperação da economia e com precarização maior ainda do emprego. E com as reformas sendo identificadas com a quadrilha de Temer.
O grupo do impeachment sem um candidato competitivo sequer.
A absoluta falta de noção de Temer, tentando se lançar candidato.
A própria ambiguidade de Temer, que levou algumas cabeças imaginosas a supor que poderia conceder indulto a Lula. Elio Gaspari divulgou em sua coluna sem endossar a piração, mas revelando que estaria por trás da decisão do inacreditável Luís Roberto Barroso de endurecer na questão da segunda instância.
É nesse contexto que entra a Operação Skala como uma espécie de freada de arrumação e de volta ao trilho da anti-corrupção.
Aliás, nesses momentos de inflexão, de corte, nada melhor do que ler Merval Pereira. Ele sempre sinaliza as mudanças de rumo com toda clareza, sem essas frescuras de figuras de retórica rebuscadas.
Peça 4 – a motivação da Operação Skala
Entendidos esses movimentos, vamos tentar compreender a motivação e a oportunidade da Operação Skala.
Há tempos se tinha Michel Temer na mira. É o tipo do suspeito que não resiste a uma pesquisa no Google. Some-se o que há nos diversos inquéritos e processos acumulados ao longo de duas décadas, e suspensos devido à influência política.
Havia evidências de sobra para deflagrar a operação um ano atrás, dois meses atrás, ou uma semana à frente.
O que permite as seguintes conclusões:
Conclusão 1 - É evidente que não se trata de mera coincidência a Operação ter acontecido dois dias antes do julgamento do habeas corpus a Lula. Independentemente dos méritos de Temer, a escolha da data visou matar dois coelhos com uma só cajadada e colocar os garantistas do STF na defensiva. No plano político, Raquel Dodge é Rodrigo Janot, com suas suscetibilidades aos sinais emanados da mídia.
Conclusão 2 – Tecnicamente, Raquel Dodge não é Rodrigo Janot. Pode-se esperar uma peça tecnicamente bem elaborada para a terceira denúncia, em cima de uma blindagem esgarçada da base política de Temer. Principalmente porque, nas eleições, os candidatos fugirão dele como o diabo da cruz. Ou o inverso, dado que, nas últimas eleições, pesquisas qualitativas apontaram sua identificação com o demo, para parte da opinião pública mais simples.
Hipótese – para se observar, apenas. O assassinato de Mariele Franco, o atentado à caravana de Lula, mas o Fachin News das supostas ameaças ao Ministro Luiz Edson Fachin, aumentaram a sensação de descontrole. Imediatamente alguns setores viram nisso o álibi para adiar as eleições. Mas nenhuma tese de adiamento seria minimamente viável se significasse a prorrogação do mandato de Temer. Só os absolutamente sem-noção apostariam nisso.
Se Temer for derrubado, fortalece-se a hipótese do adiamento das eleições, com o país sendo entregue ao deputado Rodrigo Maia, genro de Moreira Franco.
Nos próximos dias, haverá mais lenha na fogueira, visando amedrontar o STF na votação do HC de Lula, tornar mais agudo o quadro de descontrole, para posterior aparecimento da bandeira salvadora do adiamento das eleições.
Do GGN

