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segunda-feira, 13 de abril de 2020

O QUE É O “XADREZ DOS ENSAIOS DO PRÓXIMO JOGO POLÍTICO”, LUIS NASSIF

Na saúde, há dois discursos claros em jogo: o isolamento social x a varinha mágica da cloroquina. Na economia, há uma enorme confusão.
No ultimo dia 8 publiquei o “Xadrez dos ensaios do próximo jogo político”. Lendo os comentários, percebi que fui muito pouco claro na apresentação das hipóteses.
Haverá dois grupos de digladiando politicamente: o campo bolsonariano, apostando no caos e no terraplanismo; e a oposição, que necessariamente terá que escalar o discurso racional.
O Xadrez em questão se refere exclusivamente aos temas que deverão emergir nesse arco racional de centro, centro esquerda ou centro direita, ao qual estão se candidatando personagens da linha de frente do combate ao coronavirus – do Ministro da Saúde a governadores de estado.
No entanto, não dá para minimizar a força do terraplanismo. A estratégia conjunta dos governos de ultradireita – tão concatenadas entre si, que comprovam a existência de uma cabeça central, provavelmente Steve Bannon – é uma aposta no pós-coronavirus.
O coronavirus impõe uma guerra entre a racionalidade da ciência e o discurso redentorista de cloroquina, gripinha e tudo o mais. Os fatos mostrarão cada vez mais a lógica da ciência se impondo. O momento seguinte é o do enfrentamento da crise econômica – que virá brava. E aí se entra no terreno da subjetividade econômica.
Na saúde, há dois discursos claros em jogo: o isolamento social x a varinha mágica da cloroquina. Por aí se torna relativamente fácil separar a tribo dos seguidores de Jim Jones (o pastor que levou seus fiéis ao suicídio) e o Brasil minimamente racional.
Na economia, há uma enorme confusão. Há um grupo de halterofilistas da economia, que ganhou status no período pré-coronavirus e que continuam apegados ao jogo de interesses simplórios-maliciosos do período anterior: mercado x Estado, setor público x privado, isonomia entre perdas do funcionário público x privado e outras patacoadas. São ideólogos que conquistaram espaço midiático no período pré-coronavirus e não querem abrir mão em hipótese alguma de suas cloroquinas conceituais. Serão tão nefastos no segundo tempo da guerra, espalharão tanta confusão na opinião pública quanto o bolsonarismo no primeiro tempo.
Toda a estratégia atual do terraplanismo é se preparar para o segundo tempo. Afastado o fantasma do coronavirus, a crise do desemprego, da perda de renda virá para o primeiro plano. E, aí sim, haverá espaço para as loucuras da ultradireita, atribuindo a crise aos governadores e reforçando a ideia de um governo autocrático-ignorante para superá-la. Se as loucuras de Bolsonaro, em um caso claro como o do coronavirus, mobiliza seguidores-zumbis, imagine-se quando se entrar no terreno confuso do receituário econômico, há muitos anos contaminado no Brasil pelo jogo de interesses do mercado. Dai o formidável empenho dos bolsonaristas em manter as hostes unidas para o segundo tempo do jogo.
Depressão sempre foi espaço aberto para salvadores da ultradireita com seus discursos de ódio. E é mais fácil um camelo passando pelo buraco de uma agulha do que aparecer no Brasil, nesse território inóspito e selvagem, uma vocação à altura de Franklin Delano Roosevelt ou de um John Maynard Keynes.
Do GGN

