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segunda-feira, 10 de julho de 2017

A revolta dos escravos malês de 1835, Vladimir Aras

O alufá Bilal Licutan, batizado Pacífico, aguardava na cadeia que o seu senhor viesse resgatá-lo. Era janeiro de 1835, e Licutan, que era escravo, fora penhorado pela Justiça a pedido dos frades do convento do Carmo em razão de dívidas de seu proprietário, o médico Antônio Pinto de Marques Varella. Sua custódia coincidiria com um dos maiores levantes de escravos da história do Brasil, ocorrido há 178 anos.

quarta-feira, 5 de julho de 2017

Carla Guimarães: Democracia virou estorvo para a classe dominante brasileira

Há um homem sentado na cadeira de presidente do Brasil. A cadeira, no entanto, não lhe pertence. Um golpe de sorte, ou simplesmente um golpe, colocou-o onde está e ele não quer se levantar. Esse lugar é seu, tem o direito de estar lá. Ou assim ele pensa. O que o homem não sabe, ou ainda não sabe, é que a cadeira está infestada de cupins, como a da famosa história de Saramago. Por fora parece firme e sólida, mas por dentro está praticamente oca. A cadeira está prestes a cair aos pedaços e o único destino possível para esse homem é a queda.

Quando ainda não ocupava a cadeira, o homem escreveu uma carta em que dizia estar se sentindo um vice-presidente decorativo. A presidenta era uma mulher e no Brasil, como em muitos países, ser decorativo é mais próprio do sexo feminino. Ou nisso acreditava ele e muitos como ele. A carta foi o primeiro passo para ficar com a cadeira. Antes do ataque final, uma revista de grande tiragem fez uma reportagem sobre sua esposa. “Bela, recatada e do lar”, assim foi descrita. A “quase primeira-dama”, 43 anos mais jovem do que o “quase presidente”, era o modelo a seguir. O erro de ter uma mulher na cadeira presidencial estava prestes a ser solucionado. Em um dos episódios mais sombrios da recente democracia brasileira, o vice-presidente decorativo tornou-se presidente. Meses depois, escândalo após escândalo, o homem continua sentado na cadeira. Com o dedo em riste, grita “não renunciarei”. Mais do que um monarca em seu trono, parece um refém amarrado com cordas a um assento.

O homem ganhou a cadeira com a promessa de realizar um dos maiores processos de destruição de direitos experimentos pelo país. O pequeno avanço em igualdade dos últimos anos foi demais para a classe dominante brasileira. Em muito pouco tempo, um Congresso notavelmente conservador aprovou leis que deixaram desprotegidos os mais pobres e lançaram por terra algumas das mais importantes conquistas dos trabalhadores brasileiros. Se os deputados continuarem trabalhando nessa velocidade, acabarão por anular a Lei Áurea, que aboliu a escravidão no Brasil.

O mais impressionante em toda essa história, no entanto, são os escândalos recorrentes que os jornais ilustram sem cessar. Os brasileiros acordam todos os dias com novas delações, gravações incriminatórias e prisões preventivas. Sobre o homem sentado na cadeira e alguns de seus principais aliados pesam acusações duríssimas. A suposta cruzada contra a corrupção, que removeu a presidenta de sua cadeira, ironicamente levou ao poder um grupo de réus atuais e futuros. Todos dizem que são inocentes, mas são tantas as acusações e tantos os membros do Governo afetados que o anormal, o impressionante, o extraordinário, seria nos depararmos com a notícia de que existe um homem honesto em Brasília.

O homem sentado na cadeira se sentia um vice-presidente decorativo, mas é um presidente decorativo. Talvez ainda não o saiba, mas nessa cadeira podia estar ele ou qualquer outro. O importante é executar com precisão e diligência um programa de Governo que não foi respaldado pelas urnas, mas decidido por uma ínfima parcela da população. O plano “dos descendentes dos senhores de escravos”, como dizia o sociólogo Darcy Ribeiro, pode ser levado a cabo por qualquer um. Nesse caso, a figura de presidente é tão decorativa como a de um rei europeu. O homem está sentado na cadeira e ao mesmo tempo em queda livre e ao mesmo tempo no chão. O espaço temporal entre a primeira posição e a última não importa. Como na história de Saramago, seu destino já está decidido. Por isso milhares de pessoas saíram às ruas das principais cidades do país para exigir novas eleições.

