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quarta-feira, 3 de julho de 2019

A MÍDIA E A MALDIÇÃO DA LAVA JATO, POR LUIS NASSIF

Calando-se, ante a investida de Moro, revelará toda sua impotência, sua fragilidade, na defesa de suas próprias prerrogativas.
Primeiro, incutiram o ódio. Foram anos e anos de campanha negativa, criminalizando todos os atos, criando versões conspiratórias de todas as políticas.
Depois, trataram de jogar a autoestima brasileira no seu nível mais baixo, naquele que deveria ser o momento mais alto de celebração nacional, uma Copa do Mundo.
Antes disso, tinham levado a disputa política para outro campo, o da Justiça, embriagando o Ministério Público com o porre da celebrização, transformando jovens imaturos em heróis nacionais, entregando o poder a um juiz ambicioso, inescrupuloso até a medula, e pressionando um Supremo temeroso a ponto de esquecer de suas obrigações constitucionais.
Depois, convocaram as multidões para as ruas, bradando discursos de ódio. Cometeram, contra si próprios, a pior das autoimolações: desacreditaram a essência do seu trabalho, as informações, os conceitos, os pactos que regem sociedades civilizadas, a própria Constituição e as leis, valores que legitimavam sua missão em ambientes democráticos.
Apelaram para fakenewssem fim, as invasões das FARCs, os dólares em garrafas de rum, os lobistas com narrativas improváveis. Aliaram-se a organizações criminosas, como a de Carlinhos Cachoeira, montaram parcerias com grampeadores e procuradores inescrupulosos. E recorreram ao jogo recorrente de manipulação da informação, juntando informações verdadeiras – o vasto e histórico esquema de corrupção política que existia -, como âncora para toda sorte de teorias conspiratórias e de ataques seletivos aos adversários. Ao usar a corrupção como instrumento político seletivo, foram corruptos, e eles sabem disso. Esse é o drama.
E os céus amaldiçoaram a mídia e os que implantaram o terror, o ódio fratricida e abriram as jaulas para a selvageria, julgando que, com o chicote e as cenouras, com os quais influenciavam o país institucional, manteriam o país selvagem sob controle.
Os bárbaros ajudaram a trucidar o governo deposto e não mais pararam. Primeiro, tomaram da mídia o controle sobre as informações, com suas redes de WhatsApps, e estratégias de viralização montadas por consultores internacionais, muito mais eficientes.
Criaram seu próprio público, cortando o cordão umbilical com a mídia, se apropriando do discurso de ódio com muito mais propriedade do que a geração inicial de cronistas do ódio, uma mescla de cronistas culturais, novos e velhos jornalistas tentando se reciclar, atendendo à demanda da mídia, visando atrair e instrumentalizar o sentimento de ultradireita que emergia globalmente. Com todas as regras civilizatórias e sociais revogadas, os almofadinhas da mídia, que fingiam falar duro, os cronistas-ternura que ocuparam a demanda por discursos de ódio foram rapidamente destronados por bestas-feras autênticos, daqueles que coçam o saco, arrotam em público, batem em velhinhas vestidas de vermelho.
Finalmente, os hunos conquistaram o poder político, elegendo um capitão da reserva, deputado baixo clero, com vinculações claras com as milícias e um ódio visceral à mídia. Só aí caiu a ficha da mídia, de que seu poder derivava diretamente da democracia, do respeito às regras do jogo, da credibilidade das informações e, especialmente, das narrativas. Ao colocar em xeque as instituições, expunha-se a si própria a qualquer autoritário de plantão. E, especialmente, perdia o controle para outros praticantes de fakenews e de teorias conspiratórias, desses que acreditavam que o Jornal Nacional e a Veja eram instrumentos das esquerdas.
Ali, rompeu-se o pacto com Satanás e o jornalismo tentou o duro regresso, a recuperação dos valores jornalísticos, a defesa, ainda que tímida, de bandeiras legitimadoras. Colunistas foram liberados, então, para criticar Bolsonaro e se concentrar na defesa de temas sociais, de meio ambiente, retomando a crítica à ditadura, mas poupando a Lava Jato. Os jovens jornalistas foram apresentados a uma biografia repaginada dos seus ídolos, da qual foi apagada não a história passada, mas a história recentíssima. E poupando a Lava Jato.
Mas o passado recente sempre voltava para atormentar e ele atendia pelo nome de Sérgio Moro e da Lava Jato.
Como justificar, para seu público, que tudo não passou de uma enorme armação, na qual a bandeira legítima do combate à corrupção serviu de escada para golpes políticos, onde o prêmio final foi o cargo de Ministro da Justiça conferido ao campeão da moralidade?
Teve início, então, um malabarismo de Houdini: criticar Bolsonaro e poupar Moro, como se ambos não fossem da mesma natureza, disputando o mesmo projeto de poder autoritário.
Não escaparam da maldição que acompanha todos os que brincam com a democracia. Arrumaram álibis para a nomeação do seu campeão para Ministro da Justiça. Ele seria a âncora de racionalidade do governo, o que não permitiria que o arbítrio se fizesse ao largo das leis.
Calaram-se quando o campeão passou a aceitar todas as irracionalidades do seu padrinho presidente, em uma subserviência chocante, especialmente se confrontada com o estilo anterior, do juiz implacável, inclemente, que executava adversários feridos no campo de batalha.
Depois, quando alvo de ataques, o campeão se encaixou debaixo da asa protetora do seu presidente, que o exibiu como um troféu em jogos de futebol, mostrando que, agora, ele havia se tornado o avalista da âncora. E ainda balbuciou palavras de agradecimento à confiança, não da opinião pública, não da mídia, mas a confiança que lhe foi depositada por Bolsonaro. E se agarrou ao que imaginou ser sua boia de salvação, as manifestações de rua, que pediam o fechamento do Congresso e do Supremo.
Agora, a mídia entra na sua escolha de Sofia. Sérgio Moro é acometido pela síndrome do escorpião e atravessa o Rubicão, valendo-se do COAF para retaliar o jornalista que divulga suas falas. É o mais grave atentado à liberdade da imprensa desde a redemocratização, porque se valendo do poder de Estado, do comando da Polícia Federal, para interromper a divulgação de notícias de interesse público. E eles sabem disso. Pior: eles sabem que os leitores também sabem disso.
E agora? O Globo esconde a informação, o Estadão esconde, a Folha caminha sozinha para recuperar a aura das diretas, perdida nos últimos anos.
Em parceria com a Globo, a Lava Jato tenta de todas as maneiras criar uma contra narrativa. Desenterra as delações de Palocci,  sustentando que Lula era o comandante, tudo isso depois do The Intercept revelar como eram feitas as salsichas das delações premiadas.
A reconstrução da mística jornalística ficará pela metade. Os jovens repórteres, inebriados com congressos em que os colegas mais velhos discorrem sobre as virtudes do jornalismo, apagando uma história de infâmia muito recente para ser esquecida, não terão nem o consolo da hipocrisia para manter a chama acesa.
Esta é a maldição final, terrível, dolorosa, o desafio final a ser enfrentado pela mídia. Calando-se, ante a investida de Moro, revelará toda sua impotência, sua fragilidade, na defesa de suas próprias prerrogativas. E o país está coalhado de inimigos, à esquerda, mas, principalmente, à direita, esperando o primeiro sinal de fraqueza para avançar. 
Do GGN