domingo, 14 de julho de 2019

EMPRESA DE EVENTOS DE DELTAN PODERIA SER CLIENTE DA FUNDAÇÃO DE R$ 2,5 BI, POR LUIS NASSIF

Agora se entra no campo dos ganhos financeiros com palestras e desmascara-se o álibi do bom mocismo, de que as palestras eram para que pudesse levar a mensagem de Deus aos ímpios.
O poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente, de modo que os grandes homens são quase sempre homens maus. Lord Acton.
A reportagem de hoje da Folha, sobre a #Vazajato, começa a entrar no campo definitivo, os interesses financeiros dos procuradores envolvidos no caso, na figura de Deltan Dallagnol (aqui) e suas palestras.
Nas conversas, Deltan combina com o colega Roberto Pozzobon a criação de uma empresa, a se tocada pelas duas esposas, para organizar palestras sobre corrupção. A data dos diálogos coincide com a da tentativa de criação da fundação que receberia R$ 2,5 bilhões do Departamento de Justiça, justamente para estimular a divulgação de trabalhos anti-corrupção.
Como vimos apontando desde o início, esse é o tema que atinge diretamente os fanáticos por Deltan Dallagnol. Atropelar leis, combinar julgamentos, inventar provas são infrações aceitas, em um país com pouco cuidado com princípios legais, em nome do bem maior.
Agora se entra no campo dos ganhos financeiros com palestras e desmascara-se o álibi do bom mocismo, de que as palestras eram para que pudesse levar a mensagem de Deus aos ímpios.
Juntando as conversas divulgadas com as denuncias de 2017, sobre as palestras de Deltan, identifica-se claramente o processo de ceder gradativamente às tentações quando se dispõe de um poder sem limites. E o poder da Lava Jato era garantido pela blindagem total de quem se apresentava como arauto da moralidade.
Primeiro, se aceitam os pagamentos com algum constrangimento, doando parte do que recebe. Depois, a cupidez se impõe e passa-se a ser cada vez mais exigente. Surge o deslumbramento com as possibilidades de ganhos – e isso fica amplamente demonstrado nos diálogos.
Em 2017, quando vazaram as primeiras informações sobre os ganhos de Deltan, conversei com o responsável por sua contratação para um evento, e ele se dizia espantado com a cupidez demonstrada.
A defesa de Deltan foi informar que, no ano anterior, doara parte dos cachês a um hospital de tratamento de câncer infantil. Provavelmente era verdade.
Mas em 2017 já estava a pleno vapor faturando as palestras para si próprio e inventando argumentos falsos para se eximir de explicações – como se verá a seguir. Mais que isso, parte do interesse pelas palestras decorria do terror que a Lava Jato passou a infundir em todas nas empresas.
Em 2018 já de vangloriava de faturar R$ 400 mil com palestras. Em 2019, planejava montar uma empresa só de palestras. Aliás, mesmo caminho percorrido por Rosângela Moro.
À medida em que se foi entrando nesse terreno, quais os limites obedecidos, ainda mais em um universo em que advogados desconhecidos que passaram a ganhar cachês milionários com esquemas de delações? Esse é o teste final. Até onde foram nessa cupidez? Atravessaram o Rubicão e entraram na seara das delações premiadas? Ou se limitaram a atropelar apenas princípios éticos?
O fundo do poço do MPF
O episódio expõe, de maneira clara, a maneira como a Lava Jato esgarçou os limites éticos do próprio Ministério Público Federal, desarmando os sistemas de controle.
Há uma regra ética tácita, de que procurador não pode faturar com temas em que esteja trabalhando. Palestras, debates sobre o tema que se está trabalhando fazem parte do trabalho.
Tinha-se, na Lava Jato, um grupo de jovens procuradores, provincianos, deslumbrados, inexperientes com o sucesso, e facilmente influenciáveis pela dinheirama que escorria entre seus dedos. Caberia à corregedoria orientá-los e definir limites. Como diz o nome, a corregedoria co-rege. Em vez disso, considerou perfeitamente normal receber cachês milionários. E como dizer o contrário se, pelos diálogos divulgados, sabia-se até o cachê de R$ 30 mil do próprio Procurador Geral Rodrigo Janot?
Além dos aspectos éticos, esse deslumbramento criou vulnerabilidades que podem ter comprometido as investigações.
Uma empresa com culpa no cartório – e ainda não descoberta pela Lava Jato – poderia contratar uma palestra, ou de um procurador ou do próprio PGR, e pagar regiamente. Quando seu nome aparecesse, estaria instantaneamente blindada. Afinal, que procurador – ou PGR – indiciaria uma empresa, sabendo-se que, mais tarde, poderiam ser levantados os pagamentos pelas palestras contratadas?
Além disso, a exploração econômica das operações – Deltan aparece orientando uma colega sobre como faturar em palestras sobre o tema que investigava – criou um padrão que se espalhou, pelo mau exemplo, por toda a corporação. Além da quebra da economia brasileira, dos pre-juízos infligidos à Petrobras com ações deletérias de acionistas, alimentados por provas da Lava Jato, o pior legado de Janot foi a dissolução dos valores que regiam tacitamente a instituição. Para procuradores influenciáveis, e mais flexíveis, retorno financeiro pessoal das operações passou a ser um critério de seleção de temas.
Este é o segundo maior desafio de sua sucessora, Raquel Dodge, que seguramente não é feita da mesma massa de Janot.
Capítulo 1 – quando o fato vazou
Em junho de 2017, uma empresa promotora de eventos ofereceu Deltan por cachês que iam de R$ 30 mil a R$ 40 mil. O assunto circulou pela Internet e Deltan soltou uma nota alegando que doava “praticamente tudo” o que recebia com palestras e que apenas pretendia contribuir “modestamente, como qualquer cidadão de bem” para com o país (aqui).
Dizia a nota:
  • Embora eu pudesse legalmente dar destinação pessoal aos recursos, como muitos profissionais da área pública e privada fazem, optei por doar praticamente tudo para que não haja dúvidas de que a minha motivação é apenas contribuir modestamente, como qualquer cidadão de bem, para um país com menos corrupção e menos impunidade.

Capítulo 2 – as explicações de Deltan
Pelo Facebook, por notas oficiais, ou por reportagens de jornais do Paraná, Deltan deu duas explicações divergentes – mas ambas visando propagandear sua fama de rapaz do bem.
Doação para hospital de câncer infantil
Como explicou o jornal Gazeta do Povo, de Curitiba, em edição de 17.06.2017 (aqui)
  • “Em seu post, Dallagnol disse que a maior parte das palestras que dá são gratuitas. Eventualmente, há remuneração envolvida e os valores foram sempre doados. No ano passado, o valor total recebido pela participação em eventos, não divulgado pelo procurador, foi doado para o hospital Erasto Gaertner, entidade filantrópica localizada em Curitiba que oferece tratamentos contra câncer.”

Doação para fundação de combate à corrupção
Em seu perfil no Facebook, deu outra explicação:
  • (…) Em 2017, após descontado o valor de 10% para despesas pessoais e os tributos, os valores estão sendo destinados a um fundo que será empregado em despesas ou custos decorrentes da atuação de servidores públicos em operações de combate à corrupção, tal como a Operação Lava Jato, para o custeio de iniciativas contra a corrupção e a impunidade, ou ainda para iniciativas que objetivam promover, em geral, a cidadania e a ética.

