O início da
análise da denúncia por corrupção passiva contra Michel Temer na Câmara dos
Deputados esbarra em um complexo jogo de alianças e interesses numa das maiores
crises políticas do país. Enquanto deputados analisam até que ponto podem sacrificar
imagens ao veredito público pelo simples apoio a Temer da grande base no
Congresso, as ameaças constantes da Lava Jato a diversos políticos e as
eleições de 2018 complicam ainda mais o cenário.
Por parte do
comando da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) é um claro fiel aliado do mandatário
peemedebista. Apesar de publicamente afirmar que os prazos para a denúncia de
Temer na Casa serão respeitados, táticas vem sendo usadas para protelar ao
máximo a conclusão da análise dos deputados sobre se o presidente será ou não
julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Em outra
frente, Maia também evita se expor ou tirar proveito como um possível herdeiro
da cadeira do Planalto, caso Michel Temer seja afastado. O presidente da Câmara
é o próximo da linha sucessória da Presidência da República. Em gesto de que
não pretende, nem temporariamente, comandar o país, a ausência de Temer em
agenda internacional fez o deputado também marcar viagem ao exterior para não
estimular as hipóteses.
Mas a
motivação resguardada por detrás de tanta fidelidade foi evidenciada,
recentemente, quando a denúncia de Temer teve início: "Vamos respeitar
todos os prazos, os debates, e encerrar esse assunto, para que a Câmara possa
focar na agenda para mudar a vida dos brasileiros, para garantir crescimento e
empregos, a começar pela reforma da Previdência", disse Maia.
As reformas
são prioridades não somente do atual presidente, como também de grande parte
dos partidos que formam a base dominante no Congresso. E é delas que os
parlamentares, ainda que na contramão do senso público, tentam resgatar apoios
para permanecer no poder: além de angariar proteção de investidores, ativar o
apoio do mercado.
No contexto
da Operação Lava Jato, que não demonstra cessar as investigações e punições a
esquemas de corrupção e caixa dois, ápice das piores ameaças ao financiamento
de campanhas eleitorais, o que os deputados, senadores e demais políticos
necessitam é de confiança e garantia de que empresários (na condição de pessoas
físicas) garantam as doações para 2018, ainda que sob o temor das
investigações.
Nessa
corrida pelas reformas, grande interesse do mercado, os parlamentares também
estudam alternativas para sustentar as campanhas do próximo ano. Uma queda
imediata de Michel Temer não favorece o tempo que necessitam para trabalhar
nelas. É o caso da Proposta de Emenda à Constituição para criar um fundo
eleitoral que use recursos públicos na ordem de R$ 3,5 bilhões para alimentar
os pleitos.
A urgência
para o cenário de imprevisibilidade da Lava Jato e de até que ponto a
impopularidade de Michel Temer pode segurar a fúria da população fez com que os
congressistas agilizassem a proposta, unindo diversas partidos, da base e da
oposição, para iniciar as votações da medida ainda antes do recesso parlamentar.
A discussão
atual está em torno de como será feita a partilha desse fundo e de incluir a
criação deste fundo na próprio reforma política, que por nome e aparência obtém
o apoio popular. Mas a pressa é consenso. Para tomar proveito da emergência, a
bancada do governo se compromete à rápida aprovação se, por outro lado, os
peemedebistas e aliados saírem beneficiados.
Isso porque
a proposta é que não somente o fundo da Câmara seja incluído, mas também a
bancada do Senado na divisão dos recursos e, se seguir a proporcionalidade de
cadeiras do Congresso, o PMDB deve obter a maior parte dos R$ 3,5 bilhões das
quantias. A estratégia é que os partidos administrem o fundo, destinando metade
a campanhas do Legislativo e outra metade ao Executivo (presidente e
governadores).
Nesta
terça-feira (04), o próprio líder do governo no Senado e um dos principais
porta-vozes de Michel Temer, Romero Jucá (PMDB-RR), reuniu-se com o relator da Comissão Especial da Reforma
Política da Câmara, deputado federal Vicente Cândido (PT-SP), da oposição. À
parte as discórdias, eles decidiram que o fundo público deve ser incluído na
reforma, e iniciando a análise já nesta semana.
"Temos
que entregar uma mudança no processo político-eleitoral para a população
brasileira, ela está cobrando isso. Essa reforma política tem que ser pra
valer, ela tem que ser dura, firme e clara para a sociedade", disse Jucá,
cativando o discurso público, sem se esquecer: "o fundo é uma necessidade
imperiosa, senão não haverá como fazer eleição."
Para que
sejam preparadas todas as estratégias de saída para as ameaças na forma de se
postular um candidato, seja deputado e senador, governador e presidente, até o
próximo ano, o tempo é conveniente a todos eles. É neste contexto que a
denúncia contra o mandatário deve ser atrasada, ainda que não a ponto de
colocar em xeque as imagens de possíveis sucessores.
Nessa linha,
o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, pretende ampliar o número de debatedores,
para além de somente a defesa, dois parlamentares a favor de Temer e dois
contrários. No discurso de que a mudança é um ato democrático e de direito à
ampla defesa, o deputado assinalou:
"A
única diferença para o rito do impeachment é que, naquele caso, cada partido
tem uma hora, e agora, pelo Regimento Interno, são apenas dois deputados para
cada lado. Por óbvio, é muito pouco. Vamos tentar organizar que o debate seja
um pouco maior que isso. Será um debate republicano. Não é para defender a
posição de Temer, nem a da oposição, nem a do procurador-geral. É para
preservar o rito e a democracia."
A oposição
vem pressionando para que a denúncia contra Temer não seja protelada na Câmara
dos Deputados. "O ‘não’ ao seguimento da denúncia significará que somos
cúmplices com os crimes relatados e estaremos jogando esta Casa ainda mais no
fundo do poço em que está. Vamos decidir se queremos ou não entrar no lixo da
história", disse o vice-líder do PSOL, Chico Alencar (RJ).
Na noite
desta terça-feira (04), foi escolhido o deputado Sérgio Zveiter (PMDB-RJ) para
relatar a acusação contra Temer na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da
Câmara. O deputado deve apresentar um equilíbrio entre os aliados
peemedebistas, por integrar o partido, e a oposição, por ser novato na sigla e
já ter transitado pelo PSD.
De acordo
com a coluna Painel, da Folha de S. Paulo, de hoje, a escolha do relator não é
tão bem vinda ao grupo dos protetores de Temer. Ainda que aliado Rodrigo Maia,
Zveiter vem de uma "família forjada no Direito" e teria a tendência a
fazer uma análise técnica. A sua nomeação não é notícia boa, indicou o cenário
de parte da base aliada, que teria afirmado que "agora acabou [para
Temer]".
Coincidentemente
ou não, imediatamente após o resultado no novo relator, o presidente Michel
Temer recebeu no início da manhã desta quarta-feira (05) o presidente da
Câmara, Rodrigo Maia, no Palácio do Jaburu.
GGN, por Patricia
Faermann