segunda-feira, 4 de março de 2019

XADREZ DE COMO O SISTEMA JUDICIAL ALIMENTOU O FASCISMO À BRASILEIRA, POR LUIS NASSIF

A semente da politização e início da escalada fascista no Judiciário nasceram e foram alimentados na Procuradoria Geral da República, com a parceria entre o PGR Antônio Fernando de Souza, seu sucessor Roberto Gurgel e seu colega, ex-procurador, e Ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Joaquim Barbosa no caso conhecido como “mensalão”.
Nos últimos anos foram publicados diversos livros traçando uma radiografia do fascismo na história, identificando os pontos de partida, a incapacidade da sociedade de se dar conta da escalada até o movimento se tornar irreversível e promover tragédias nacionais.
Esse padrão aconteceu nitidamente no Brasil, no período que antecedeu a ascensão dos Bolsonaro ao poder.
As etapas principais desse processo têm como protagonistas o sistema judicial.
Peça 1 – a desorganização dos sistemas de informação
Antes do advento do rádio, a informação e a opinião eram organizadas em torno de partidos políticos, sindicatos, Igrejas. A chamada opinião pública difusa se expressava através de jornais, de posições políticas claras e com corpo restrito de opinadores.
Com o rádio, houve uma explosão de novas formas de opinião. A velha ordem se esboroa e, em seu lugar, entra o caos abrindo novas possibilidades políticas, das quais se valem novas lideranças e novos atores.
Assim como nos anos 20, a recente onda fascista global foi precedida pela desorganização do mercado de opinião com as novas tecnologias de informação e a explosão das redes sociais.
Peça 2 – o papel da Veja e de Roberto Civita
No caso brasileiro, há um fenômeno que acelerou a radicalização: o papel da mídia, liderada por Roberto Civita e pela Veja que, a partir de 2005, inaugura o jornalismo de esgoto, a guerra implacável contra um inimigo fabricado, com uso recorrente de fakenews embalados pelo discurso de ódio, seguindo o modelo do australiano Rupert Murdok.
As bestas das ruas começam a ser alimentadas pela própria cobertura midiática.
Nesse início de processo, o grande modelo do novo-velho jornalismo que emerge foi Olavo de Carvalho. É nele que os primeiros cultivadores de ódio da mídia vão se espelhar, na adjetivação virulenta, nos bordões, nos alvos da esquerda, nos métodos de manipulação dos argumentos.
Nao adianta pretender minimizar sua atuação. Desde os anos 90, ao lado das igrejas evangélicas, foi o único agente político com visão de futuro, percebendo os movimentos subterrâneos que se formavam e entendendo o papel fundamental da formação política para o enfrentamento de ideias. Algo do qual PT, PSDB, Igreja Católica abdicaram. Sem recorrer aos recursos da salvação divina, Olavo conseguiu dar vida a um mundo anti-científico, supersticioso, vingativo que, cooptando um exército de zumbis, o transformou no brasileiro mais influente do seu tempo
Peça 3 – o ovo da serpente do mensalão
A semente da politização e início da escalada fascista no Judiciário nasceram e foram alimentados na Procuradoria Geral da República, com a parceria entre o PGR Antônio Fernando de Souza, seu sucessor Roberto Gurgel e seu colega, ex-procurador, e Ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Joaquim Barbosa no caso conhecido como “mensalão”.
Ali inaugura-se a aliança Judiciário-mídia que aniquila com os limites impostos pelos códigos e pelos princípios de direito individual, que sustentavam o pacto democrático pós-Constituinte de 1988. Nos anos seguintes, essa invasão dos bárbaros, demolindo qualquer vestígio de civilização, encontraria sua mais perfeita tradução no corneteiro Luis Roberto Barroso anunciando o novo Iluminismo, a refundação do país, enquanto bigas selvagens esmagavam direitos, rasgavam a Constituição e demoliam o custoso trabalho de reconstrução social pós-Constituinte.
Com todas suas manipulações, a Lava Jato chegou a fatos concretos, de corrupção e de financiamento de campanha. Já o “mensalão” se baseou em provas falsificadas, manipuladas pelo trio Souza, Gurgel e Barbosa: o suposto desvio de R$ 75 milhões da Visanet, que nunca ocorreu, e a manipulação da chamada teoria do domínio do fato, provocando a indignação do seu próprio autor, o alemão Claus Roxin.
Antes da Lava Jato, um parecer da Pinheiro Neto, dos maiores escritórios de advocacia do país, atestou que a verba da Visanet havia sido totalmente aplicada nas campanhas do cartão. Posteriormente, um relatório técnico da Polícia Federal confirmou o fato.
Em determinado momento, tentou-se centrar o desvio na chamada “bonificação de volume” – sistema criado pelos grupos de mídia para remunerar agências de publicidade pelas campanhas divulgadas. Quando se constatou que o maior beneficiário das campanhas da Visanet eram as Organizações Globo, voltou-se ao mote original.
Ali ficavam claras as intenções da própria cúpula do Ministério Público Federal de começar a manipular investigações e denúncias para se firmar como poder político de cunho conspiratório. E conferia-se a falta de tradição democrática e institucional do país. A semente do golpismo já estava entranhada na corporação, e não apenas nos Ailton Beneditos da primeira instância.
O ovo da serpente foi gestado naquele julgamento. Uma leve exceção no punitivismo do Supremo, a discussão dos embargos infringentes, fez com que a mídia direcionasse o ódio do populacho contra o Ministro Ricardo Levandowski
Todo o know futuro de parceria com a mídia, do discurso diuturno do ódio, da sincronização da escandalização com eventos políticos, visando interferir nas eleições municipais, de manipulação das leis, das teorias jurídicas, do código penal, de intimidação dos recalcitrantes, foi testado naquela julgamento. Tudo isso potencializado pela cobertura intensiva das audiências do STF, revelando personagens toscos e deslumbrados, como o então presidente do STF Ayres Brito, e a  submissão da corte aos urros da rua. Ali se formatava o direito penal do inimigo.
Antônio Fernando de Souza aposentou-se da PGR ganhando um mega contrato de advocacia com a Brasil Telecom, de Daniel Dantas, personagem que ele livrou do “mensalão”, ao atribuir o financiamento de Marcos Valério aos desvios da Visanet. Abria-se, pelo exemplo e pela blindagem, um caminho que seria seguido no futuro por outros colegas: o de se valer do trabalho no MPF para abrir novas oportunidades profissionais.
Como instituição que defende a revisão da Lei da Anistia e a Justiça de Transição, aguarda-se ansiosamente o momento em que a PGR e o MPF joguem luz sobre esses episódios em uma futura comissão da verdade. O MPF foi peça central no desmonte da democracia brasileira. E o STF o convalidador, ao abrir mão de sua responsabilidade de defender a Constituição e as leis.
Peça 4 – a trégua do sucesso de Lula
A crise mundial de 2008 promoveu uma trégua na guerra interna. Paradoxalmente o Brasil foi beneficiado. A crise promoveu uma desvalorização cambial que segurou a escalada desastrosa de apreciação do real no segundo governo Lula. Pelo rumo dos déficits comerciais, não fosse a crise, a crise externa explodiria antes do final do ano
Ao mesmo tempo, eclodiu em toda intensidade uma até então impressentida genialidade política de Lula. A condução que deu ao combate à crise, a maneira como se conduziu nas negociações internacionais, lideradas por Celso Amorim, o pacto social que juntou grupos empresariais, mercado e movimentos sociais, deram ao país um protagonismo inédito no mundo e transformaram Lula no estadista mais respeitado do planeta. Durante algum tempo, passou-se a ilusão de que o país finalmente se civilizara, que a política se equilibraria entre a centro-esquerda e a centro-direita, sem movimentos radicais, como nas democracias europeias (que se supunha) consolidadas.
Mas o antipetismo crescia e estava claro, para quem tinha olhos para ver – não foi o caso nem de Lula, nem do PT, nem de Dilma – que, ao primeiro sinal de crise, se colocaria em marcha, novamente, a máquina de desestabilização política inaugurada pelo “mensalão”.
De certo modo, o “mensalão” foi uma benção, um alerta sobre as vulnerabilidades jurídicas e políticas do governo e do PT. Mas o sucesso posterior do governo Lula cegou o governo.
Peça 5 – a Lava Jato e o impeachment
A Lava Jato já foi suficientemente esmiuçada nos últimos anos. Desde as manipulações de delações, de sentenças, como foi o caso do TRF4 aumentando a pena de Lula para impedir a prescrição.
Nesse ponto, o fascismo encontrou sua mais perfeita tradução na bandeira anticorrupção. O antipetismo foi tão virulento e cego que permitiu o desmonte da engenharia brasileira, a eliminação de centenas de milhares de empregos, o aprofundamento visceral da crise, que já vinha sendo alimentada pela queda nos preços das commodities e pela gestão econômica desastrosa de Dilma Rousseff, e na implantação da chamada democracia mitigada – uma imagem suave para o estado de exceção implantado no país. O impeachment arrebentou definitivamente com a ordem constitucional, tendo como pontas de lança cristãos novos do estado de exceção, como Luis Roberto Barroso e Luiz Edson Fachin, um PGR, Rodrigo Janot, que lisonjeava o PT, enquanto poder, e que se tornou rapidamente seu algoz quando os ventos mudaram.
Àquela altura, o Judiciário já tinha mostrado sua verdadeira cara. A proliferação de novos partidos e a radicalização nas redes sociais ganharam adeptos em todo o sistema judicial. Assim como nos movimentos de rua, o proselitismo, as redes sociais, os grupos de WhatsApp desnudaram uma corporação com instintos tão primários quanto as massas ululantes.
Uma pesquisa, ainda hoje, mostraria uma maioria assustadora de juízes, desembargadores e procuradores alinhados com o bolsonarismo, mesmo com as demonstrações diárias de um movimento moralmente doentio, politicamente ameaçador, como foi o fascismo italiano e as primeiras movimentações do nazismo.
A pá de cal na democracia veio com o esvaziamento programático do PSDB e sua adesão ao discurso de ódio, através das manifestações, especialmente, de Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Aécio Neves e Aloysio Nunes. Ali ocorreu um processo de autodestruição da segunda perna na qual se sustentava o sistema partidário.
Peça 6 – a custosa redenção
Por outro lado, a visão da bocarra sinistra do bolsonarismo, suas sucessivas declarações de guerra à mídia, o corte nas verbas publicitárias e o hálito peçonhento, imoral, doentio, somado à derrota do petismo – esvaziando o álibi do antipetismo – permitiu um relaxamento na ordem unida.
A extrema crueldade com que a mídia tratou o casal Lula, com a casa invadida, a cama revirada, a condução coercitiva, a própria morte de Mariza Silva, de repente foi substituída por uma reação contra as manifestações indignas dos bolsonaristas, a começar do filho Eduardo, no recente episódio da morte do neto de Lula.
Antes disso, a mídia de opinião começou a permitir gradativamente manifestações progressistas de alguns jornalistas. A razão era simples. O público viciado em violência, que ela ajudou a construir, estava definitivamente nas mãos das redes sociais. Restava-lhe voltar ao público mais seletivo, consumidor de opiniões plurais e civilizatórias.
Aliás, é curioso como se dá esse endosso tácito a uma opinião relativamente mais plural. Os jornais começam a se permitir notas críticas, em relação ao pensamento selvagem dos Bolsonaro, manifestações tímidas em relação aos abusos contra direitos humanos. Os primeiros jornalistas saem da toca e passam a inovar no discurso da última década – defendendo temas civilizatórios. A repercussão motiva outros jornalistas. E, assim, tenta-se voltar ao pluralismo dos anos 90, em um momento em que o modelo jornal está em crise mundialmente.
O que virá daqui por diante é uma incógnita.
Não haverá saída fora da pacificação da sociedade brasileira. E a pacificação passa pelo fim da perseguição implacável a Lula. Trata-se de questão central, que jamais será abraçada pelo bolsonarismo.
O movimento civilizatório é crescente. Não se sabe se a ponto de encorajar o STF a colocar um fim na perseguição a Lula. Recorde-se que na reunião de Bolsonaro com os chefes de outros poderes, para discutir a crise venezuelana, os dois únicos endossos partiram do inenarrável David Alcolumbre, presidente do Senado, e de Dias Tofolli, presidente do STF. Nem os militares, nem Rodrigo Maia, presidente da Câmara, apoiaram a aventura.
Não se tenha dúvida de que o país precisará bater no fundo do poço, antes de começar o rearmamento moral – assim como a humanidade só encontrou um período de paz relativamente mais duradouro depois do desastre da Segunda Guerra e do nazismo.
A dúvida é sobre o tempo para se atingir o fundo do poço. Os Bolsonaro parecem uma cloaca sem fundo.
PS – Devido ao seu comportamento recente, de defensor relevante e corajoso do estado de direito e das garantias individuais, deixo de mencionar o papel central de Gilmar Mendes no período anterior.
GGN