Nunca divulguei isso antes para evitar que tal atitude fosse entendida como ato de promoção pessoal. Contudo, diante de ataques maldosos e mentirosos, reputo conveniente deixar isso claro para evitar qualquer dúvida de que o que me motiva é o senso de dever, como procurador e como cidadão.
Desafiamos a comprovar o que dizia, porque era nítido que escondia a informação:
Nunca comprovou as doações para o tal fundo. Mas já antecipava os planos da super-fundação, com R$ 2,5 bilhões de dotação pagas pela Petrobras e intermediada pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos.
Ponto 3 – as conversas pelo Telegram
Nas conversas, Deltan combina com o colega Roberto Pozzobon a criação de uma empresa, gerida pelas respectivas esposas, para gerenciar as palestras. Planeja não apenas conversar sobre a Lava Jato como oferecer aulas de empreendedorismo.
Aliás, o mesmo caminho percorrido por Rosângela Moro.
Principais informações divulgadas.
Pelas conversas, percebe-se que o tema palestras ficava restrito aos parceiros mais próximos, Roberto Pozzobon e o ex-PGR Rodrigo Janot.
O cachê de Janot
Fica-se sabendo, pelos diálogos, que o PGR Rodrigo Janot cobrava R$ 30 mil por palestra. Qualquer empresa que, de alguma maneira, pudesse temer os efeitos da Lava Jato, pagaria de bom grado esse valor. Ou calaria o PGR pelo pagamento, ou calaria pelo constrangimento, caso algum dia pudesse vir a ser indiciada.
Orienta colegas sobre como faturar com operações
Para a colega Thamea Danelon, Deltan ensina como faturar com palestras em cima de cada caso. 
Do GGN

segunda-feira, 8 de julho de 2019

FACHIN CONDENA OS MÉTODOS DA LAVA JATO E DEFENDE UM STF CONTRA A IRRACIONALIDADE, POR LUIS NASSIF

Trata-se de um discurso histórico que não absolve Fachin de todas as concessões aos abusos da Lava Jato. Mas demonstra que a frente inquisitorial, da qual Fachin era um dos expoentes, ao lado de Luis Roberto Barroso, se desfez.
Em discurso proferido no Tribunal Regional eleitoral do Paraná, o Ministro Luiz Robert Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF) condenou de forma eloquentes os processos judiciais baseados na convicção e no ódio. Defendeu os Tribunais Eleitorais, como aqueles capazes de julgar sem a polarização e o ódio que marcaram outros processos.
Alertou que os juízes julgam e também são julgados. Em uma possível alusão aos abusos do governo Bolsonaro, exortou todos a enfrentarem a falta de limites e as interpretações descabidas para que o país possa voltar a se encontrar na diversidade, na compreensão.
Trata-se de um discurso histórico que não absolve Fachin de todas as concessões aos abusos da Lava Jato nem devolve a fé no seu caráter. É relevante por demonstrar que a frente inquisitorial, da qual Fachin é um dos expoentes, ao lado de Luis Roberto Barroso, está se desfazendo por parte de quem sempre colocou a oportunidade à frente dos princípios.
Fachin voltou a ser o Fachin que a opinião pública achava que era, antes de assumir o STF. Mas terá que conferir na prática. As dúvidas sobre seu comportamento sao maiores que a conversão recente.
Do GGN