Xadrez de Temer no xadrez, por Luis Nassif

Ao deter uma das acionistas do grupo Libra, finalmente Ministério Público Federal e Polícia Federal bateram em um dos mais antigos sistemas de corrupção da República, umbilicalmente ligado a Michel Temer, Eduardo Cunha e seu grupo.
Capítulo 1 – a entrada da Libra do porto de Santos
Em 1998, o grupo Libra arrendou a área do Terminal 35 da Ponta da Praia. Apresentou uma proposta imbatível, a ponto da segunda colocada entrar na Justiça, argumentando que os valores apresentados eram inexequíveis.
O jogo consistia nisso. Primeiro, conseguiu entrar. Logo em seguida, passou a contestar as faturas do arrendamento. Alegava que o terreno recebido era menor do que o previsto no edital de concessão, e que a linha férrea não havia sido removida, além de faltar profundidade nos berços de atracação.
Capítulo 2 – a jogada da anistia
Foi acumulando dívidas. Em 2001, estimava-se o valor da dívida em R$ 700 milhões.
Em agosto daquele, o Ministro dos Portos Pedro Britto propôs um acordo, fixando a dívida em R$ 120 milhões. Por ele, a Libra se comprometeria a quitar R$ 71 milhões da dívida em até 12 meses, com correção monetária. O acordo não avançou.
O caso foi sendo empurrado até que, em 2005, o ex-diretor da Agência Nacional de Águas (ANA) Paulo Vieira, tentou promover uma anistia para a Libra. Com Danilo de Camargo, presidente do Conselho de Administração da Codesp, Vieira acertou uma Nota Técnica visando embasar um aditivo no contrato da Libra, que significaria praticamente uma anistia, que perdoaria 85% da dívida de R$ 120 milhões.
A identificação foi possível depois de um auditor do TCU (Tribunal de Contas da União) ter denunciado Vieira, por encomendar um parecer de R$ 300 mil beneficiando uma das empresas.
Os padrinhos políticos da Libra eram o então presidente da Codesp, José Carlos Mello Rego, indicador pelo deputado Valdemar Costa Neto (PR) e apoiado pelo Ministro dos Transportes Alfredo Nascimento (PR). Vieira atuou com base em Nota Técnica do então presidente do Conselho de Administração, Danilo de Camargo.
Mas o tutor maior, o grão-duque do porto de Santos desde os anos 90 era Michel Temer.
Rego chegou a assinar um aditivo, pelo qual a Codesp reconhecia demandas duvidosas da Libra. Mas a jogada não passou devido à resistência de três diretores da Codesp, que ameaçaram pedir demissão.
Sete anos depois explodiu a Operação Porto Seguro, quando um auditor do TCU (Tribunal de Contas da União (TCU) denunciou Vieira por ter feito uma proposta de R$ 300 mil por um parecer visando beneficiar a Tecondi, outra arrendatária do porto.
Capítulo 3 – a jogada da arbitragem
Em 2013, é deflagrada uma nova operação visando livrar a Libra, a Lei dos Portos (12.815), de 5 de junho de 2013. Havia uma corrida contra o tempo, uma jogada para prorrogar o prazo de vigência dos contratos por 20 anos. Aproveitando o projeto de reforma do porto, Libra planejava integrar seus quatro terminais (T-33, T-34, T-35 e T-37).
No artigo 62, a lei previa que concessionária inadimplentes não poderiam ter os contratos prorrogados. Mas, no parágrafo 1º, introduzia uma nova saída:
§ 1o  Para dirimir litígios relativos aos débitos a que se refere o caput, poderá ser utilizada a arbitragem, nos termos da Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996.      (Regulamento)
Imediatamente, Libra aderiu à tal arbitragem. Bastou a manifestação de desejo para que, em setembro de 2015, a Secretaria dos Portos, prorrogasse o contrato de exploração da Libra por 20 anos, até 2015.
O argumento é que a Libra havia chegado a um acordo com a Codesp sobre seus passivos. Ela se comprometia a desistir das ações que questionavam o pagamento na Justiça para resolver o caso mediante procedimento arbitral.
Na ocasião, o valor das dívidas da Libra chegava a R$ 1 bilhão. Esperava-se que a decisão arbitral saísse em dois anos. Mas, sem cobrar a dívida, a Codesp ofereceu a arbitragem à Libra.
Se a Procuradora Geral da República Raquel Dodge quiser mais detalhes sobre a arbitragem na nova Lei, poderá obter do ex-Advogado Geral da União Luís Ignácio Adams detalhes sobre a insistência do ainda vice-presidente Michel Temer, em arrancar posições da AGU.
Capítulo 4 – os jogos de postergação
“A antecipação do contrato foi feita mediante salvaguardas jurídicas importantes. O que for decidido na arbitragem terá de ser cumprido pela empresa, sob pena de rescisão contratual”, afirmou o ministro Edinho Araújo (MDB-SP), um ex-prefeito de São José do Rio Preto estritamente ligado a Temer.
Na época, o advogado especializado Carlos Augusto da Silveira Lobo, em artigo no site Migalhas,  apontava a falta de transparência do decreto. Omitia a nomeação dos árbitros, a indicação do local em que seria proferida a sentença, indicava a matéria objeto de arbitragem em um anexo que não foi publicado.
Ficava claro que era uma jogada para terminar os litígios judiciais, permitindo à Libra prorrogar seus contratos.
Depois anos depois de firmado o acordo, a Codesp sequer havia devido a empresa que faria sua defesa na corte arbitral.
Questionada sobre a demora  pelo jornal santista “A Tribuna”, a Codesp atribuiu “aos trâmites legais imprescindíveis para a conclusão do processo.
Capítulo 6 – desdobramentos políticos
A nova operação bateu no centro do esquema de corrupção de Michel Temer. Vai-se investigar até reformas em casas de suas filhas. Sugere-se que investiguem a compra de mobiliário para as casas, que consumiu pequenas fortunas.
Assim como Eduardo Cunha, Temer, Padilha, Moreira pertencem à nobre linhagem dos suspeitos mais óbvios da República.
É cedo para se analisar os desdobramentos políticos do caso. Melhor aguardar os próximos dias, para avaliar melhor até onde a operação conseguirá chegar. É possível que se consiga Temer atrás das grades ainda no primeiro semestre de 2019. Todas as provas estão distribuídas em vários processos e inquéritos. É só questão de recolher e consolidar.
O preço é que, se conseguir pegar o cappo dos cappi, o MPF e a PF irão ampliar o nível de arbítrio atual.
Do GGN

quinta-feira, 29 de março de 2018

Nós temos de responsabilizar o senhor Bolsonaro por isso: bandido, criminoso, sem vergonha!, diz Gilherme Boulos