quinta-feira, 29 de novembro de 2018

AVANÇA A CRIMINALIZAÇÃO DA ATIVIDADE POLÍTICA E O ESTADO EXCEÇÃO, POR DANIEL SAMAM

A prisão do governador do Estado do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão (MDB), a 30 dias do fim do seu mandato, é mais um capítulo do ativismo político do Poder Judiciário. 
Baseada numa delação de 8 meses atrás que, como de praxe, não foi confirmada por qualquer tipo de prova, acusando o governador de um crime da época em que este era vice-governador. O delator, Carlos Miranda, depois de dizer aquilo que o Judiciário queria ouvir, está em prisão domiciliar. 
Que fique claro, tais acusações não passam de mero pretexto pra pirotecnia do ato da prisão cumprir o propósito de criminalizar a atividade política. 
Essa ação de hoje (29) tem como consequência o fortalecimento da narrativa para a sociedade chancelar uma solução de recorte autoritário que hoje no Estado do Rio tem nome e sobrenome: Wilson Witzel. 
Pra quem ainda tergiversa com o estado de exceção promovido pelos ativistas do Judiciário que se concentram na Operação Lava Jato, cuidado. Lembrem-se que depois do A, vem o B, o C, o D e assim por diante. O próximo pode ser você. 
Daniel Samam é músico e educador. É membro do Instituto Casa Grande e do Coletivo Nacional de Cultura do Partido dos Trabalhadores. 
GGN