sexta-feira, 21 de junho de 2019

NOVA OPORTUNIDADE PARA O SUPREMO SE MOSTRAR GUARDIÃO DA LEI, POR LUIS NASSIF

A manutenção de Lula na prisão é um atestado de que o país perdeu mesmo o rumo e o respeito a valores fundamentais da ordem jurídica. É preciso que o Supremo adote uma postura no sentido da retomada da legalidade.
Foto: Ricardo Stuckert
Outro recado para o Supremo Tribunal Federal (STF), a partir de conversas com meu guru jurídico.
Dia 25 de junho de 2019 poderá ser o dia em que o STF poderá retomar a rota da democracia brasileira.
Como já foi dito aqui, em “Urgente: um HC de ofício para Lula”, mesmo antes das revelações do Intercept, há motivos de sobra para se anular os processos criminais contra Lula.
Além de questões relativas a competência, ao verdadeiro atentado à democracia que foi a utilização de manobras processuais para influenciar em eleições – a suspeição de Moro e dos procuradores era escancarada.
Mas a Justiça é “cega”. Lula foi preso e assim permaneceu.
Apareceram então as comprovações pelo Intercept da absoluta promiscuidade entre o juiz Sérgio Moro e procuradores.  A Justiça continuou “cega” e Lula, preso.
Mas nesta terça-feira, finalmente vai a julgamento um dos inúmeros recursos e pleitos  apresentados pela incansável defesa de Lula: uma exceção de suspeição proposta há tempos e que foi processada sem liminar.
Com o caso em pauta, basta à Segunda Turma do STF acolher o pedido com base nas alegações e provas dos próprios autos. Não se exige dos senhores ministros  nenhum ato inusitado de coragem, como seria a concessão de um “habeas corpus” de ofício. Basta acolher a alegação feita pela parte há meses.
Há rumores de que o processo pode ser retirado da pauta; que pode haver um pedido de vista; ou que ocorra qualquer outro fato que impeça o julgamento.  Porém, em qualquer hipótese, mesmo retirando o processo de pauta, pode ser deferida uma liminar concedendo  o imprescindível mandado de soltura.
O mundo está olhando para o Brasil. Ele olha e constata facilmente que foram as Vossas Excelências do sistema de Justiça que nos enfiaram nesse buraco, atendendo sabe-se lá a que tipo de sentimento pessoal (obediência ao mercado e à mídia, decepção ou ‘nojinho’ do PT, e assim por diante).
Não há mais tempo. As medidas que adotadas pelo atual governo vão gerar um prejuízo social e cultural que o país vai levar décadas para reparar. E não dá mais para ignorar a sanha persecutória contra Lula. A manutenção de Lula na prisão é um atestado de que o país perdeu mesmo o rumo e o respeito a valores fundamentais da ordem jurídica.
É preciso que o Supremo adote uma postura no sentido da retomada da legalidade. Assim como em um bordado que começa a dar errado é preciso fazer o caminho de volta para corrigir os primeiros pontos onde a confusão começou, a retomada de nosso processo inconcluso de consolidação da democracia passa obrigatoriamente pela libertação de Lula. E a oportunidade para fazê-lo é nesta terça-feira, 25 de junho.
Cumprido esse passo, também é mais que urgente que o Supremo  decida  o mérito da ação  proposta por José Eduardo Cardoso, pedindo a anulação do processo do Impeachment de Dilma Roussef.
É óbvio que a ação foi proposta pelo inacreditável escudeiro de Dilma quando não havia mais tempo de se fazer nada. Mas ela é o âmbito no qual pode ser declarada a nulidade daquele Impeachment  ainda que apenas para fins éticos e morais.
Esses dois fatores – Impeachment exclusivamente político e prisão ilegal do candidato favorito – gerariam, sem dúvida, a nulidade da eleição de Bolsonaro. Mas essa não tem volta. A omissão da Justiça eleitoral, que deixou transcorrer a bizarra candidatura impregnada de razões suficientes para a inabilitação, não permite que sejam desconsiderados os milhões de votos que – lamentavelmente – foram nele depositados.
Mas Bolsonaro tem sido pródigo em oferecer razões jurídicas suficientes para que seja impedido de prosseguir ocupando a presidência da República – ainda nos seus dois primeiros anos de mandato. Nesta hipótese, novas eleições seriam convocadas e isto representaria que o bordado com que a nossa frágil democracia vem sendo  construída poderia prosseguir novamente.
Que o STF tire a venda dos olhos… que ele enxergue a gravidade do momento. Senão por coragem e compromisso com a Constituição, que ele tenha a humanidade de dar início à correção de rumos colocando Lula em liberdade!
Assine e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.
Do GGN

