Sob aplausos das baratas, o inseticida fez sucesso na
lambança judicialesca da última sexta-feira, 31 de agosto, no Tribunal Superior
Eleitoral. Tudo dentro do óbvio, pois quando um golpe ocorre “com supremo e
tudo”, só resta dizer: “Golpe com supremo é tudo!”. Pelo jogo dos números, os
1.500 casos, figurativos ou não, com desfechos em favor dos candidatos sub
judice, não poderiam ter o mesmo resultado para o ex-presidente Luís Inácio
Lula da Silva. Pelas mesmas contas, 1 milhão de assinaturas na “Lei da Ficha”
valem mais que os 54 milhões de votos em Dilma Rousseff e bem mais que 50
milhões de eleitores que querem Lula livre e de volta ao Planalto.
Em pleno exercício do Estado de Exceção, Barrozão disse que
“não estamos num Estado de Exceção”, no exato momento em que praticava a
exceção. Negando 1500 decisões anteriores, usou (figurativamente) a 1501 para
dizer não a Lula. De modo cretino e rebuscado, na base do contorcionismo
jurídico-filosófico, jogando para a plateia golpista, apegou-se à lei menor
para tripudiar da maior (Constituição). Afrontou à ONU sem a desculpa da Década
de 50. Ali, o Supremo Tribunal Federal explicou sua covardia com o voto do
ministro Ribeiro Costa: "Esta é a verdade que não poder ser obscurecida
por aqueles que parecem supor que o Supremo Tribunal, ao invés de um arsenal de
livros de direito, disponha de um arsenal de ‘schrapnels’ e de
‘torpedos’...". Disse ele, explicando o temor das baionetas. Sexta-feira,
não havia baionetas. Ameaça velada?
Pulsilâmine e sem baioneta para si apontada, para Barrozão as
instituições estão funcionando. A frase cínica foi repetida por “Rosa
Blablarina” – presidenta do Tribunal Eleitoral de Exceção. Como sempre, na base
do penso assim mas voto assado, pois amanhã vai estar cozido, ainda que cru.
Tudo em nome da harmonia do golpe, digo, do colegiado. Ela que defende o “pacta
sunt servanda” (os pactos devem ser cumpridos), desalinhou-se de suas
convicções (de novo!). Para que? Para manter a instituição funcionando a favor
do golpe. O povo é burro, a soberania popular não vale nada e todos os vícios
de origem do processo contra Dilma e Lula são fantasias bolivarianas.
Disseram que Lula não estava sendo julgado. Mas um direito
dele, conferido a qualquer cidadão estava. Entretanto, o placar de 6 x 1
mostrou que sim. Lula, não! Se desse para chamar o Merval da Globo como juiz
“ad hoc”, daria para alimentar o imaginário do 7 x 1 (fracasso programado da
Copa de 2014, que só a história esclarecerá).
No impeachment da Dilma houve “acordinho” pra não cassar os
direitos políticos dela. No circo TSE também, e, de madrugada, pé de orelha,
deixaram Haddad aparecer no horário eleitoral, desde que o proscrito Lula não
aparecesse como candidato.
Barrozão foi mais realista que o rei e condenou Lula a tudo,
inclusive a não ter o nome na urna, contrariando a lei, em nome da estabilidade
jurídica. Toda vez que seu juridiquês falava de estabilidade e segurança
jurídica, risco para as instituições, problemas irreversíveis eu entendia o
inverso: estabilidade e segurança do golpe, risco “aos interesses
corporativos”, problemas “irreversíveis para a candidatura do mercado”, nosso
“reajuste salarial e auxílio moradia”.
Boa parte dos barnabés judicantes são defensores do
cumprimento dos tratados internacionais (Barrozão, Rosinha, a procuradora
Raquelzinha DDH). Assim, durante o velório de biografias, desceu pelo ralo
também as exéquias da democracia.
Por falar em biografias, Fachin (voto vencido) tentou salvar
a sua. Reconheceu a ficha suja de plástico, mas, suponho que para não perder o
direito de repetir eventuais palestras agendadas, acolheu o postulado do Comitê
de Direitos Humanos da ONU. Ficou claro: os pactos internacionais que servem
para acusar Lula não servem para a defesa dele. Fachin disse sim a ONU de um
lado e de outro disse sim para Ficha Limpa que, segundo Gilmar Mendes, “parece
ter sido feita por bêbados”. Mesmo assim, "a impugnação de um registro não
impede que um candidato faça sua campanha", como diz o jurista Luiz Flávio
Gomes. Aliás, a Lei nº 9504/97, atualizada pela Lei nº 12.034/2009, tem clareza
linear no Art. 16-A:
“O candidato cujo registro esteja sub judice poderá
efetuar todos os atos relativos à campanha eleitoral, inclusive utilizar o
horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão e ter seu nome mantido na
urna eletrônica enquanto estiver sob essa condição, ficando a validade dos
votos a ele atribuídos condicionada ao deferimento de seu registro por
instância superior”.
Lula é ficha suja de plástico, fruto de uma condenação por
ato difuso, inespecífico, atemporal, fundamentada num silogismo virtual: se
todo político é ladrão e Lula é político, logo ele é ladrão. Faltava um selo
silogístico e a República de Curitiba deu via PowerPoint, sob aplausos e
ratificação de urubus “cubofóbicos”. Mas, mesmo com esse selo, a norma é clara:
pode ser candidato e praticar todos os atos. Mas, o TSE disse “não” e poderia
até dizer, mas não impedir Lula de praticar os atos expressamente permitidos em
lei.
Tudo isso fruto da entropia estatal em seu pior sentido. Pela
minha metáfora, essa entropia se desenvolve como um doente em coma, no qual os
médicos dizem que está bem: “todos os órgãos estão funcionando”. Para um colega
da PF (imune às Macabéas do órgão) a metáfora é a do computador com vírus: você
tecla uma letra aparece outra, tenta consertar surge uma inconsistência, de
forma que, a cada recurso apresentado há uma trava virótica. O doente é o
Brasil e o vírus é o golpe, e disso decorre a entropia ou disfuncionalidade
estatal generalizada. A sintonia e ou sincronismo só funciona pró-golpe e nos
demais campos ela se desconecta, pois tudo é farsa.
O Poder Judiciário (gestor da política) alimenta a
disfuncionalidade e não entende como ela é vista pelo povo. Não entender isso é
também disfunção, pois o povo, mesmo em sua disfuncionalidade, é funcional na
percepção de que Lula é perseguido. Lula não tem conta na Suíça e um suposto
chefe de quadrilha não ganharia tão pouco. O helicóptero com 500 quilos de
cocaína e os 56 milhões encontrados num apartamento não são de Lula. O povo
sabe que o queridinho da PF e da República de Curitiba era o homem que queria
matar Fred. Desse modo, povão não dá crédito ao judiciário mais impopular, mais
covarde e mais caro do mundo. Quiçá mais coisa!
Armando Rodrigues Coelho Neto - advogado e jornalista,
delegado aposentado da Polícia Federal e ex-integrante da Interpol em São Paulo
GGN