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

XADREZ DA TOLERÂNCIA ZERO COM O ESTADO DE EXCEÇÃO, POR LUIS NASSIF

Movimento 1 – as hipóteses de trabalho

Para tornar mais objetiva a análise vamos definir um conjunto de evidências prévias:
Evidência 1 – Jair Bolsonaro é um defensor do estado de exceção. Ponto. Havendo condições, implantará o Estado de Exceção em um país em que já se quebrou a mística da democracia estável que existia desde a Constituição de 1988.
Evidência 2 – Bolsonaro já apontou os movimentos populares como alvo de repressão. As mudanças em andamento na legislação, tentam enquadrar toda manifestação social na categoria de terrorismo.
Evidência 3 – antes mesmo de assumirem, os governadores eleitos de São Paulo e Rio de Janeiro já acenaram com um liberou geral para a violência policial em alta escala – com autorização para matar. Há perspectiva de massacres continuados e legalizados nas duas maiores cidades brasileiras.
Evidência 4 – o estado de exceção já está disseminado pela sociedade brasileira, na atuação concatenada de juízes e procuradores, na explosão de violência nas ruas e nas redes sociais, no avanço das milícias nas periferias das grandes cidades e favelas, nos abusos da Lava Jato. Ou seja, está fincada em uma base ampla da opinião pública.
Movimento 2 – a defesa inicial da democracia
Nos primeiros dias após as eleições, eclodiram abusos, mas, por outro lado, manifestações amplas em defesa da democracia. Advogados criminalistas organizaram comitês em defesa das futuras vítimas, a Procuradoria Geral da República tomou medidas contra as invasões de universidades, procuradores atuaram em vários estados contra tentativas de intimidação de professores, houve protestos generalizados contra as ameaças de Bolsonaro à Folha de São Paulo. E até o Ministro Luís Roberto Barroso anunciou que o STF estará coeso em defesa das minorias.
Democracia salva? Nem tanto.
Movimento 3 – como agem os ditadores
Sobre as estratégias de destruição das democracias, há um levantamento precioso no livro “Como as democracias morrem”, de Steven Levitsky e Daniel Ziblat.
Dizem eles:
A erosão da democracia acontece de maneira gradativa, muitas vezes em pequeníssimos passos. Tomado individualmente, cada passo parece insignificante – nenhum deles aparenta de fato ameaçar a democracia. Com efeito, as iniciativas governamentais para subverter a democracia costumam ter um verniz de legalidade. Elas são aprovadas pelo Parlamento ou julgadas constitucionais por supremas cortes. Muitas são adotadas sob o pretexto de diligenciar algum objetivo público legítimo – e mesmo elogiável –, como combater a corrupção, “limpar” as eleições, aperfeiçoar a qualidade da democracia.
O livro lista uma série de medidas possíveis de serem tomadas, de acordo com as regras democráticas.
A democracia tutelada
Segundo os autores, na maioria das autocracias contemporâneas, não se eliminam todos os traços de dissensão. A estratégia consiste em marginalizar jogadores importantes, como políticos de oposição, lideres empresariais simpáticos à oposição, meios de comunicação, figuras culturais que desfrutem de status moral público. Ou se impede sua participação ou se recorre a subornos, oferecendo cargos públicos favores e outras prerrogativas.
A compra dos “árbitros”
Para tanto, é relevante o que os autores chamam de “a compra dos árbitros”, no caso instituições jurídicas e policiais. Autoridades fazendárias podem ser acionadas para atacar políticos, empresas e meios de comunicações críticos. A polícia poderá reprimir violentamente manifestações de oposição ao governo, ao mesmo tempo em que tolerará violências perpetradas por assassinos pró-governo, dizem os autores.
(...) Enquanto ditadores da velha guarda costumavam prender, exilar ou até matar seus rivais, os autocratas contemporâneos tendem a esconder sua repressão debaixo de um verniz de legalidade. É por isso que capturar os árbitros é tão importante.
O suborno e da chantagem
Um dos casos relatados foi o do Peru, no período Alberto Fujimori, o presidente eleito em 1990 que, depois, se converteu em ditador.
Seu braço direito, Vladimiro Montesinos, do Serviço Nacional de Inteligência, se valeu de todos os expedientes para enquadrar recalcitrantes. Gravou vídeos de políticos, juízes, congressistas, empresários, jornalistas, pagando ou recebendo subornos. Antes da implantação da ditadura, filmou autoridades em bordéis e outras atividades ilegais. Em sua folha de pagamento mantinha três magistrados da Suprema Corte, dois membros do tribunal Constitucional e um número “inacreditável” de juízes e promotores públicos. No final dos anos 90, toda rede de televisão relevante, jornais diários e tabloides populares estavam na folha de pagamento do governo. Na superfície, o Peru parecia viver uma democracia.
No Brasil pré-impeachment, já havia suspeitas de tentativas de chantagem contra três Ministros do STF.
A perseguição aos adversários
Um resultado direto da “compra de árbitros” é o poder de condenar oposicionistas. A condenação e prisão de Lula não é um episódio isolado. No final dos anos 90, na Malásia, o primeiro-ministro Mahatir Moahamad usou força policial para prender e condenar o oposicionista mais relevante, Anawar Ibrahim, sob acusação de sodomia.
Na Venezuela, Leopoldo López, líder da oposição, foi preso e acusado de “incitação à violência” durante a onda de protestos contra o governo em 2014. Sem comprovação maior, alegou-se que a incitação havia sido “subliminar”.
As mudanças constitucionais
Outra maneira de implantar o estado de exceção é através de mudanças constitucionais, no sistema eleitoral ou nas cortes superiores.
Em 2002, na Malásia, para impedir a vitória da oposição, as autoridades redesenharam os distritos eleitorais, contrariando as tendências demográficas, reduzindo o número de cadeiras em regiões dominadas pela oposição.
Em 1999, o governo Hugo Chávez convocou eleições para uma Constituinte, concedendo a ela mesmo o direito de dissolver todas as demais instituições do Estado, incluindo a Suprema Corte. Ministros temerosos decretaram tentaram contemporizar a decretaram a iniciativa como constitucional. Dois meses depois, a Suprema Corte foi dissolvida e substituída por um novo Tribunal Supremo de Justiça.
A ação contra os carteis midiáticos
A parte mais vulnerável dos cartéis midiáticos são as ações fiscais. Gozando de plenos poderes no período que antecede as ditaduras, acabam se enrolando em manobras fiscais que, mais tarde, voltam-se contra eles próprios. É o caso das vulnerabilidades fiscais e penais (caso FIFA) das Organizações Globo.