A INCRÍVEL CONFISSÃO DO CABEÇA-DE-PLANILHA DE PAULO GUEDES, POR LUIS NASSIF

Diagnóstico é de que o País não enfrenta um problema de expectativa, mas de má alocação de recursos. Aqui, a bela entrevista escancarando a burrice nacional.
A entrevista a Renata Agostini e Eduardo Rodrigues, do Estadão, de Adolfo Sachsida, secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, é de doer, de desanimar. Poderia ser saudada pela coragem de autocrítica. Mas apenas reforça a sensação de que estamos sendo dirigidos, na política econômica, por burros, ineptos, irresponsáveis, amadores. E não é de agora. Vem do período Dilma, amplia-se no período Temer e prossegue no período Bolsonaro.
O que diz Sachida?
Primeiro, uma obviedade: “Só a Previdência não vai nos recolocar na rota das altas taxas de crescimento”. Alvíssaras!
“Honestamente, estamos numa situação tão ruim que só isso não basta mais. O PIB vai sair de 0,8% e vamos para 1,6%? Continua sendo baixo. “Hoje esse 1,6% está quase um sonho muito distante. Temos de agir para a coisa não ficar pior ainda”.
Pelo menos há uma pessoa que acordou do sonambulismo de Paulo Guedes.
 “Se essas medidas saírem em um ou dois meses, ainda tem efeito. Mas, se formos começar em setembro, por exemplo, muito difícil. Tem de ficar muito claro para todos: a economia brasileira não está indo bem”.
Finalmente, rompe o tabu e diz o óbvio.
O economista, que apoiou Jair Bolsonaro desde muito cedo e ajudou o ministro Paulo Guedes a montar o programa de governo, diz que a equipe econômica trabalha hoje com o diagnóstico de que o País não enfrenta um problema de expectativa, mas de má alocação de recursos.
Aqui, a bela entrevista escancarando a burrice nacional.
As etapas da recessão
Temos dois grandes problemas. Um fiscal muito grande. Outro é de má alocação de recursos. Uma coisa que sempre tive dúvidas é se o que estava acontecendo no Brasil era só um problema de expectativa ou se realmente era algo que ninguém estava olhando. Todos falavam que era expectativa, que quando passasse o cenário eleitoral o País voltaria a crescer.
Já aqui na Secretaria de Política Econômica pedi para estudarem o problema. Em 2014, a economia estava ruim. Em 2015, naquele ano horroroso, as empresas foram queimando garantias. A empresa tinha, por exemplo, um terreno e vendeu para continuar produzindo. Em 2016, já sem o terreno, ela vendeu os recebíveis do cartão de crédito. Em 2017, a economia então não cresceu novamente. Aí, quando em 2018 a economia ia voltar, o cara já estava fora do mercado, já havia fechado a empresa. Esse problema foi identificado em outros lugares do mundo e começamos a trabalhar com ele aqui.
Inacreditável! Um dado óbvio, as etapas da economia do desaquecimento à recessão, que os doutos economistas só se deram conta depois de identificado em outros países do mundo. Bastava um mínimo de conhecimento da lógica empresarial, e um mínimo de raciocínio microeconômico para entender os impactos desse desaquecimento continuado.
O problema da má alocação de recursos
Estamos com um problema muito sério de má alocação. Tecnicamente é quando você, por meio de uma política pública, direciona recursos para setores que não são os mais eficientes. Exemplo: você direcionou R$ 2 bilhões para construir um estádio de futebol em Brasília. Para que serve? Para nada. Só que tem outro problema: todo ano tem de colocar R$ 40 milhões para mantê-lo. Mas há outro problema ainda: tem shopping, centro de convenções ali? Não. Se eu quiser construir qualquer coisa lá ainda tenho de colocar abaixo aquele estádio. Esse é o problema de má alocação. Não é apenas que você gerou um erro no passado. É que esse erro continua custando à economia todo ano.
Evidente que houve muitos problemas de má alocação de recursos, especialmente com a megalomania da Copa. Mas a crise de hoje nada tem a ver com isso. Desde 2015 o problema é da não alocação de recursos, mas de cortes fiscais rigorosíssimos, continuados, que acentuaram a queda da economia.
Como corrigir a má alocação de recursos
Temos de corrigir a má alocação. Temos de rever vários dos fundos que direcionaram recursos para lugares que não dão retorno. Por exemplo, o FI-FGTS. Outro é o PIS/PASEP.
É surreal! Diz que vai resolver o problema da má alocação de recursos desviando recursos do financiamento à construção civil (FGTS) e do investimento do setor privado (PIS/PASEP), liquidando definitivamente com qualquer veleidade de alocação de recursos.
