O jogo da Lava Jato está decidido. No caso
dos inquéritos e processos da primeira fase – contra o PT e o PMDB – dê-se
continuidade e abram-se quantas representações forem possíveis com base em
qualquer tipo de indício – como demonstrou ontem a 11a Vara Federal do
Distrito Federal.
Em relação à fase tucana, duas formas de
anulação.
Na fase dos inquéritos, direcionamento
para Policiais Federais do grupo de Aécio Neves.
No âmbito do Supremo, a distribuição dos
inquéritos e processos para o Ministro Gilmar Mendes, através da inacreditável
coincidência de sorteios.
Depois dos processos de Aécio Neves, José
Serra e Aloysio Nunes, hoje Gilmar acabou sorteado para relatar também o do
senador Cássio Cunha Lima.
É uma sucessão de coincidências.
E vamos falar um pouco de escândalos e da
capacidade de gerar indignação.
Escândalo é uma das formas de controle da
sociedade sobre autoridades, desde que gere indignação. A maneira de reagir ao
escândalo, de avaliar objetivamente o escândalo, mostra o grau de
desenvolvimento de uma sociedade e, especialmente, da sua mídia. Em
sociedades permissivas, os escândalos produzem pouca indignação.
Quando se cria um escândalo em torno da
compra de uma tapioca com cartão corporativo e se cala ante o fato de um presidente
ser denunciado por crimes e se manter no cargo, algo está errado, como observou
recentemente Herta
Däubler-Gmelin, que ocupou o cargo de ministra da Justiça na Alemanha entre
1998 e 2002. Ela lembrou o caso do presidente Christian Wulff, que
renunciou devido a um depósito de 700 euros em sua conta.
Por aqui, há tempos a mídia aprendeu
a conviver com o escândalo seletivo e fugir dos escândalos essenciais. Com
isso, um dos freios centrais de uma democracia, contra abusos de autoridades
– as reações públicas a atitudes escandalosas – perde a eficácia.
Só um notável entorpecimento moral para
explicar a falta de reações dos Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) às
atitudes de Gilmar Mendes.
Tanto no STF quanto no TSE (Tribunal
Superior Eleitoral) é idêntica a (não) reação a Gilmar. Para não ter que
enfrentá-lo, colegas inventaram o álibi da excentricidade. Ele é excêntrico,
ninguém leva a sério, logo a melhor política é ignorá-lo.
Pessoal, não dá mais! Esse álibi para a
não-ação não cola.
Admitir que um Ministro do STF fale o que
Gilmar falou sobre o Procurador Geral da República, aceitar que ele visite um
presidente da República que está sendo processado e o aconselhe, a sucessão de
processos sorteados para ele, os patrocínios aos seus eventos por corporações
com pleitos no Supremo, é de responsabilidade pessoal de cada Ministro do
Supremo.
Não há biografia que resista, por mais
elaborada que seja, à tolerância a um Gilmar. Cada vez que Gilmar extrapola, e
Celso de Mello se cala, o silêncio não é um grito, nem solidariedade
corporativa: é sinal de medo, de falta de solidariedade e respeito para com o
país, porque é o país que sai humilhado e se rebaixa ao nível das nações onde
impere a ausência de qualquer regramento. E não se compreende um Ministro
indicado para a mais alta corte do país, que não saia em defesa dela, quando
exposta a atos que a desmoralizam.
Celso de Mello tem medo, assim como Marco
Aurélio de Mello, Ricardo Lewandowski, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, a
presidente Carmen Lúcia, Luiz Fux, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes,
Rosa Weber. E não adianta tirar o corpo: Gilmar desmoraliza todo um país,
mas é um problema do STF e de responsabilidade individual de cada um dos
Ministros, porque os únicos em condições de contê-lo.
Com esse silêncio ensurdecedor, o que
fazer?
Vocês, senhores Ministros, obrigam pessoas
sem nenhum poder de Estado, a externar em um blog a indignação ante a falta de
reação aos abusos e de desrespeito ao país, ficando exposto a processos e
retaliações de Gilmar. Nós estamos pagando, com as ações abertas por Gilmar,
para cumprir uma tarefa que deveria ser dos senhores.
Esperamos que, passada a fase do espanto
ante Gilmar, possa se esperar dos senhores uma atitude à altura do poder que
representam e do país que deve merecer seu respeito.
GGN