Se a Lava
Jato não conseguiu provas de que os recursos depositados na conta de Cláudia
Cruz eram mesmo fruto de esquemas na Petrobras, por que Sergio Moro absolveu a
jornalista mas determinou o confisco do dinheiro?
Dois pontos
chamam atenção na absolvição de Cláudia Cruz, esposa de Eduardo Cunha, pelo
juiz Sergio Moro: a previsibilidade da sentença, que duvida de conhecimento e
participação nos esquemas do ex-deputado; e a contradição em determinar o
confisco de valores remanescentes na conta usada pela jornalista no exterior,
taxando-os como "produto do crime".
Segundo
Moro, Cláudia, que teve em seu poder mais de 1 milhão de dólares entre 2008 e
2015, não pôde ser condenada pelos crimes de lavagem de dinheiro (parte dos
recursos sairam do esquema de corrupção na Petrobras) e evasão de divisas (a
conta em seu nome não foi declarada à Receita) porque não havia provas
suficientes e tampouco atestado de dolo.
Sobre provas insuficientes
Na decisão,
Moro sinalizou que a Lava Jato não conseguiu provar que o dinheiro depositado
na conta de Cláudia era mesmo fruto do esquema na Petrobras.
"Não
obstante, até o momento, foi de fato possível rastrear somente os ativos
recebidos em um acerto de corrupção [na Petrobras em favor de Cunha],
envolvendo o contrato de Benin, sendo que o produto respectivo, de USD 1,5
milhão, não foi destinado, sequer em parte, à conta em nome da Kopek [que
abastece o cartão de crédito de Cláudia]."
A Lava Jato
só conseguiu provar que a "conta em nome da Kopek foi aberta
exclusivamente para alimentar cartões de crédito, entre eles da acusada Cláudia
Cruz", e que dessa conta sairam, entre janeiro de 2008 e abril de 2015,
pouco mais de 1 milhão de dólares e mais 8 mil libras esterlinas em despesas.
Para Moro, contudo, a propina de 1,5 milhão de Cunha não teria se misturado aos
valores da conta de Cláudia.
A
contradição na sentença está no fato de que, embora tenha dado o benefício da
dúvida quanto à origem dos recursos depositados na conta Kopek para absolver
Cláudia, na sequência, Moro determinou o confisco de 176 mil francos suíços que
restaram na conta, alegando que são ilícitos.
"Por
outro lado, mesmo com a absolvição, ainda devem ser confiscados os valores
sequestrados na conta em nome da Köpek, de 176.670,00 francos suíços, uma vez
que materialmente constituem produto de crime."
Sobre o dolo
Já a questão
do dolo, ou seja, a eventual parcela de culpa de Cláudia Cruz decorrente de
conhecimento dos crimes de Eduardo Cunha, havia sido antecipada por Sergio Moro
como a mais "relevante" para seu julgamento. Era o caminho das pedras
para a absolvição.
Em outubro
de 2016, Moro deu a diretriz à defesa de Cláudia no mesmo despacho em que
devolveu o passaporte da jornalista e aceitou a audiência de testemunhas no
exterior
Essas
testemunhas foram admitidas "a bem da ampla defesa", disse Moro, à época,
mas eram dispensáveis ao processo. "(...) A questão relevante é saber se,
caso os ativos tenham origem criminosa, tinha a acusada ciência disto",
apontou o magistrado.
A defesa
seguiu a dica à risca, levanto ao juiz testemunhas que disseram que Cláudia era
apenas uma dona de casa e que quem cuidava das finanças da família era Cunha.
Em seu depoimento, a jornalista reforçou esse enredo, sem perguntas do
Ministério Público nem de de Moro. (Leia mais aqui)
Na sentença,
Moro até deu um puxão de orelha em Cláudia, dizendo que ela deveria ter tido
mais cuidado com sua vida pessoal, ou seja, desconfiado, em algum momento, que
os rendimentos de Cunha como deputado federal não eram suficientes para bancar
as despesas luxuosas da família em Dubai, Roma, Paris ou Miami. Mas manteve a
linha de pensamento que já havia demonstrado ter antes.
"O
entendimento deste Juízo é no sentido de que, para condenação por lavagem de
dinheiro de cônjuges de agentes públicos corrompidos, é necessário ter uma
prova muito clara de que o cônjuge tinha ciência dos crimes de corrupção ou de
sua participação ativa nas condutas de ocultação e dissimulação, não sendo
suficiente a prova da realização de gastos extravagantes, por mais reprováveis
que eles sejam a luz de tantos crimes de corrupção", ressalvou.
Confira a íntegra da sentença AQUI.
Confira a íntegra da sentença AQUI.
GGN