(…) Porque no governo passado, o que acontecia era uma insistência do lado da demanda. A economia está indo mal, então o governo gasta e estimula. Essa agenda está fora e não será repetida. Não tem aumento de gasto público. Ah, mas a demanda está fraca. Para corrigir um problema de má alocação de recursos, você tira de um setor e coloca em outro (lugar). É corrigir a curva de oferta, melhorar a produção da economia. Você gera, porém, um choque de demanda.
Do lado da demanda, significa melhorar o salário mínimo e a política de subsídios. A tal economia do lado da demanda, segundo esses gênios, consiste em tirar recursos do investimento. E ir para onde? Para onde iriam esses recursos do FGTS e PIS/PASEP. Se não vão para o investimento, irão para a demanda. Que mané economia do lado da oferta é essa?
Sobre a mudança do discurso
Infelizmente, você só vai se dando conta do tamanho do problema quando entende a complexidade dele. Quando corrigir o problema fiscal, principalmente da Previdência,  vai entrar muito dinheiro. O que acontece é que hoje o PIB brasileiro está estimado em 1% (para 2019). Está muito baixo. Aprovar a Previdência vai, sim, nos trazer investimento e ajudar muito. Agora, honestamente, estamos numa situação tão ruim que só isso não basta mais. Vai sair de 0,8% e vamos para 1,6%?
São os gastos mais onerosos de educação. O aprendizado desse pessoal custa pontos do PIB! Quando começam a aprender, estão politicamente tão desgastados que são demitidos. E o país tem que pagar novo curso para os seus sucessores, à custa do PIB.
Para onde irá a boa alocação de recursos
Não sei e não é a minha função saber. Esse é o erro do passado. Tenho de parar de tirar dinheiro de alguns e colocar no campeão nacional. Na hora que eu parar com isso,  o dinheiro vai migrar naturalmente para os setores mais eficientes. Essa é a estratégia do governo. Insisto: é a economia do lado da oferta.
Não se tem a menor ideia sobre o que seria a economia do lado da oferta. O sujeito cria um slogan vazio e não sabe como rechear de teoria.
Sobre a promessa de zerar o déficit público no 1º ano
A gente tinha certeza do tamanho do desafio fiscal. Mas muitas vezes se comunicar é mais difícil do que a gente pensa. Você acha que vai falar uma coisa e todo mundo vai entender. Me parece que estava claro o seguinte: vamos vender uma estatal. Daí alguém levanta a mão: mas isso não entra no primário! Então o que estava na cabeça do ministro e na minha era que iríamos resolver o problema do lado econômico.  Agora, o detalhe é como você endereça medidas econômicas. Essa é a nossa prioridade, tomar medidas que façam sentido do ponto de vista econômico. O que acontece é que boa parte dessas medidas não geram resultado primário na hora de contabilizá-las.
Do GGN

A OPERAÇÃO PF-INTERCEPT E CENAS DO PUTEIRO BRASIL, POR LUIS NASSIF

No puteiro Brasil, celebrou-se a grande festa pagã, entre parças jornalistas, donos de puteiro, saudando puteiros mais elevados, todos enrolados na mesma bandeira, celebrando a selvageria, a vingança, a destruição dos direitos e das leis
No auge do clima de terror implantado pela República de Curitiba, em conluio com a mídia, bastava uma crítica contra a operação para, no dia seguinte, algum jornalista-policial publicar nota zangada por policial-jornalista informando sobre supostas futuras denúncias contra o recalcitrante.
Desde 1964, não se viu jornalismo tão infame, tão covarde, ajudando a espalhar o medo, o terror. Bastava uma nota plantada, para intimidar qualquer crítico. Principalmente porque o Supremo Tribunal Federal havia liberado tudo, permitindo criminalizar qualquer conduta, ainda que sem nenhum respaldo nas leis e nos códigos.
Era o próprio Robespierre encarnado na figura de provincianos, sem nenhum brilho, nenhum compromisso, mas autorizados a matar com as armas emprestadas pela mídia.
No puteiro Brasil, celebrou-se a grande festa pagã, entre parças jornalistas, donos de puteiro, saudando puteiros mais elevados, todos enrolados na mesma bandeira, celebrando a selvageria, a vingança, a destruição dos direitos e das leis.
A tentativa de Sérgio Moro, através da previsível IstoÉ, de espalhar o terror sobre o The Intercept apenas consolida a suspeita que se formou, quando fez questão de tratar o dossiê como crime continuado. As sementes das ameaças atuais foram plantadas pouco tempo atrás, pela mesma parceria com a mídia.
Provavelmente, desta vez não terá sucesso. A grande noite do terror começa a ficar para trás. Os tíbios permanecerão mudos e quedos, as Carmens Lucias, Barrosos, Fux e Fachins continuarão seu jogo cúmplice.
Mas a opinião pública já os enxerga sem o manto diáfano da fantasia jurídica.
GGN

