Contradições
surgem e demonstram que o julgamento marcado pelo TRF-4 divide população
brasileira e Poder Judiciário.
“Na
verdade, quem estará sentado no banco dos réus, dia 24, não será o cidadão Luiz
Inácio Lula da Silva. Será o Judiciário brasileiro”. (Frei Betto, em Lula e o
julgamento do Judiciário).
Ao
contrário do que vaticinou Frei Betto no artigo publicado em O Globo, na
segunda-feira (15/01), o julgamento do Judiciário vem sendo feito, antes mesmo
de se iniciar a sessão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que apreciará
o recurso da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Contradições
surgem e demonstram que o julgamento marcado, de maneira célere, pelo
TRF-4, para a próxima quarta-feira, 24 de janeiro, não divide apenas a
população brasileira, mas o próprio Poder Judiciário.
Ainda
que pouquíssimos de seus membros revelem suas críticas ao caso em si, até por
conta dos impedimentos da Lei Orgânica da Magistratura (Loman). Muito embora,
ultimamente, esta regra legal que impede magistrado de comentar ações em curso
– suas ou de outros – esteja sendo desrespeitada por muitos. Mas, normalmente,
atropela-se a lei para comentário a favor do sistema punitivo implantado a
partir da Lava Jato. Nos bastidores, porém, há sinais de desconforto com o
atual momento do Judiciário brasileiro.
Na
tarde de terça-feira (16/01), um dia após Frei Betto prever o Judiciário no
banco dos réus, o presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e
Territórios (TJDFT), desembargador Mario Machado Vieira Netto, deu clara
demonstração desta “movimentação nos bastidores”.
Naquela
terça-feira, repercutindo a reportagem de Mino Pedrosa – Tríplex: decisão de
juíza federal absolve Lula e contradiz frontalmente Moro -, este Blog publicou
a Certidão da Penhora do Triplex em favor da Macife S/A, na reportagem Lula:
prova cabal de uma condenação sem prova.
No
mesmo dia, a defesa de Lula levou ao conhecimento do TRF-4 o registro do
malfadado triplex do Guarujá, em nome da OAS Empreendimento S/A, com a devida
anotação da penhora do imóvel pela 2ª Vara de Execução de Títulos
Extrajudiciais, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios
(TJDFT). Foi colocado como garantia do pagamento de títulos em poder da Macife
S/A Materiais de Construção. Na reportagem afirmamos:
“A
confirmação, no próximo dia 24, pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região
(TRF-4) da sentença que condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tal
como é esperada, criará um fato inusitado e sui generis. O réu se verá
condenado pelo crime de ter se deixado corromper por um triplex do edifício
Salinas, no Condomínio Solaris, no Guarujá, que nunca lhe pertenceu, do qual
jamais usufruiu e que poderá ir a leilão para ressarcimento de uma empresa da
qual ele jamais deve ter ouvido falar. Como explicar tal condenação?“
A
notícia da penhora do triplex, decretada em dezembro, para pagamento de dívidas
da OAS, apesar de o juiz Sérgio Moro tê-lo sequestrado, embasado na condenação
que parte do princípio de que o triplex pertence – ocultamente – ao
ex-presidente Lula, causou incômodo em setores do Judiciário.
Recuo
do juiz – Sinal disso foi a orientação da presidência do Tribunal à diretora da
secretaria da 2ª Vara de Execução de Títulos Extrajudiciais, do TJDFT, Lusineth
Martins de Sá Ananias Pinheiro, para requisitar o processo junto aos advogados
da Macife S/A.
O
prazo de vistas dos autos que eles tinham, por 30 dias, ainda não estava
vencido. Mas o processo chegou à Secretaria da vara naquela mesma tarde.
Pela
“experiência passada” houve quem aguardasse uma decisão judicial suspendendo a
penhora, apesar de a juíza que a proferiu, Luciana Corrêa Tôrres de Oliveira,
encontrar-se em férias. Ela chegou a ser procurada pelo Tribunal. Consta que
não ficou satisfeita.
A
referida “experiência passada” ocorreu em julho de 2017, junto à 1ª Vara de
Falências e Recuperações Judiciais do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Ali,
nos autos do processo 1030812-77.2015.8.26.0100, que cuida da Recuperação
Judicial da OAS, o juiz Daniel Carnio Costa, tinha relacionado o apartamento
164-A, tríplex, do Condomínio Solaris, de matrícula 104.801, como um dos ativos
destinados a garantir o ressarcimento dos credores da empresa.
Sua
decisão foi imediatamente contestada pelo juiz Moro. Por ofício, ele informou
ao juízo da Vara de Falências o sequestro do imóvel, registrado em nome da OAS,
na sentença condenatória de Lula.
A
queixa de Moro foi prontamente atendida pelo juiz paulista, sem contestação,
mesmo estando o imóvel em nome da OAS.
