A direita brasileira, que vive enchendo a boca para falar das
vantagens da “livre escolha” numa sociedade capitalista, está conseguindo
aprovar no Legislativo projetos que tiram o poder de escolha do consumidor.
Graças à direita no Congresso nacional, podemos perder o direito de saber se um
alimento é transgênico, porque querem
tirar o rótulo das embalagens; não teremos o direito de comer alimentos com
menos agrotóxicos, porque querem
liberar os pesticidas sem restrições; e agora querem nos impedir de comprar
orgânicos onde quisermos. Esse é um caso típico de atentado ao direito do
consumidor. Cadê o Procon?
Aproveitando a distração dos brasileiros com a Copa do Mundo,
a Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da
Câmara dos Deputados aprovou no último dia 15 de junho o projeto de lei 4576/16,
do deputado Edinho Bez (PMDB-SC), que estabelece que os orgânicos só podem ser
vendidos diretamente ao consumidor e apenas pelo agricultor familiar integrante
de organização de controle social cadastrada nos órgãos fiscalizadores. Se
aprovada, a proposta faz graves restrições à venda direta de orgânicos,
inclusive ao governo, e poderia inviabilizar boa parte da agricultura orgânica,
acabando com anos de avanços.
Relator da matéria, o deputado Luiz Nishimori (PR-PR), o
mesmo do projeto que liberou os transgênicos, defendeu a proposta. “Um
regramento mais rígido para a venda direta de produtos orgânicos trará
benefícios para os produtores que verdadeiramente investem e observam os
preceitos da agricultura orgânica, assim como para os consumidores”, justificou
o deputado, integrante da bancada ruralista. O projeto vai agora à Comissão de
Constituição e Justiça para seguir ao plenário.
Já o relatório de Nishimori que libera geral os agrotóxicos
foi aprovado pela comissão especial que analisa o tema no dia 25 de junho. O
texto permite a liberação de agrotóxicos pelo Ministério da Agricultura mesmo
antes de serem concluídas as análises sobre eventuais riscos à saúde humana por
órgãos reguladores como Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis) e Anvisa (Agência Nacional de Vigilância
Sanitária). O relatório inclusive rechaça a palavra “agrotóxicos” e adota o
termo “pesticida” –os ruralistas queriam que fosse “defensivo agrícola”.
O deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) reclamou que a proposta
é inconstitucional, mesma avaliação do Ministério Público da União e da
Defensoria Pública da União, duas
das várias instituições que se posicionaram contra o parecer de
Nishimori. Além do Ibama e da Anvisa, o Ministério da Saúde e o Inca (Instituto
Nacional do Câncer) também estão entre os que criticam o texto aprovado. O
projeto seguirá agora para apreciação do plenário.
No caso da obrigação de um selo para os transgênicos, as
comissões de Meio Ambiente e de Agricultura e Reforma Agrária do Senado deram
seu aval ao projeto do deputado ruralista Luis Carlos Heinze que põe fim ao “T”
nas embalagens de produtos que contêm transgênicos, aprovado no plenário da
Câmara em 2015. Os críticos à proposta afirmam que ela fere frontalmente o
Código de Defesa do Consumidor, que perde o direito de ser informado se o que
está comprando possui transgênicos ou não.
O senador Cidinho Santos (PR-MT), defensor do projeto,
recorreu a uma pesquisa feita pela Associação Brasileira da Indústria de
Alimentos para dizer que o “T” não é importante porque 14% das pessoas
confundiriam o símbolo com “um sinal de trânsito”. “Essa proposta que tramita
no Senado é uma violação ao direito à informação, à alimentação saudável e ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado, previstos no Código de Defesa do
Consumidor e na Constituição Federal”, rebateu
Renata Amaral, do Idec(Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), para
quem a proposta atenta contra o poder de decisão do consumidor.
Assista [aqui]
ao minidocumentário de 2015 O Custo Humano dos Agrotóxicos, do fotógrafo
argentino Pablo Piovano,
sobre os efeitos dos defensivos químicos na saúde dos agricultores e de suas
famílias. Uma das fotos do ensaio de Piovano ilustra essa reportagem: a mão de
Alfredo Cerán, que trabalhou durante 9 anos aplicando agrotóxicos em campos de
soja. Suas unhas ficaram queimadas e ele adquiriu cirrose não-alcoólica. Exames
mostraram que seu sangue contém resíduos de glifosato, clorpirifós, azatrina,
ácido diclorofenóxiacético e cipermetrina.
No curta, ele mostra outras dezenas de casos de contaminação
por agrotóxicos em adultos e crianças, causando desde problemas físicos até
mentais, de asma a câncer.