segunda-feira, 13 de maio de 2019

A BARGANHA EM QUE BOLSONARO PROMETEU O MESMO CARGO NO STF A MORO E A GEBRAN, POR LUIS NASSIF

O que levaria dois juízes regionais, sem nenhuma expressão nacional prévia, a expor de tal maneira o Judiciário a ponto de se incluir o STF em uma barganha espúria?
Em abril passado, circulou pela imprensa a informação de que o desembargador João Pedro Gebran Neto ocuparia a vaga de Celso de Mello no STF (Supremo Tribunal Federal). A escolha é do presidente da República. Seu amigo, ex-juiz Sérgio Moro ficaria com a segunda vaga, de Marco Aurélio de Mello, para, segundo Gebran, lhe dar tempo para se candidatar à presidência da República.
Ontem, o presidente Bolsonaro afagou Moro prometendo para ele a primeira vaga no STF que, pelo visto, já havia sido prometida a Gebran.
O que levaria dois juízes regionais, sem nenhuma expressão nacional prévia, a expor de tal maneira o Judiciário a ponto de se incluir o STF em uma barganha espúria? Certamente a contribuição imprescindível para a eleição de Bolsonaro, sendo peças-chave para a inabilitação da candidatura de Lula.
O trabalho de Gebran, no entanto, vai bastante além das decisões em que confirmou as sentenças de Moro. Vale a pena entender a importância de sua contribuição
Uma das regras de ouro de isenção da Justiça é o princípio da impessoalidade do julgador, de não haver direcionamento dos julgamentos por determinadas pessoas ou grupos.
Justamente para evitar manobras políticas da maioria, há um acordo tácito de que a presidência dos tribunais fica com o decano. É o que acontece no Supremo Tribunal Federal e acontecia no TRF4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) até o advento da Lava Jato.
Vamos entender melhor a engenharia política que alçou Gebran à inacreditável posição de candidato ao STF.
Peça 1 – as turmas do TRF4
O TRF 4 tem 8 turmas. As duas primeiras tratam de temas tributários e trabalhistas. A 3ª  e 4ª, temas administrativos, cíveis e comerciais. A 5a e 6ª para questões previdenciárias. E a 7ª e 8ª para questões penais.
O primeiro lance de Gebran foi articular mudanças na composição da 8ª Turma.
Era composta originalmente pelos desembargadores Luiz Fernando Wowk Penteado (quinto da OAB) e Paulo Afonso Brum Vaz, o decano do tribunal.
Paulo Afonso é considerado um magistrado técnico, sem envolvimento com grupos políticos. Era o nome mais antigo e seria alçado à presidência do TRF4. Com a alegação de que Paulo Afonso e Penteado havia entrado no mesmo ano, Gebran organizou o apoio a Penteado que foi eleito presidente, enquanto Paulo Afonso era eleito corregedor.
Ambos se afastaram da 8ª turma, que acolheu, então, Leandro Paulsen  e Victor Luiz dos Santos Laus, todos nenhuma experiência em direito penal. Paulsen é tributarista, Gebran é um civilista, especializado em direito à saúde e Laus especialista em direito previdenciário.
Lance 2 – a transferência da Lava Jato para a 8ª Turma
O segundo passo foi trazer para a 8ª Turma o caso Lava Jato.
Era para a Lava Jato ter caído na 7ª Turma. Em um gesto inesperado, a desembargadora Claudia Cristina Cristofani enviou um pedido para a 8ª Turma perguntando se Gebran não seria prevento, isto é, se o caso não seria de sua jurisdição. Apesar de nada ter com o tema, e ser amigo íntimo de Sérgio Moro, tendo ambos trabalhado nas imediações de Tríplice Fronteira, Gebran aceitou assumir o caso.
Lance 3 – o controle da presidência do TRF4
Dois anos depois, em 2017, vieram novas eleições. Paulo Afonso era o mais antigo, agora sem controvérsias. Mas Thompson Flores acabou rompendo com as regras tácitas, candidatando-se e sendo eleito presidente. A maioria se impunha definitivamente no TRF4, passando a atuar como partido político.
Ali se fechava o ciclo. Todos os julgamentos da Lava Jato seriam analisados pela nova composição da 8ª Turma e a presidência do Tribunal ficaria com Thompson Flores, conhecido por suas posições políticas de direita. Mostrando seu total envolvimento com o grupo, Thompson Flores foi o autor do mais extravagante elogio à sentença de Moro que seria analisada pelo TRF4: declarou ser tecnicamente irrepreensível, antes mesmo de ter lido.
A partir dali, o TRF4 passou a adotar posições que desrespeitavam a jurisprudência do STF – como considerar corrupção e lavagem de dinheiro crimes distintos, para poder aumentar as penas dos réus – ou subordinar o ritmo do julgamento à pauta eleitoral.
Lance 4 – o voto de Laus
No julgamento de Lula, chamou a atenção o fato dos três desembargadores terem apresentado voto por escrito, no mesmo teor, coincidindo até no agravamento abusivo das penas – como foi reconhecido posteriormente pelo próprio Superior Tribunal de Justiça.
Informações de dentro do TRF4 indicam que o desembargador Laus havia dado um voto divergente em determinado tema. A divergência permitiria aos advogados de Lula entrarem com os chamados embargos infringentes, atrasando a sentença, adiando a prisão e permitindo a Lula se envolver na campanha eleitoral que estava em curso e insistir na sua candidatura.
Laus teria sido convencido a modificar seu voto e se alinhar com os votos dos dois colegas. Tudo isso em um período em que Moro já tinha sido sondado em nome de Bolsonaro pelo futuro Ministro da Economia, Paulo Guedes, para assumir a pasta da Justiça, com a promessa de indicação para o STF. Provavelmente a promessa a Gebran foi nessa época, já que, após a sentença que inabilitou Lula, Bolsonaro não teria mais nenhum interesse em negociar cargos.
Lance 5 – as novas eleições do TRF4
No mês passado, houve novas eleições para a presidência do TRF4.
Mais uma vez, Paulo Afonso deveria ser o indicado para a presidência do órgão, pelo fato de ser o decano do tribunal. Mas Thompson Flores bancou a candidatura de Victor Laus.
Laus não é uma unanimidade entre os colegas. Paulo Afonso já tinha sido  corregedor com bom desempenho, enquanto Laus renunciou ao cargo de Coordenador da CoJef – um órgão que coordena os Juizados Especiais. A desistência pegou mal entre os colegas, porque demonstrou sua inaptidão para enfrentar missões administrativas.
Mesmo assim, recebeu 17 dos 27 votos de desembargadores votantes, mostrando o alinhamento do TRF4 com as teses da Lava Jato e da parceria com Bolsonaro.
Com a nova votação, Laus vai para a presidência do TRF4 e Thompson Flores assume seu lugar na 8ª Turma.
Lance 6 – a prenda do STF
Agora, com Bolsonaro escancarando a barganha com Sérgio Moro, e Gebran explicitando com amigos sua esperteza, a grande aventura vai chegando ao fim.  A imagem da Lava Jato vai se esgarçando à medida em que vai aparecendo o oportunismo de seus principais protagonistas.
Raquel Dodge expôs os procuradores paranaenses com a reação contra a tal fundação que lhes conferiria a gestão de um fundo bilionário. Bolsonaro expôs Moro com requintes de crueldade, ao mencionar o acordo, dois anos antes de se saber se vai cumprir o prometido.
Daqui para frente, cada dia de governo, para Moro, nunca será mais, será sempre menos.
Há um provérbio definitivo sobre os dilemas de Fausto ante Mefistófeles: a um soberano se concede tudo, menos a honra. Moro enfrenta, a partir de agora, o pior dos dilemas. Se não endossar os abusos de Bolsonaro, perde a indicação. Endossando, como ocorre agora, joga fora a imagem que a mídia construiu, e corre o risco de, no final do arco-íris, Bolsonaro não entregar o pote de ouro prometido. 
Do GGN