O pré-candidato do Psol ao Planalto, Guilherme Boulos, sugeriu a criação de uma frente democrática para combater o fascismo no Brasil.
Foi durante o último ato da Caravana de Lula pelo Sul, em Curitiba. Boulos nomeou o pré-candidato Jair Bolsonaro como um dos articuladores da onda de ódio que marca a atual conjuntura política.
No mesmo dia, depois de desembarcar em Curitiba e ser carregado pelos corredores do aeroporto, Bolsonaro viu seus planos de “encarar Lula” naufragarem: a concentração convocada para a praça 19 de novembro, perto de onde o ex-presidente fez seu último ato da caravana, foi cancelada.
Como mostrou o blogueiro Fernando Brito, no Tijolaço, sobre um carro de som, ainda no aeroporto, Bolsonaro simulou o fuzilamento de Lula (ver foto abaixo).
Como escreveu Sergio Lirio na CartaCapital, foi a batalha de Itararé de Bolsonaro:
Bolsonaro viajou a Curitiba disposto a confrontar Lula em uma espécie de duelo ao pôr-do-sol, um “mano a mano” típico de faroeste. Com sua agenda beligerante capturada por Michel Temer desde a intervenção federal no Rio de Janeiro e com o aumento de competidores na corrida presidencial, o ex-militar procura desesperadamente uma brecha nos holofotes, antes que a turba encontre ou seja induzida a seguir outro missionário.
Confira a íntegra do discurso de Guilherme Boulos:
Nós viemos aqui, presidente Lula, trazer a nossa mais sincera solidariedade a você, à militância do PT, à militância que acompanhou essa caravana, contra as agressões covardes e criminosas que os fascistas fizeram.
Agressões que levaram a quatro tiros.
Essa gente já passou de qualquer limite. Fazem apologia à violência e ao ódio.
Essa gente está plantado as perigosas sementes do fascismo no nosso país.
Vejam, quem é responsável por isso?
Eles tem cara e eles tem nome.
Nós não sabemos qual foi o fulano que apertou o gatilho.Mas nós sabemos quem de fato apertou esse gatilho. E quem apertou é quem está semeando esse ódio todo dia.
E nós temos que responsabilizar o senhor Jair Bolsonaro por isso: bandido, criminoso, sem vergonha!
Ele tem que ser responsabilizado por isso, que tem semeado essa onda fascista no país.
Mas isso não é um caso isolado: hoje fazem duas semanas do assassinato covarde e cruel da Marielle Franco no Rio de Janeiro.
Mulher negra, lutadora e que foi assassinada por um crime político.
Este mesmo clima de ódio, de fascismo, essa escalada de violência foi a que atirou em Marielle, foi a que deu os tiros ontem na caravana.
Isso é muito preocupante, isso deve nos chamar à unidade.
Todos sabem — a Manuela falou aqui — que na esquerda nós temos diferenças de posição e de ponto-de-vista.
Importante que seja assim, porque a nossa tradição não é a da intolerância, a do pensamento único — isso é do outro lado.
Agora, essas diferenças não podem e não vão nos impedir de sentar à mesa para defender a democracia em nosso país, e para enfrentar o fascismo.
Por isso Lula, Manuela, eu acho que já passou da hora da gente sentar para formar uma frente democrática para enfrentar o fascismo, esse processo, entre os partidos de esquerda, entre as candidaturas de esquerda, porque o que está ocorrendo nesse país é muito grave.
Com o fascismo não se brinca, com o fascismo não se conversa, fascismo se combate e nós só vamos conseguir combater com unidade.
Do Viomundo

quarta-feira, 28 de março de 2018

Delegado que investigava atentado à Lula é afastado por razões políticas, por Joaquim Carvalho