Valeu
a decisão judicial criminal que não se respaldou em qualquer prova concreta
para concluir que o triplex pertence, ocultamente, ao ex-presidente. Ao decidir
atender a reclamação do juiz federal de Curitiba, o juiz paulista Carnio Costa
desenvolveu uma linha de raciocínio um tanto quanto questionável:

“Tivesse
a OAS real disponibilidade sobre o apartamento 164-A (tríplex), é razoável
supor que o teria oferecido à venda, ainda mais durante o período de sua
recuperação, considerando suas prementes necessidades de fluxo de caixa. Mas, pelo
que consta nos autos, as recuperandas nunca contaram com o referido imóvel para
a implementação de seu plano de recuperação judicial. Nesses termos, tem-se que
o sequestro e o confisco do apartamento 164-A (tríplex) não terão interferência
no processo de recuperação do Grupo OAS, inexistindo óbice à constrição desse
bem. Posto isso, autorizo o cumprimento da ordem proveniente do juízo criminal.
Anote-se nos autos o sequestro/confisco do referido imóvel. Oficie-se ao juízo
criminal, informando o cumprimento da ordem“.
Nota
ambígua – O exemplo do recuo do juiz da Vara de Falências fez alguns
conhecedores do caso temerem que a juíza da Vara de Execuções de Brasília
trilhasse pelo mesmo caminho. Não aconteceu, ainda. Pode não acontecer.
Verdade
que o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, na quinta-feira
(18/01), soltou uma nota sobre o assunto, teoricamente em nome do juízo que
decretou a penhora.
É
uma nota ambígua. Inicialmente refere-se à decisão da MM Juíza da 2ª Vara como
se fosse o Tribunal assumindo a explicação. Em seguida, inclui a expressão
“esse juízo”. Como não especifica a que juízo se referia, dá a entender que a
explicação partiu da magistrada que está em férias.
Cai
em contradição, porém, como outra explicação oferecida pela Assessoria de
Comunicação do TJDFT ao jornalista Kiko Nogueira, do Diário do Centro do Mundo,
diante do seu pedido pera entrevistar Luciana.
Ao
negar o pedido, tal como foi narrado pelo DCM em A juíza Luciana, de Brasília,
não dá entrevistas — e isso é uma boa notícia, a assessoria esclareceu um
posicionamento louvado da magistrada, que muitos de seus colegas andam
desrespeitando ultimamente. Inclusive, e principalmente, ministros de tribunais
superiores:
“Prezado
Kiko, a entrevista não será possível. Os magistrados se manifestam através de
suas decisões no processo e eles são proibidos, por lei, de emitir qualquer
declaração, por qualquer meio de comunicação, sobre processo que esteja
julgando ou que esteja sendo julgado por outro magistrado, sob pena de sofrerem
penas disciplinares, nos termos do artigo 36 da LOMAN OU LEI ORGÂNICA DA
MAGISTRATURA NACIONAL“.
Argumentação
capenga – Logo, se a juíza não concede entrevista e costuma falar apenas nos
autos, como explicar uma nota – como dito, ambígua -, na qual fica
transparecendo, ainda que de forma não muito clara, uma explicação da
magistrada?
Por
quais motivos a explicação não consta então do processo em questão, mas foi
emitida através de Nota da Assessoria de Comunicação?
Além
de ambígua, a nota oferece uma explicação desnecessária. Afinal, a juíza
Luciana determinou a penhora em cima dos documentos que lhe foram entregues, em
julho passado, quando não havia sequestro algum.
Ao
juízo, como se sabe, só existe aquilo que consta dos autos do processo.
Nas
certidões anexadas aos autos, o triplex – em nome da OAS – não tinha qualquer
restrição. Tal e qual as outras três unidades no mesmo condomínio Solaris, por
ela também penhoradas.
Entre
as quais um triplex – o apartamento 142B, do edifício Málaga – e um duplex –
143A, do edifício Salinas, o mesmo prédio do imóvel que, mesmo sem provas,
dizem ser de Lula. Também houve a penhora do 44B do edifício Málaga.
A
nota do TJDFT afirma ainda que a decisão da juíza Luciana “não emitiu qualquer
juízo de valor a respeito da propriedade e nem poderia fazê-lo, não possuindo
qualquer natureza declaratória ou constitutiva de domínio“.
Não
poderia, nem precisava emitir. Mas, na verdade, a penhora dos imóveis, por si
só, derruba toda a argumentação do juiz paulista Carnio Costa ao justificar seu
recuo e acatar a reclamação feita por Moro em nome da Força Tarefa de
Curitiba.
Na
decisão ele alega que “tivesse a OAS real disponibilidade sobre o apartamento
164-A (tríplex), é razoável supor que o teria oferecido à venda, ainda mais
durante o período de sua recuperação, considerando suas prementes necessidades
de fluxo de caixa“. (grifamos)
Partindo
desse pressuposto com o qual endossa a tese do proprietário oculto – também não
embasado em qualquer prova – pode-se questionar quais seriam os “donos ocultos”
das outras três unidades – um triplex, um duplex e um apartamento comum – que
permanecem em nome da OAS, sem também terem sido negociados apesar das
“prementes necessidades de fluxo de caixa” (grifamos) da OAS.