Na Turquia, o conglomerado Doğan Yayin controlava 50% do mercado de mídia, o jornal mais lido do país, o Hurriyat, e vários canais de televisão. Em 2009, o governo o multou em quase 2,5 bilhões de dólares – mais do que o patrimônio líquido da empresa – por evasão fiscal. O grupo foi obrigado a vender grande parte de seus veículos, comprados por empresários favoráveis ao governo.
Na Rússia, Putin mandou prender Vladimir Gusinsky, dono de uma rede de TV independente, por “apropriação financeira indébita”. Foi-lhe oferecido a liberdade, em troca de abrir mão de sua rede, a NTV.
O mesmo ocorreu com o bilionário Boris Berezovsky, acionista controlador da emissora de televisão ORT. Quando passou a incomodar Putin, foi desenterrado um caso antigo de fraude e Berezovski foi preso, exilado, deixando o grupo nas mãos de um sócio minoritário, que “gentilmente os pôs à disposição de Putin”.
Na Venezuela, Chávez investigou as irregularidades financeiras cometidas por Guilhermo Zuloaga, dono da Globovisión. Precisou fugir do país para não ser preso e acabou vendendo a emissora a um empresário simpático ao governo.
Na Turquia de Erdoğan, as autoridades financeiras confiscaram o império industrial de Cem Uzan, o maior do país, por suas pretensões de lançar o Partido Jovem (PJ) e concorrer às eleições. Uzan fugiu para a França e seus grupo entrou em colpaso.
A segurança nacional
Há vários gatilhos que podem ser acionados para legitimar momentos de exceção. Em 1969, depois de reeleito presidente das Filipinas, Ferdinand Marcos passou a estudar situações que seriam propícias para prorrogar seu mandato. Em julho de 1972, Manila foi sacudida por uma série de atentados a bomba sem autoria definida.
Em seguida, houve uma aparente tentativa de assassinar o Secretário de Defesa, sendo responsabilizados “terroristas comunistas”. Implantou a lei marcial com palavras vãs: “Meus compatriotas … [isto] não é uma tomada militar do poder.” Garantiu 14 anos de ditadura.
Depois do 11 de setembro, dos atentados às torres Gêmeas, 93,55% dos norte-americanos aceitavam abrir mão de algumas liberdades civis para conter o terrorismo. Da mesma maneira que, na Segunda Guerra, o ataque contra Pearl Harbor levou a opinião pública a apoiar o confinamento de nipo-americanos em campos de concentração internos.
Depois que seu partido, o AKP, perdeu maioria parlamentar em junho de 2015, uma série de ataques terroristas do Estado islâmico permitiu a Erdoğan antecipar as eleições e retomar o controle do Parlamento, expurgando 100 mil juízes e funcionários públicos, fechando vários jornais e ordenando mais de 50 mil prisões.
Movimento 4 – as ameaças imediatas
Como se viu, um Presidente antidemocrático tem inúmeras possibilidades de atacar a democracia. E a estratégia usual é o desgaste diário, a soma de pequenas medidas, aparentemente irrelevantes, que acabam levando a desfechos autoritários.
Há alguns movimentos nítidos em direção ao arbítrio.
O Decreto nº 9.527, de 15 de outubro de 2018, assinado por Michel Temer, foi o passo mais ousado em direção à criminalização dos oposicionistas. Ele passa a tratar o crime organizado como uma questão de segurança nacional. E constitui uma força presidida pelo general Sérgio Etchegoyen, do Gabinete de Segurança Institucional, constituída pelos serviços de inteligência da Marinha, do Exército, da Aeronáutica, com o apoio da COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras do Ministério da Fazenda), Receita, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Segurança Pública; Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Segurança Pública.
Entre causas relevantes, como os crimes cibernéticos e o terrorismo, o PNI (Plano Nacional de Inteligência) relaciona as seguintes ameaças à segurança nacional:
Interferência externa, que é a atuação deliberada de governos, grupos de interesse, pessoas físicas ou jurídicas que possam influenciar os rumos políticos do País com o objetivo de favorecer interesses estrangeiros em detrimento dos nacionais;
Ações contrárias à soberania nacional, que atentam contra a autodeterminação, a não-ingerência nos assuntos internos e o respeito incondicional à Constituição e às leis.
Utilizar essas definições para enfrentar ameaças externas reais ou criminalizar movimentos populares, ou manifestações de críticos, dependerá apenas dos limites que forem impostos pelo STF.
Esta semana, o senador Magno Malta (não reeleito) apresentou proposta para ampliar a Lei Antiterrorismo, incluindo na definição de crimes “coagir governo” a “fazer ou deixar de fazer alguma coisa, por motivação política, ideológica ou social”.
O superministério de Moro
O juiz Sérgio Moro é um ativista político que já demonstrou várias vezes pretender ultrapassar os limites da legalidade – como ocorreu com o vazamento das conversas de Dilma Rousseff e Lula, a detenção de jornalista crítico e liberando depoimentos de Antônio Palocci nas vésperas das eleições. E, agora, aceitando o convite para ser Ministro do candidato beneficiado por suas ações.
Indicado Ministro, terá sob sua supervisão a Segurança Pública (e a Polícia Federal), a Secretaria de Transparência e Combate à Corrupção, a Controladoria-Geral da União (CGU) e Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras). 
Se, de fato, acredita poder mudar o mundo com o direito penal, em pouco tempo terá embates grandiosos com Bolsonaro.
Se, ao contrário, embarcou no projeto de poder de Bolsonaro, se verá investido de um formidável poder intimidatório, valendo-se do poder do Executivo para disseminar denúncias contra críticos, ações contra Universidades (escudados nos pareces da CGU), investidas contra movimentos sociais.
Movimento 5 – a tolerância zero contra o arbítrio
Nas últimas semanas, três instituições acordaram para os riscos da escalada do arbítrio: a Procuradoria Geral da República e o Ministério Público Federal, o Supremo Tribunal Federal e a mídia mainstream. Há sinais de que o Alto Comando das Forças Armadas tem preocupação em relação aos riscos para a disciplina militar desse liberou geral de Bolsonaro, que tem muita ressonância nos escalões de baixo.
STF e PGR poderão agir apenas nos temas coletivos. Na base, haverá uma escalada de violência, em denúncias judiciais ou, pior, em violência explícita contra movimentos populares e contra pobres e negros de periferia.
Mais que nunca, a informação passa a ter uma função civilizatória, alertando não apenas a opinião pública informada, mas os organismos internacionais, a imprensa internacional, os tribunais superiores.
É hora de ver se o jornalismo e os tribunais se mostram, finalmente, à altura de suas responsabilidades.
GGN