Esta reportagem faz parte da série sobre a Caravana de Lula no Sul, financiada pelos leitores através de crowdfunding. As demais estão aqui.
Lula descendo do ônibus, uma cena que se repetiu dezenas de vezes nesta caravana.
O delegado Wikinson Fabiano Oliveira de Arruda estuda divulgar nota ainda hoje para rebater as razões expostas pela Secretaria de Segurança Pública do Estado do Paraná para justificar a designação de outro delegado para conduzir o inquérito que apura o atentado à Caravana de Lula pelo Sul do País.
Wilkinson não está dando entrevista, mas revelou o que pensa a um grupo de policiais civis no WhatsApp, a que o DCM teve acesso. “Retirar a investigação da minha mão fere o critério de distribuição dos inquéritos no Estado. Assume o inquérito o delegado que estiver de plantão na semana, e esta semana quem está de plantão sou eu”, respondeu o delegado a um colega que perguntou se o afastamento dele tinha razões políticas.
“É claro que tem razões políticas. Não gostaram das declarações que dei sobre como vejo o crime. Foi uma tentativa de homicídio”, disse. Por quê? “Porque nós estamos diante do que se chama dolo alternativo. Quem atira contra um ônibus está querendo matar alguém. Não estou dizendo que era para matar o Lula. Mas quem faz isso, atirar em um ônibus, quer, sim, matar alguém.”
A conversa no grupo foi longa. “Dizem que o PT pode usar politicamente a declaração de que foi tentativa de homicídio. Pode, assim como o PSDB também pode usar essa ocorrência de maneira política. Para mim, por exemplo, desqualificar o crime, tirando o evidente característica de tentativa de homicídio, é politizar. Estou dizendo que, se na caravana, em vez do Lula estivesse o papa Francisco ou a Xuxa ou o pipoqueiro, eu trataria da mesma forma: tentativa de homicídio. Por que com o Lula tem que ser diferente?”, registrou.
Wilkinson, Richa e o Hélder: cúpula do governo tirou o inquérito de um delegado e o deu a outro.
A linha de investigação cabe ao delegado que conduz a investigação. É o que se chama de independência funcional. Para Wikinson, a cúpula da Secretaria desrespeitou sua independência e violou a regra de distribuição de inquéritos. “Eu não estudei, me preparei e me tornei delegado para aceitar ser desrespeitado dessa forma. Estou apenas esperando ter acesso à nota da Secretaria para fazer a minha nota e me manifestar publicamente”, respondeu ele a quem estava tentando demovê-lo da tentativa de dar sua versão do afastamento.
A investigação foi para as mãos do delegado Helder Lauria, chefe da Subdivisão de Polícia de Laranjeiras do Sul, que decidiu o tratar o caso como disparo de arma de fogo e dano — crimes de menor potencial ofensivo, considerados contravenções, com penas insignificantes. Wikison disse que soube pela imprensa que o inquérito não seria mais conduzido por ele. Lauria, embora chefe da Subdivisão, não tem, em tese, poderes para chamar para si a responsabilidade pelo inquérito.
“A hierarquia é administrativa, não pode violar o critério de distribuição de inquéritos. Isso violou o caráter de impessoalidade do trabalho da Polícia. Eu já estava investigando e faria hoje a portaria para oficializar a abertura do inquérito quando soube, pela imprensa (Lauria deu entrevista à RPC, afiliada da Globo), que outro delegado tinha aberto o inquérito, violando a independência funcional da Secretaria”, afirmou.
Em nota, a Secretaria de Segurança negou o afastamento do delegado Arruda do caso. “Desde o início, das primeiras oitivas, quem conduz o inquérito policial é o delegado titular da Delegacia de Laranjeiras do Sul Helder Andrade Lauria. Arruda, que é delegado adjunto, acompanhou Lauria no atendimento ao local da ocorrência e segue dando apoio à investigação”, diz o texto. Segundo Wikison, não foi bem assim.
“Num caso de repercussão é natural que todos queiram participar. Mas, como era eu o delegado de plantão, a investigação, pelo critério de distribuição, deve ser conduzida por mim. Mas esse principio foi violado e devo explicações à sociedade”, afirmou.
DCM

terça-feira, 27 de março de 2018

No Roda Viva, Moro DISTORCE FATOS sobre Teori Zavascki e cultua auto-imagem de herói., por Joaquim de Carvalho