Somente o voto popular pode dar legitimidade a um futuro governante. As forças que colocaram o homem na cadeira tentarão evitá-lo a todo custo. Nos últimos anos a democracia tornou-se um estorvo para a classe dominante. A cadeira, no entanto, não pertence ao presidente, mas aos brasileiros. São eles, e mais ninguém, os que devem decidir quem pode sentar-se nela. No caso de a elite conseguir o que pretende e continuar seu impopular programa de Governo com outro fantoche, é a democracia que se tornará um elemento meramente decorativo.

*Carla Guimarães, jornalista e escritora, publicou este artigo na edição brasileira de El País.

Tijolaço

domingo, 14 de maio de 2017

Com o fim da CLT esqueceu-se de comemorar a Lei Áurea

Imagem: Arquivo
Esquecemos de comemorar a criação da Lei Áurea

O linchamento de Lula e Dilma por crimes de corrupção ainda não julgados ocupa espaço demais na opinião pública. Um país criado, durante mais de três séculos, a partir do suor e do sangue negro e indígena deveria destacar os 129 anos da extinção oficial da escravidão, em respeito à própria História.

Lembrar que a escravidão foi abolida através da Lei Nº 3.353, de 13 de maio de 1888, pode despertar a consciência popular a respeito da formação do Brasil. Continuamos tão preconceituosos e violentos quanto no passado escravocrata, principalmente com as reformas do governo Temer que destruiu os direitos trabalhistas garantidos na CLT, retornando-se a uma nova forma de escravidão, afetando sensivelmente os mais pobres.

O negro ganha destaque nos sites de grandes jornais brasileiros quando supera a pobreza e se torna juiz (Globo, Estadão e Folha até o meio da tarde do dia 13/05/17 não citavam o aniversário da Lei Áurea). Vira notícia porque geralmente está associado às profissões subalternas como faxineiro e lixeiro. Negros ocupam apenas 18% dos cargos de destaque no Brasil, embora pretos e pardos sejam a maioria da população, segundo o IBGE.

Mais de 60% da população carcerária nacional é composta por negros (Carta). Não sendo novidade, não rende notícia. Os números indicam que a possibilidade de ser preso é maior do que a dos brancos, diferentemente do direito à ascensão social.

Se na data de hoje lembrássemos que milhões de índios foram “gastos” (conforme expressão da época) no Brasil escravocrata, saberíamos que o massacre contra o povo Gamela, no Maranhão, onde indígenas tiveram as mãos decepadas e os joelhos cortados não foi caso fortuito, mas prática secular de setores da sociedade com a conivência ou apoio direto de parlamentares e ministros de Estado (inclusive do governo Temer). Os vândalos sanguinários não são os índios que se manifestam por sua sobrevivência segurando arco e flecha. O aspecto cultural dos utensílios que carregam é desprezado desde 1500.

Através do resgate da Lei Áurea poderíamos explicar aos jovens quais relações sociais permitiram que se tornassem corriqueiras expressões como “Isso é coisa de preto” ou “Negro quando não caga na entrada, caga na saída”. Por que a maioria das empregadas domésticas que vemos nas novelas da TV são negras. O que levou o Brasil a ser um país que lincha publicamente uma pessoa por dia e por que 77% dos jovens assassinados têm a pele negra.

A Lei Áurea encerrou definitivamente a vergonhosa exploração, submissão e destruição legal de outros seres humanos em território brasileiro. Ela não impede, entretanto, que trabalhadores rurais em fazendas do país inteiro ainda sofram de servidão por dívida, jornada exaustiva e trabalho forçado sob a mira de uma arma. Mudar esse quadro e evitar que o Congresso Nacional aprove projetos (como o PL 6442/2016) que eliminam direitos trabalhistas exige mobilização popular.

As prisões de políticos e empresários corruptos efetuadas ao longo da Lava Jato são motivo de orgulho. O show midiático baseado em vazamentos suspeitos e delações frágeis, por outro lado, deliberadamente atrapalha a compreensão do momento atual (que ultrapassa a Lava Jato) condenando precocemente investigados. Os eventos relevantes da História, entre eles a Lei Áurea, nos surpreendem com seus esclarecimentos sobre o presente quando objetos de reflexão.

Do GGN