Trata-se
de uma decisão que ainda poderá ser discutida pelos inúmeros credores no
processo de recuperação judicial. Afinal, o imóvel não deixa de ser um ativo,
oficialmente da OAS, a ser usado para o pagamento de dívidas. Mas esta será uma
discussão no processo cível.
Já
no processo criminal, que o TRF-4 analisará no próximo dia 24, a questão baterá
de forma mais forte.
Ali,
a discussão é em torno de uma condenação determinada por uma sentença que
considerou como verdadeira a tese de que o imóvel, registrado em nome da OAS,
tem um dono oculto: Lula.
Interpretações
só para absolver – Sustentar uma sentença que se respaldou basicamente em uma
delação premiada do ex-presidente da OAS, Léo Pinheiro, já é algo difícil.
Principalmente para a mesma 8ª Turma do TRF-4.
Nela,
o ex-tesoureiro do Partido dos Trabalhadores (PT), João Vaccari Neto, foi
absolvido da condenação de 15 anos e quatro meses, por corrupção passiva e
lavagem de dinheiro, também imposta por Moro.
Os
desembargadores Leandro Paulsen e Victor Luiz dos Santos Laus decidiram
contrários à sentença por inexistirem provas, mas apenas uma delação
premiada.
No
caso de Léo Pinheiro com relação ao triplex que relacionam a Lula, a delação –
formulada após longo período preso – desmentiu o que o próprio ex-presidente da
empreiteira dissera antes.
A
justificar a tese da absolvição de Lula, porém, há ainda toda a celeuma criada
em torno da propriedade de fato do imóvel.
Afinal,
não existe nenhum documento que diga que ele pertence ao ex-presidente. Assim
como não há provas de que o mesmo ou seus familiares tenham usufruído
dele.
O
que existe é uma sentença baseada em suposições, teses e convicções defendidas
pelo Ministério Público Federal do Paraná e acatadas pelo juiz Moro.
Ao
se debruçarem sobre o processo os desembargadores da 8ª Turma do TRF-4 devem
levar em conta um princípio constitucional relembrado ao Blog pelo
desembargador estadual de Santa Catarina, Lédio Rosa.
Ele,
à beira do caixão do seu amigo, Luiz Carlos Cancellier de Olivo, o reitor da
Universidade Federal de Santa Catarina que foi levado ao suicídio, advertindo
para o momento que vivemos, confessou:
“Como
desembargador, tenho vergonha. Porcos e homens se confundem. Fascistas e
democratas usam as mesmas togas“.
Na
última quinta-feira (18/01) em conversa com o Blog, ele advertiu referindo-se
ao processo criminal contra Lula:
“a
lei penal não admite analogias, interpretações extensivas, nem interpretações
elásticas ou mais permissivas. Salvo para absolver, uma vez que In dubio pro
reo. No processo criminal, toda interpretação tem que ser a favor do
réu“.
Isto
parece ter sido esquecido por Moro. Não pode passar batido pelo julgamento do
dia 24.
Afinal,
diante de tantas contradições no caso e da concreta falta de provas que
permitam a condenação de um réu – independentemente de quem fosse – ao
analisarem a sentença de Moro, os desembargadores estarão sim julgando a
Justiça Brasileira. Tal como advertiu Frei Betto.
Um
julgamento que atrairá não apenas a atenção dos brasileiros. Mas também de
muitos estrangeiros, inclusive juristas e personalidades que já despertaram
suas atenções para o caso – na manhã deste sábado (20/01) o Manifesto Eleições
Sem Lula é Fraude já contabilizava cerca de 192 mil assinaturas.
Entre
estes juristas estrangeiros, um terá lugar de destaque na assistência da sessão
da próxima quarta-feira. Trata-se do advogado inglês Geoffrey Ronald Robertson.
Ele, além de especialista em Direitos Humanos, integra a equipe de advogados
que atende à família real inglesa – os chamados Queen’s Counsel (QC).
Como
noticiamos aqui em Conselheiro da rainha no julgamento de Lula, seu
credenciamento como advogado de defesa de Lula foi requerido ao TRF-4. Na
sexta-feira (19/01) o desembargador Leandro Paulsen, presidente da 8ª Turma
concedeu o cadastramento, facilitando inclusive a presença de uma tradutora
para que o inglês que já integrou o Comitê de Direitos Humanos da ONU, possa
acompanhar simultaneamente a leitura dos votos e o desenrolar dos
debates.
A
caminho de POA – Como ocorreu em Curitiba nos meses de maio e setembro, o Blog
estará em Porto Alegre, com os jornalistas Arnaldo César Ricci e Marcelo Auler,
a partir do dia 21 de janeiro. Para isso, contamos com a colaboração dos nossos
leitores e apoiadores, com contribuições em qualquer valor, que ajudem no nosso
deslocamento e nas despesas de viagem. Confira no quadro ao lado como fazer o
depósito que ajudará nesses gastos. Aos que já contribuem, renovamos nossos
agradecimentos.
GGN