Moro no Roda Viva: disse o que lhe convinha, sem ser devidamente questionado
Na entrevista ao Roda Viva, Sergio Moro fez um relato que não corresponde aos fatos. Pode ter feito outros com o mesmo defeito.
Mas este, seguramente, não se deu como narrado. Ele recordou que, no início de 2014, a operação Lava Jato quase acabou por decisão do ministro Teori Zavascki.
Moro disse que o ministro tinha mandado soltar todos os presos da operação. Era a consequência óbvia do habeas corpus obtido pela defesa do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, que se encontrava preso.
O fundamento do HC era a ilegalidade da operação, que não poderia estar em Curitiba por algumas razões legais, entre elas a falta de competência do juiz.
A sede da Petrobras é no Rio de Janeiro, não no Paraná, e, na origem da investigação, em 2006, um dos envolvidos nos fatos apurados pela Polícia Federal era o então deputado federal, José Janene.
Como havia o parlamentar envolvido, o inquérito deveria ter sido remetido, já naquela época, ao Supremo Tribunal Federal, mas Moro, por razões que nunca ficaram claras, decidiu segurar a investigação em Curitiba, e manter sob sua jurisdição o doleiro e sócio de Janene, Alberto Youssef.
No Roda Viva, Moro contou a história até uma parte, com uma dramaticidade que lhe cai bem na figura do herói: ele disse que ficou arrasado com a decisão de Teori, voltou para casa (segundo ele, de bicicleta) cabisbaixo. Aquilo seria o fim da Lava Jato.
Ele disse que informou a Teori que a decisão colocaria na rua até um grande traficante — cliente de Youssef —, preso no pacote dos primeiros dias da operação. Moro afirmou, na TV, com um esboço de sorriso e piscando muito, que Teori reviu a decisão.
“Ele não tinha todas as informações e, por isso, tinha tomado aquela decisão. Mas ele reviu”, disse.
O jornalista Ricardo Setti, revelando elevado grau de despreparo, perguntou se ele tinha informado Teori por e-mail.
Não, esclareceu Moro, as comunicações no Judiciário são feitas por papel, dentro do processo, “não existe um telefone vermelho”.
O que Moro não disse é que, além de fazer a comunicação formal, ele deixou de cumprir a decisão e, ao mesmo tempo, houve um vazamento para o site da revista Veja, que publicou um texto com o título “STF manda soltar acusado de tráfico internacional de drogas”.
Logo a nota da revista repercutiu e foi para a TV Globo. Teori começou a ser criticado e, então, ele deu entrevista à Globo para explicar que a decisão dele se limitava à libertação de Paulo Roberto Costa, e manteve a Lava Jato nas mãos de Moro.
“O ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki voltou atrás e decidiu manter na cadeia onze presos da Operação Lava Jato”, diz Patrícia Poeta, na abertura do noticiário da TV Globo.
“O juiz de Curitiba emparedou Teori e o Supremo”, reagiu à época um advogado logo que viu a entrevista de Teori na Globo, num grupo de WhatsApp formado por criminalistas.
“Quando ministro do STF explica suas decisões na TV, a causa está perdida. Teori mostrou fraqueza, perdeu força, na mesma proporção em que Moro ganhou musculatura”, disse o criminalista Anderson Bezerra Lopes, na série de entrevista que fiz para o DCM, “As 10 maiores ilegalidades da Lava Jato”.
O caso também está descrito na reportagem “Como Sergio Moro emparedou Teori e o STF para consolidar seu poder”, publicada pelo DCM.
Ao vazar a decisão para a Veja, a vara de Moro mostrou o que viria a ser um marca da Lava Jato. A utilização da imprensa como aliada nos processos judiciais.
A estratégia está descrita no artigo que escreveu em 2004 para a Revista CEJ (Centro de Estudos Judiciários, do Conselho da Justiça Federal). Registrou ele:
“Os responsáveis pela Operação Mani Pulite ainda fizeram largo uso da imprensa. Com efeito: para o desgosto dos líderes do PSI (Partido Socialista Italiano), que, por certo, nunca pararam de manipular a imprensa, a investigação da ‘mani pulite’ vazava como uma peneira”, escreveu.
O artigo, por sinal, é o roteiro do que viria a ser o trabalho da Lava Jato, dez anos depois, com o uso de recursos previstos na legislação italiana, mas não na brasileira.
Para Moro, isso não é um problema. Ele dá um jeito de ajustar a lei a seus propósitos.
E tem tido êxito, já que, em geral, suas decisões têm sido confirmadas pelas instâncias superiores.
O TRF-4, num julgamento do pleno em 2016, ao tratar da acusação de ilegalidade das escutas telefônicas, disse que a Lava Jato não precisava seguir regras dos casos comuns.
O tribunal considerou que a Lava Jato gerou uma situação inédita, “a merecer um tratamento excepcional”.
Excepcional de exceção. Exceção que não pode, em nenhum hipótese, caracterizar o trabalho da Justiça.
Alguém aí já ouviu falar em tribunal de exceção e ao que remete? Ditadura. O oposto do império da lei.
Tudo isso poderia ser objeto de questionamento na entrevista de ontem. Mas os jornalistas pareciam mais querer levantar a bola do juiz do que, propriamente, fazer as perguntas devidas, em respeito ao público.
do DCM