segunda-feira, 22 de outubro de 2018

XADREZ DA GRANDE BATALHA CIVILIZATÓRIA, POR LUIS NASSIF

PEÇA 1 -  2018 E 1968
Em 1964, derrubou-se um presidente da República e promoveu-se uma eleição indireta que resultou na posse do Marechal Castello Branco. Do mesmo modo, em 2015 houve outro golpe que derrubou uma presidente eleita.
As semelhanças entre os dois momentos foram desautorizadas por quem comparava 2015 com 1968. No pós-68 houve tortura, agora, não. A comparação, na verdade, é com 1964. Sem 64, não teria havido 68 e os demais anos de chumbo.
Derrubado o governo, foram promulgados vários Atos Institucionais, em uma escalada crescentemente repressiva. O primeiro, de 08/04/1964, dava ao governo militar o poder de alterar a constituição, cassar leis legislativas, suspender direitos políticos por dez anos e demitir, colocar em disponibilidade ou aposentar compulsoriamente qualquer pessoa que tivesse atentado contra “a segurança do país, o regime democrático e a probidade da administração pública”.
A ideia inicial era permitir eleições diretas em 1966 e uma nova Constituinte.
Em 27/10/1965 foi promulgado o AI-2 dissolvendo os partidos políticos, aumentando de 11 para 16 o número de Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), reabrindo as cassações e autorizando o governo a decretar estado de sítio por 180 dias sem consultar o Congresso.
Em 05/02/1966 é promulgado o AI-3, instituindo eleição indireta para governador, prefeitos das capitais indicados pelos governadores.
Em 07/12/1966, o AI-4, convocando o Congresso Nacional a definir uma nova Constituição.
No dia 13/12/1968, o AI-5, concedendo ao Presidente da República o poder de cassar mandatos, intervir em estados e municípios, suspender os direitos políticos de qualquer pessoa, inclusive o direito ao Habeas Corpus para crimes políticos.
No dia 01/02/1969 o AI-6, reduzindo de 16 para 11 o número de Ministros do STF e cassando dois deles, que haviam se colocado contra a cassação de um colega. Definiu também que os crimes contra a segurança nacional seriam julgados pela justiça militar. Com base dele, houve inicialmente uma lista de 33 cassações de deputados.
PEÇA 2 – O QUADRO ATUAL PRÉ-68
Há um conjunto de fatores sugerindo que se entrou na fase pré-68.
As listas e a deduragem
Na semana passada, a criação da Força-Tarefa de Inteligência para o enfrentamento ao crime organizado no Brasil – entendido como tudo que possa comprometer a segurança nacional – foi indicativo óbvio do que será feito. Tratei o fato como o AI-1 do novo regime
Ontem, em seu discurso para os manifestantes da Avenida Paulista, Bolsonaro anunciou que MST e MTST, entre outras organizações, serão tratados como organizações terroristas em seu governo.
Um dos capítulos mais infames do período militar foram as listas de suspeitos difundidas por jornalistas, intelectuais, professores, contra seus próprios colegas, e que teve como personagem-símbolo Cláudio Marques, o delator de Vladimir Herzog.
Ontem, em sua coluna do Estadão, Eliana Cantanhede inaugurou formalmente a nova etapa Cláudio Marques, ao divulgar uma lista de diplomatas “suspeitos” de contaminação esquerdista. Outros colegas a acompanharão.
Saliente-se que apenas repete o que grandes veículos fizeram anos atrás com jornalistas que ousavam fazer o contraponto.
A naturalização da violência
Em muitos veículos tenta-se minimizar a violência, comparando-a a dos embates entre torcidas de futebol, mesmo estando disseminada por todo o país.
Instituições intimidadas
Outro indício claro é a intimidação das instituições. O filho do candidato a presidente Jair Bolsonaro diz que para fechar o STF (Supremo Tribunal Federal) basta um cabo e um soldado. Dois Ministros de manifestam em on – Celso de Mello e Marco Aurélio de Mello. Os demais reclamam em off, justificando a necessidade de apenas uma voz por todos, a do presidente da casa, Dias Toffoli. Fontes ligadas a Toffoli avisam que ele prefere não se manifestar para não colocar mais lenha na fogueira. Na verdade, a manifestação ajudaria a jogar água na fervura, mas o bravo Toffolli ficou com receio de ser atingido por algum respingo de água quente.
Celso de Mello alertou para o óbvio: é função da Constituição assegurar que o poder de maiorias eventuais não se sobreponha aos princípios da lei e aos direitos individuais. Aliás, foi o princípio central de determinou a evolução de todas as constituições no pós-guerra, depois que se comprovou que os nazistas se valeram dos instrumentos democráticos para compor uma maioria que liquidou com a democracia, e que consagrou o papel do STF como contra majoritário – isto é, contra eventuais ditaduras das maiorias (e obviamente das minorias).
Nos últimos anos, no entanto, o STF – através de Luís Roberto Barroso e Luiz Fux – se tornou o defensor da máxima de que o tribunal deve atender às expectativas das maiorias. O constitucionalista Barroso se tornou o principal propagandista do princípio que impulsionou o nazismo.
Ontem à tarde, em comício na Avenida Paulista, Bolsonaro disse pelo telão que, eleito, mandará prender ou expulsar do país todos os esquerdistas e mandará prender políticos da oposição. Não mereceu uma admoestação sequer da Procuradoria Eleitoral, pelo claro desrespeito à ordem legal.
Por outro lado, pesquisas internas do PT identificaram nos programas denunciando a tortura o discurso mais eficaz contra Bolsonaro. Mas o TSE suspendeu a veiculação dos programas que levantavam o tema.
PEÇA 3 – A GUERRA DIGITAL
Há muitos pontos em comum na atual guerra digital com o que ocorreu na época da Telexfree, a super pirâmide digital que deixou mais de um milhão de vítimas no Brasil e arrecadou alguns bilhões de reais dos incautos. Fui alertado para a coincidência após uma ameaça feita pelo Facebook por um ex-vendedor da Telexfree, sugerindo que seu principal líder no país, Carlos Costa, teria se acertado com Bolsonaro - provavelmente confundindo com o economista homônimo.
Não se trata apenas do uso da informação em massa pelas redes sociais – na época, a Telexfree usava uma metodologia eficaz para aparecer na primeira página das pesquisas do Google -, mas também de interferir no funcionamento de portais e blogs e até nos computadores pessoais dos jornalistas e blogueiros visados. Aqui, no GGN, temos sofrido ataques similares de DDoS e interferência nos computadores dos jornalistas. No primeiro turno, conseguiram inviabilizar compartilhamento de artigos no Facebook.
A montagem da rede de Bolsonaro é trabalho antigo. Há mais de dois anos era visível o trabalho em rede. A cada crítica feita à Lava Jato apareciam enxames de bolsominions com um mesmo padrão de texto: caixa alta, erros grosseiros de português e agressividade explícita, usando principalmente o Facebook e o youtube. Mas com uma capacidade notável de ataques sincronizados. No Twitter, a atividade maior sempre foi através de perfis falsos – facilmente identificados pelo reduzido número de seguidores e por uma numeração no nome, para facilitar a criação de novos perfis, sempre que os anteriores fossem bloqueados.
Pouco antes, na véspera da reportagem da Folha sobre fakenews, o Procurador Geral Eleitoral Humberto Medeiros minimizava o fenômeno: apenas 10% das mensagens do WhatsApp são em grupo, dizia ele. Dois dias depois, depois que o caso se tornou escândalo mundial, o WhatsApp desabilitou 100.000 contas suspeitas de propagar fakenews.
Só aí Medeiros trouxe informações de sua conversa com os diretores do WhatsApp. No México e Índia ocorreram fenômenos semelhantes e a empresa criou aplicativos permitindo identificar as notas mais compartilhadas, enviá-las a agências de checagem e transmitir a contra-informação para toda conta que recebeu a notícia falsa.
Ou seja, o fenômeno já havia se espalhado por vários países, havia literatura sobre o tema e um tribunal que deverá custar R$ 10 bilhões no próximo ano, sequer se preocupou em contratar estudos ou especialistas para se preparar para enfrentar o fenômeno. Menos ainda os partidos políticos vítimas, desde 2006, desse tipo de armação digital.
PEÇA 4 – A REDUÇÃO DE DANOS DAS INSTITUIÇÕES
Em Brasília, há dois movimentos generalizados das instituições: ou adesão a Bolsonaro ou política de redução de danos. Significa fugir dos confrontos com os hunos, aprofundar a aproximação com o Estado Maior das Forças Armadas, confiando que irá se comportar com mais racionalidade que Bolsonaro, principalmente porque a proliferação das declarações violentas, e a adesão de quadros militares a Bolsonaro, poderão colocar em risco, inclusive, a hierarquia militar.
A única reação, portanto, será através do voto.
PEÇA 5 – A GRANDE LUTA CONTRA A SELVAGERIA
A pesquisa CNT/MDA divulgada hoje mostra o seguinte quadro:
Intenção de voto para presidente (total):