segunda-feira, 26 de março de 2018

A FIDELIDADE à Constituição e os ATAQUES FASCISTAS a Lula., por Eugênio Aragão

Requisito para participar, como agente público, do funcionamento das instituições do Estado democrático de direito é a íntima convicção sobre o dever de respeitar e fazer respeitar a Constituição da República. Essa vinculação, mais do que no plano formal, no plano ideológico, de sua cosmovisão, ao valor jurídico e político da Constituição é o que se chama na doutrina alemã “Verfassungstreue” – ou fidelidade, lealdade à Constituição.
É assustador verificar que alguns atores-chave de nosso Estado não têm clara noção sobre seu lugar no mapa constitucional e, se confundem esse lugar, fica difícil dizer que podem ser leais à Constituição.
A presidenta do STF, por exemplo. Em entrevista ao Sistema Globo disse que seria papel do judiciário “combater a corrupção”. Nada mais equivocado do que essa afirmação. O papel do judiciário num Estado de Direito não é “combater”, mas, sim, uma vez provocado, zelar por que os que eventualmente decidam “combater” sejam enquadrados na lei quando atravessam os limites do permitido. Se o judiciário se confunde com os “combatentes”, quem vai controlá-los? Teremos um “combate” sem regras e sem limites? Porque de uma coisa já sabemos: ninguém controla o judiciário brasileiro. Não há, entre nós, freios e contrapesos aptos a limitar sua atuação quando transborda da jurisdição.
É deveras preocupante que a presidenta do STF aparenta não conhecer o lugar de seu tribunal na arquitetura institucional do país. E, se o órgão máximo de controle da constitucionalidade está perdido no cipoal das normas do direito brasileiro, imaginem o resto!
Não há fidelidade à Constituição possível, onde não há conhecimento dela.
Grande parte de nossa crise é uma crise de legitimidade. A lei maior do Estado, que deveria dar sentido a suas estruturas e funções, regrar o consenso fundamental na sociedade e permitir o convívio pacífico dos diversos grupos e das diversas tendências antagônicas na complexidade pós-moderna, deixou de significar. Só isso explica como uma senadora da direita do espectro político institucionalizado se dá ao desplante de aplaudir publicamente a ação violenta de falta de tolerância de grupos fascistas contra uma liderança nacional como Lula.
Se o STF ignora seu papel no quadro constitucional, o que dizer dos gorilas toscos que têm saudade da ditadura militar, de seus torturadores e executores? O que dizer de meganhas fardados na sedizente polícia militar de Santa Catarina que riem ostensivamente diante da agressão física a um ex-chefe de Estado com elevadíssimo índice de popularidade apesar de toda injustiça contra si cometida por operadores do direito contaminados pela febre fascista?
A volta ao leito da Constituição urge para salvar o Brasil da barbárie, pois violência chama violência e, sem lei nem legitimidade, as instituições nada podem, nada valem. Sem o consenso jurídico mínimo, instala-se entre nós a guerra civil, em que grupos e tendências antagônicas passarão a escolher a força bruta ao invés do diálogo e do discurso argumentativo para se impor sobre os adversários.
O sinal mais inquietante desse novo estágio político é o fato de ninguém mais fazer questão de sequer manter as aparências da autocontenção. Os fascistas saíram do armário glorificando a mesquinharia, o ódio social e político e a intolerância aos divergentes. Por sua vez, a justiça de classe se desnuda com o discurso falso-moralista e seletivo contra os representantes das forças democráticas. A propósito, lembro-me da advertência de Leon Trotski sobre o avanço revolucionário: quanto mais perto o embate decisivo, mais claras e transparentes se tornam as condutas e as opiniões das classes em confronto. Só na democracia liberal se cultiva a disciplina verbal como forma de escamotear conflitos latentes. Quando essa decai, a escamoteação se desfaz e os monstros se apresentam sem disfarces.
Talvez estejamos na undécima hora para o STF dar o exemplo de altivez e autoridade e fazer cumprir a Constituição, mostrar lhe ser fiel, a começar por suas garantias fundamentais, como a que estabelece a presunção de inocência dos acusados até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Somente será bem sucedido se lograr bloquear a prematura violência contra Lula que inspira as outras violências, físicas e verbais, partidas de quem não respeita à Constituição, não respeita o STF e a este, prefere, porque conveniente para dar guarida a seus abusos, um juizinho de província exibicionista, sem eira nem beira, a quem ostensivamente falece qualquer respeito e, que dirá, fidelidade à lei maior.
É essa atitude que brasileiras e brasileiros democráticos e amantes da paz esperam do STF. Ainda é tempo de fazer seu dever de casa, mas as horas se esvaem rapidamente na tempestade de intolerância política criminosa e organizada daqueles que têm desprezo e ódio pela Constituição cidadã. Parece que estão esperando um corpo, um mártir, apenas, para projetar o País do precipício para a incerteza da aventura.
Definitivamente, não merecemos isso. Não merecemos que forças sem nenhum compromisso com o Estado democrático de Direito nos retirem toda a esperança numa solução parcimoniosa, justa e, sobretudo, constitucional para a crise que criaram para desempoderar a sociedade e reinstalar a ditadura.
DCM

Xadrez da imprevisibilidade total, por Luis Nassif


Peça 1 – os fatores que antecederam a crise

A mudança social na estrutura do Judiciário, Ministério Público e alta burocracia pública, mudando a vocação, de servidores públicos para membros de classes elevadas.
Do mesmo modo, a ascensão social de excluídos, que passam a se identificar com as classes de maior renda e a considerar que sua ascensão se deveu  à seu próprio mérito – o que também não deixa de ser verdade.
A degradação progressiva da política, sem que fosse enfrentada por nenhum dos partidos hegemônicos, PSDB e PT.
A estratificação desses partidos, impedindo a renovação e o acolhimento dos novos atores políticos que surgem com as redes sociais, movimentos sociais e com as organizações não-governamentais.
O protagonismo político por parte do Judiciário e do MPF, inicialmente com o surgimento dos juízes vingadores e, depois, com a AP 470, do mensalão. E, agora, com o atrevimento de Ministros como Luis Roberto Barroso, pretendendo transformar o Supremo em criador de leis.
O televisionamento das sessões do STF, acabando com o pudor de Ministros pelos holofotes e tornando os mais fracos alvos fáceis da lisonja ou da ameaça dos meios de comunicação, reduzindo a vocação contra hegemônica do Supremo.
A estratégia do combate à corrupção como instrumento da geopolítica norte-americana e a adesão do Brasil aos acordos da OCDE para crimes financeiros, sem uma avaliação consistente sobre o interesse nacional.
O protagonismo político da velha mídia, visível desde o impeachment do Fernando Collor e acentuando-se a partir do mensalão, e o discurso diuturno do ódio, praticado especialmente após 2005.
Em cima desse cadinho, a desorganização final do mercado de informações com as redes sociais e com a explosão dos fakenews (leia a propósito os artigos: O desafio de garantir a credibilidade das notícias sem manipulação, por Luis Nassif e Os fake news como estratégia de censura aos blogs oposicionistas, por Luis Nassif).
Peça 2 – os fatores atuais
Hoje em dia, quem disser que sabe o que vai acontecer, mente. Poucas vezes, na história do país, houve cenário tão imprevisível.
De concreto, os seguintes fatores estimuladores do caos:
Nesse quadro, há a possibilidade de vários tipos de detonadores – de eventos capazes de explodir o paiol. Ontem, no Twitter, por exemplo, o jornalista Ricardo Noblat estimulava o público a atacar Ministros do Supremo nos aeroportos; a senadora Ana Amélia incentivava ruralistas gaúchos a agredir a caravana de Lula.
Em suma, é o quadro ideal para o aparecimento de táticas oportunistas e irresponsáveis.
Some-se a indefinição eleitoral.
Embora, no caso Marielle, muitos vissem oportunismo da Globo, permitindo aos seus jornalistas o exercício da indignação visando tirar a bandeira da esquerda, tenho para mim que foi também uma postura de cautela, ante a iminência da eclosão de movimentos terroristas, em cima do ódio plantado na última década.
As denúncias contra o MBL e outras organizações de direita também caminham nesse sentido. Mas são movimentos difusos, medrosos. Falta à mídia inteligência estratégica e coragem editorial para investir contra o monstro que ela ajudou a nascer e a se multiplicar.
A maneira como a Globonews e o Estadão – hoje em dia, os arautos mais estridentes do estado de exceção – investiram contra os Ministros do Supremo, é sintomático da perda de referenciais desse pessoal.
Ainda não se deram conta – assim como a esquerda – que o adversário, hoje em dia, não é Lula, o PSDB ou o PT, mas a iminência do país ser transformado em um enorme México, com a violência saindo das periferias e tornando-se instrumento de luta política.
A informação de que o grande operador do PSDB em São Paulo, Paulo Preto, negociava com lideranças do PCC, não deve espantar. A cada dia que passa, mais se institucionaliza o poder do PCC, visto como mal menor, em contraposição aos pequenos grupos de traficantes.
Lula poderia ter sido o grande agente de conciliação nacional, o avalista de um pacto unindo centro-direita e centro-esquerda. Mas o país permitiu que se jogasse fora o ativo Lula.
Hoje em dia, não há um interlocutor de fôlego, para falar pela esquerda ou pela direita. Ambos, centro direita e centro-esquerda, estão igualmente fragmentados.
Peça 3 – o caos no mercado da informação
Some-se a isso tudo a emergência dos fake news, do uso de robôs e outras formas de tecnologia para manipular a opinião público. O quadro traçado por Charile Wazel, no Buzz Feed, é assustador.
Trata-se não apenas de simular novas realidades, manipulando imagens, voz e declarações, mas também do descrédito que recai sobre o mercado de notícias, com o ceticismo que recai sobre todas as notícias. E isso em um país, como o Brasil, onde há tempos a velha mídia deixou de lado qualquer veleidade de respeito aos fatos. O bordão “antes de espalhar a notícia, confira se saiu em algum órgão de mídia” será de baixa validade no país, devido ao histórico de manipulações da última década.
Hoje em dia, não há instituições sancionadoras das notícias, quando até Ministros da mais alta corte, manipulam informações em proveito de suas posições políticas – como foi o caso do Ministro Luís Roberto Barroso, valendo-se de estatísticas não confiáveis sobre decisões do STJ para reforçar seu argumento contra as apelações em terceira instância.
Há um sentimento crescente no ar, de pessoas vendo o carro caminhar em direção ao barranco Bolsonaro. A iminência do desastre poderá despertar algum sentimento de sobrevivência.
Em suma, há uma contagem regressiva para o desastre. Será um período de grandes turbulências, com uma pequena probabilidade de despertar a racionalidade dos agentes políticos. Mas muito pequena mesmo.
 GGN

domingo, 25 de março de 2018

O que vai ser julgado no recurso de Lula no STJ?