  • Jair Bolsonaro (PSL): 48,8%
  • Fernando Haddad (PT): 36,7%
  • Branco/Nulo: 11,0%
  • Indeciso: 3,5%.
Nos últimos dias multiplicaram-se as declarações do grupo de Bolsonaro sobre o que poderá esperar o país em caso de sua vitória.
Todo o quadro, explicado acima, poderá se concretizar, ou ser evitado. Nos próximos dias haverá uma luta dantesca da civilização contra a barbárie. Há sinais de que a onda Bolsonaro estabilizou e começa a recuar, ainda que lentamente. O grande desafio será o de aprofundar o conhecimento geral sobre Bolsonaro.
Se a esperança vencer o medo, será possível evitar o mais profundo retrocesso civilizatória da história do país.
GGN

quarta-feira, 15 de agosto de 2018

UMA ESTRATÉGIA DE EXCEÇÃO PARA UM ESTADO DE EXCEÇÃO, POR WILLIAM NOZAKI

O maior partido de esquerda da América Latina, o PT, entra hoje oficialmente em "modo desobediência civil".
A inscrição de um candidato preso injustamente, Lula, mantém o partido em alinhamento com a ampla maioria do eleitorado e em compromisso com a ampla maioria da base do povo brasileiro. Em meio à maré revolta, o navio petista singrará as águas eleitorais orientado pela bússula da defesa da democracia, do desenvolvimento e da maior liderança popular da história do Brasil, mirando ousadamente as brechas do golpe para tentar conquistar presença eleitoral, uma vaga no segundo turno e a vitória na corrida presidencial.
A estratégia correta vem acompanhada de uma tática tão inédita quanto arriscada, uma saída excepcional para tempos e estados de exceção, que põe o partido a enfrentar: o desconforto de progressistas aliados mas concorrentes; as instabilidades impostas pelo judiciário, no TSE, no STJ e no STF; as incertezas sobre a participação nos debates e na propaganda eleitoral; a complexidade de uma eventual operação de transferência de votos e a engenharia de administração do tempo em que todo esse processo deve ocorrer, de modo a minimizar novos e maiores sobressaltos. 
Para o PT, qualquer outra saída que não passe pela manutenção persistente da candidatura Lula não é exequível, seria praticar uma espécie de "impugnação preventiva", antecipando um trabalho sujo que, se for feito, cabe ao Judiciário e não ao partido; além disso, seria uma deslealdade anti-ética e irresponsável com a inocência e a proteção de Lula, patrimônio do PT e do país; mais ainda: se trataria de sequestrar da maioria do eleitorado e dos militantes a possibilidade de explicitar seu desejo nas urnas, o que seria um suicídio político e eleitoral para o partido, e para o conjunto da esquerda.
Menos certezas existem sobre como devem proceder, nesse período, os porta-vozes mandatados diretamente por Lula para vocalizar suas propostas e ideias, com especial atenção para o desafio, disciplinadamente, assumido por Fernando Haddad nessa conjuntura. São muitos os que opinam sobre a situação, menor é o número dos que se dispõe a enfrentá-lá, por fortuna ou virtú coube ao ex-prefeito essa missão. Nesse sentido, informa o boa regra do realismo político, a partir de agora o melhor nome de porta-voz passa a ser o que temos e não o que imaginávamos que poderíamos ter.
De Haddad se espera que cada ideia enunciada venha antecedida da denúncia e da lembrança de que quem deveria estar ali é Lula; cada proposta apresentada deve ser precedida da denúncia do golpe em curso e do estado de exceção que se instalou no país; cada argumento mobilizado deve ter como pressuposto a certeza de que uma disputa de poder dessa magnitude não será enfrentada devidamente apenas com tecnocratas e tecnologias sociais de políticas públicas; deve ter como premissa a certeza de que manter coesa as bases do petismo e do lulismo é mais importante do que diálogos evasivos com a alta elite e a alta classe média; Haddad deve exercitar o desprendimento de sua visão republicana liberal para incorporar em sua fala um projeto democrático, nacional e popular bem mais amplo e complexo do que a visão de Estado cultivada na USP, a noção de mercado glorificada no INSPER ou a leitura de sociedade presente na elite e na intelectualidade paulista.
Da militância se espera a resistência e o empenho na travessia dessa maré. Temos um projeto, uma estratégia e o povo do nosso lado, não nos cabe esmorecer no cansaço ou no desencanto. Empenhados que estavam em proteger seus interesses pessoais, o condomínio golpista perdeu força, eles subestimaram a capacidade de o PT levar adiante sua "guerra híbrida", sendo pragmático nas alianças locais e ousado na manutenção de uma candidatura nacional, segundo eles, "fora-da-lei". O derrotismo, portanto, não se justifica, o golpe deixou frestas e pode sofrer uma derrota real no processo eleitoral e nas urnas.
Tal constatação, entretanto, não deve justificar diagnósticos simplistas, o gêmeo siamês do fatalismo é a ingenuidade, a vitória na batalha das urnas não é sinônimo, imediatamente, de vitória na guerra contra o golpe. As forças no poder tentarão inviabiabilizar, nessa ordem, Lula, Haddad, o PT, a chapa, e, eventualmente, uma posse ou um governo. Temos que estar estrategicamente preparados desde já para pelo menos três possíveis situações: ser retirados das eleições e deixar espaço para a extrema-direita bolsonarista, ter permissão de participar das eleições e enfrentar a direita tucana, e vencer as eleições com a obrigação de criarmos outro tipo de relação com o Poder e com o Estado, com menos "conciliação republicana" e mais enfrentamento democrático.
A mera participação do PT retira as eleições da extrema-direita e a recoloca na centro-direita, pois muda, indiretamente, a correlação de forças entre Bolsonaro e Alckmin. Se esse cenário será devidamente aproveitado depende não só do PT, mas de o PSDB alavancar Alckmin e de o mercado não cometer a irresponsabilidade de encampar em bloco a candidatura Bolsonaro, daí o risco assumido pelo PT, ou leva a esquerda para o segundo turno ou será acusado de ter sido negligente com a onda fascistóide que assombra o país. O partido, portanto, está indo à raiz do problema, colocando seu próprio pescoço à prova, em uma postura radical, como é da natureza da desobediência civil contra o estado de exceção.
Como Dilma, entre 15 de agosto e 17 de setembro lembremos de Maiakóvski: "Não estamos alegres, é certo, mas também por que razão haveríamos de ficar tristes? O mar da história é agitado. As ameaças e as guerras havemos de atravessá-las. Rompê-las ao meio, cortando-as como uma quilha corta as ondas."
William Nozaki - Professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Possui graduação em Ciências Sociais pela USP e mestrado em Economia pela UNICAMP onde realiza o doutorado em Desenvolvimento Econômico. Atua nas áreas de economia política e brasileira pesquisando temas como crescimento econômico, concentração de riqueza e distribuição de renda.
GGN