Marcelo Auler dá voz, em seu blog, ao ex- subprocurador geral  da República  Álvaro Augusto Ribeiro Costa, que, entre 1975 e 1997, atuou junto ao STF para explicar que a liminar dada ao ex-presidente para que não se decrete a prisão antes que, ao menos, o seu habeas corpus seja julgado é absolutamente natural e evitar a desmoralização de que o Supremo, em meio a um julgamento, seja atropelado pelo acórdão do TRF-4 e pela fúria encarceradora de Sérgio Moro:
“O Supremo entendeu corretamente, em defesa dele próprio, que tem que preservar a utilidade da conclusão do seu julgamento. O Supremo atuou em favor dele mesmo. Ele não atuou em favor do Lula ou de quem quer que seja. Aliás, se os advogados não tivessem pedido, eles próprios (os ministros) teriam que ter tomado esta decisão. Porque do contrário, na prática, seria a mesma coisa que não ter colocado em pauta o processo. Seria inócuo. O Supremo agiu em favor dele. Uma questão técnica. Qualquer juiz tem que fazer isso."
No post original, Costa desenvolve o raciocínio, mas quero chamar a atenção para trechos de sua fala que ajudam a entender o que é o recurso do Superior Tribunal de Justiça e porque ele está longe de ser uma mera formalidade, destinada apenas a protelar a sentença imutável de segundo grau.
É verdade que não se discute, neste grau recursal, os fatos. Mas se discute se eles foram corretamente tipificados na lei que, no caso criminal ( o Código Penal) , é federal e sob controle do STJ, assim como analisar se o processo revestiu-se das características formais de outra legislação federal (o Código de Processo Penal).
Uma das questões essenciais é, para exemplificar, a questão da posse ou propriedade do tal triplex do Guarujá, que seria o benefício concreto para a caracterização de corrupção e, por consequência da lavagem de dinheiro.
“No caso do Lula, dizem o seguinte, ‘o imóvel foi destinado a ele’. Ora, onde está dito que destinar o imóvel transfere propriedade de fato ou de direito? O que é esta destinação? Se fosse, é uma conduta (penalmente) atípica. Então, é claro que, seja no recurso ao STJ, seja em um recurso ao Supremo, ou mesmo em Habeas Corpus, ou até em futura revisão criminal, a qualquer tempo, a tipicidade desta conduta – destinar um imóvel – terá que ser discutida. E antes desta discussão não se pode dizer que a culpa foi definida. Não foi. Logo, não se pode antecipar o cumprimento de uma pena”
De fato, o crime de corrupção se consuma quando se  socilita ou recebe uma vantagem indevida (no caso o triplex). Como não há menção no processo menção a soliciatação, direta ou indireta, da vantagem – a história do delator da OAS é de que João Vaccari, não ouvido no processo lhe teria dito que o apartamento “se destinava” a Lula – seria necessário preencher a opção do “recebimento” que, em momento algum, ficou provado. Tanto que a expressão da sentença é “atribuído”.
É apenas uma das questões – em meio a muitas outras – que  caberá aos ministros do STJ avaliar e, acolhida, resultar na absolvição de Lula. E, portanto, tornar o cumprimento de pena algo, como você ouviu várias vezes, teratológico. Isto é, absurdo, monstruoso.
"Não se resolve (a imposição de pena por culpa) porque não se aplicou ainda definitivamente o Direito. Por exemplo. Se aquela conduta é típica ou não. Isto é, se aquela conduta está ou não prevista no Código Penal como crime. Esta é uma questão de Direito federal, que não se resolve na segunda instância. O que se esgota no segundo grau é o exame do fato, mas não a afirmação da exação da culpa. Porque o julgamento, o juízo criminal só se completa com a aplicação da lei ao fato”.
O julgamento de recurso ao STJ não é, por isso, uma mera burocracia protelatória, mas uma verdadeira revisão da correta aplicação da lei e dos ritos processuais que garantem a insenção do juízo.
Coisa que, no caso do triplex, deixou-se de lado para chegar à sentença “proferida” desde antes de proposta a ação contra Lula.
Tijolaço/Marcelo Auler