quarta-feira, 20 de junho de 2018

DE VITÓRIA EM VITÓRIA, A DEMOCRACIA CONTRA O ESTADO DE EXCEÇÃO, DISSE LULA A GLEISI

"E agora me pergunto: quem vai te pedir desculpas por quatro anos de acusações falsas, de manchetes nos jornais e na Rede Globo", questionou ex-presidente em carta à Gleisi.
Foto: Ricardo Stuckert
"Acho que isso [a absolvição] pode ter efeitos positivos para o presidente Lula. Acho que para o PT foi importante. A gente estava perdendo muito no Judiciário. Essa absolvição foi muito importante para nós", disse a senadora Gleisi Hoffmann, presidente nacional do PT, na tarde de hoje. 
Minutos antes, a senadora havia sido recebida pelos deputados e pelos senadores do PT com abraços, palavras de apoio, música e comemoração em reunião do partido no Congresso. Ao mencionar o ex-presidente Lula, que aguarda o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) a partir da próxima semana, Gleisi também leu aos parlamentares a carta escrita por Lula da prisão em Curitiba. 
"Se tem uma pessoa feliz, sou eu, gente. Quatro anos de muita dificuldade para enfrentar esse processo. Ontem, quando começaram a sair os votos dos ministros, foi me dando um alívio", manifestou logo no início do encontro. Foi o primeiro pronunciamento da parlamentar após a Segunda Turma do STF a absolver por unanimidade das acusações de corrupção e lavagem de dinheiro. 
Ela, seu marido, o ex-ministro Paulo Bernardo, e o empresário Ernesto Rodrigues tiveram as acusações da força-tarefa da Lava Jato desmentidas e foram escancaradas as fragilidades do processo, na noite desta terça-feira (19). O relator da ação, ministro Edson Fachin, fechou minoria com Celso de Mello para a acusação de crime de caixa dois eleitoral. Entretanto, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski impediram a condenação. 
"A verdade sempre vencerá", foram as palavras de Lula lidas pela senadora em comemoração junto aos parlamentares na tarde de hoje. Da prisão, a absolvição da presidente nacional do PT pela última instância da Justiça foi recebida com "muita alegria" pelo ex-presidente.
A carta de Lula - Foto: Reprodução
"No julgamento dessa terça-feira, sua defesa mostrou que a Lava Jato construiu uma denúncia falsa a partir de depoimentos negociados com criminosos, em troca de benefícios penais e até financeiros. E pela primeira vez o STF reagiu claramente diante da indústria das delações em um caso concreto, desmoralizando o discurso e a prática da Lava Jato", escreveu Lula. 
Antes da leitura da carta enviada pelo ex-presidente a Gleisi, a parlamentar destacou as palavras do ministro Ricardo Lewandowski durante o julgamento, de que "uma delação não serve para nada", por si só, para sustentar uma condenação e criticou os ataques ao PT, sofridos por ela durante estes quatro anos, mas também pelo ex-presidente, hoje preso. 
"Sua absolvição, conquistada por unanimidade, diz muito sobre sua integridade e a reputação como pessoa honesta e líder na política. Mais do que isso, foi uma importante vitória da democracia e do estado de direito sobre os que vêm tentando impor um regime de exceção contra o PT e as forças populares e democráticas mais expressivas do país", pontuou Lula. 
A trajetória pré-eleições de Lula vem sendo levada e guiada pela presidente nacional do partido. Com a resposta do Judiciário, o ex-presidente destacou que "a verdade sempre vencerá". Mas questionou: "E agora me pergunto: quem vai te pedir desculpas por quatro anos de acusações falsas, de manchetes nos jornais e na Rede Globo, que tanto sofrimento causaram a você, sua família, seus amigos e companheiros?".
O ex-presidente comemorou que aos poucos, "de vitória em vitória", os ataques da Lava Jato ao PT vão sendo desmentidos, confiante de "reconstruir este país e restaurar a esperança na democracia, na justiça e na igualdade". 
Do GGN