sábado, 11 de maio de 2019

PERCEPÇÕES SOBRE A INFLUÊNCIA NA EDUCAÇÃO DE ALGUNS CLÁSSICOS DA SOCIOLOGIA: DURKHEIM, WEBER E MARX, POR FÁBIO LIMA

Apesar das diferenças teóricas, os três autores compartilham da ideia de que a educação é uma instituição social central no desenvolvimento da sociedade.
Entre os três pensadores citados, Émile Durkheim (2009) foi o único a produzir uma teoria própria para a educação. A sua teoria se desenvolve ao afirmar que a educação é um fato social específico, com natureza própria, e que, por conta disso, deve ser objeto de uma especificação da sociologia: a sociologia da educação. Para Durkheim, as práticas educativas não devem ser entendidas como isoladas de outras práticas sociais, sendo que elas se relacionam como um todo, integrando-se para um fim comum. Tal fim comum em que a educação se insere, como desenvolve o autor, está fortemente ligado ao que é comum à coletividade e a manutenção da estrutura social. Na constituição desse campo de pesquisa, principal contribuição de Durkheim, a educação deve ainda ser vista como uma instituição, onde existem regras socialmente partilhadas, recompensas e castigos, deveres e direitos, considerando ainda que existem pessoas que se beneficiam dessas regras (TURA, 2004).
Seguindo pelo pensamento durkheimiano, a ação exercida por um professor ou um sistema escolar sobre as gerações que ainda estão se formando tem por objetivo suscitar e desenvolver na criança certo número de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade política no seu conjunto e pelo meio especial ao qual a criança, particularmente, se destina a ocupar (DURKHEIM, 2009). Seria então a educação a responsável por incutir os valores morais da sociedade e a responsável pela distribuição dos indivíduos no campo de trabalho segundo a necessidade dessa mesma sociedade, segundo escreve Félix Ortega (1999). Em tempo, vale destacar aqui, que os professores ou os pais não podem, segundo o pensamento de Durkheim, educar os seus filhos da maneira que quiserem, mas, por outro lado, devem apoiar a iniciativa pública da educação estatal em formar indivíduos de acordo os interesses da sociedade.
Max Weber, por outro lado, não produziu uma teoria sociológica específica sobre a educação. O pensamento sociológico do autor, de modo geral, parte do princípio de que a realidade é infinita e inesgotável e que, portanto, só é possível analisa-la a partir de ‘tipos ideais’ que tentam se aproximar da realidade. Para a educação, seu pensamento é identificado por seus leitores ao estudo de como as burocracias do Estado capitalista e da sociologia das religiões agem no sentido inculcação e legitimação de tipos de conduta para a manutenção de determinada estrutura social. Nesse sentido, a questão central na análise da função social da educação é que os bens educacionais existem para uns e são negados a outros, ou ainda de que os bens educacionais existem em formas diferentes para grupos sociais de status diferentes (WEBER, 1971). É possível também encontrar em sua sociologia uma perspectiva de defesa da meritocracia, pois segundo o autor, a educação é um fator de estratificação social, contribuindo para uma seleção social que acontece de uma forma permanente na sociedade (VILELA, 2004).
Conforme escreve Félix Ortega (2009), para Weber, a educação pode ser de três tipos: a carismática, orientada para despertar a capacidade considerada um dom puramente pessoal; a formativa, orientada para cultivar um determinado modo de vida que admita atitudes e comportamentos particulares; e a especializada, orientada a instruir o aluno em conhecimentos, em saberes concretos, necessários principalmente para o exercício de papéis sociais específicos nas sociedades racionalizadas. Podemos apontar ainda alguns temas que foram abertos para o estudo dentro da sociologia da educação como contribuição para a área de pesquisa, por exemplo, o tratamento da escola como aparato da manutenção da estrutura social ou o valor social dos diferentes tipos de diplomas e de culturas escolares ou o estudo dos sistemas escolares como sistemas de dominação (VILELA, 2004).
A teoria sociológica de Karl Marx, segundo escreve Gadotti (1984), baseia-se na ideia do conflito entre as classes, isto é, nas relações de poder presentes entre tais classes sociais. Para o filósofo Leandro Konder (2004), embora a escola seja uma instituição originalmente conservadora, o pensamento de Marx aponta a educação como a base de inculcação de valores com o propósito de mudar a sociedade no sentido de torna-la mais justa socialmente.
A educação é considerada por Karl Marx como parte da superestrutura que conserva o ordenamento social. Nesse sentido, conforme escreve Gadotti (1984), a educação, como uma das formas de socialização (como também é a família ou a igreja) continua a levar para as novas gerações as ideias e os valores da classe dominante como se fossem únicos. A classe dominante, por meio do controle material e da divulgação de suas ideias, torna o seu modo de vida a forma dominante, ao mesmo tempo em que encobre outras possibilidades de estruturação da sociedade, se tornando também dominante espiritualmente. Tal concepção é conceituada por Marx e Engels como Ideologia (MARX; ENGELS, 1994) e se reflete na escola de forma a manter o pensamento e o modus vivendi da classe dominadora de, ao menos, duas maneiras: o professor, se for um agente que não pensa as suas práticas, termina por disseminar as ideias e valores aos quais esteve submetido enquanto aluno; uma verdadeira divisão do trabalho é realizada pela diferenciação da educação empregada para as diferentes classes, isto é, educação intelectual para as classes dirigentes e educação técnica para as classes economicamente mais baixas, causando o que os pensadores chamaram de alienação.
Como saída desse modelo de educação dual e alienadora, as teorias educacionais baseadas no pensamento original de Marx afirmam que a escola pública deve preparar o homem para a emancipação e libertação (práxis libertadora) por meio de uma educação intelectual, ligada a instrução tecnológica, ou seja, uma educação unitária, completa, capaz de fazer o indivíduo compreender todo funcionamento do sistema (MARX, 1978). Esse ideário resume a grande contribuição para o campo da educação, quando educadores ligados a teorias progressistas, socialistas e construtivistas afirmam qual é o papel da educação quanto à sociedade e o indivíduo: fazer os indivíduos perceberem que são construtores da própria história e da história de sua sociedade. Trata-se de estimular o inconformismo, a inquietação, incentivar o desenvolvimento da capacidade questionadora e a disposição crítica, trata-se de desenvolver no indivíduo uma perspectiva de busca por melhores condições de vida para si e para a sua sociedade.
Apesar das diferenças teóricas, os três autores compartilham da ideia de que a educação é uma instituição social central no desenvolvimento da sociedade, havendo a necessidade de diálogo com outras instituições nacionais, como a cultura, a economia e a política, quer para entender como está estruturada a sociedade, quer para propor qualquer mudança para o seu futuro.
Durkheim, E. (2009). Educação e Sociologia. Lisboa: Edições 70.
GADOTTI, Moacir. Concepção dialética da educação: um estudo introdutório. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 1984.
KONDER, Leandro (2004). Marx e a sociologia da educação.
MARX, K. (1978). Crítica da Educação e do Ensino. Lisboa: Moraes.]
MARX, Karl, ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. 11. ed. São Paulo: Hucitec, 1994.
ORTEGA, F. (1999). “La educación como forma de dominación: una interpretación de la sociologia de la educación durkheimiana” in M. F. Enguita, Sociologia de la Educación. Barcelona: Ariel.
TURA, Maria de Lourdes (2004). Durkheim e a educação.
VILELA, Rita Amélia (2004). Max Weber 1864 – 1920: Entender o homem e desvelar o sentido da ação social.  IN: TURA, Maria de Lourdes et. al (2004). Sociologia para educadores. Rio de Janeiro. Ed. Quartet.
WEBER, M. (1971). Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: Zahar.
Do GGN

sábado, 6 de abril de 2019

BARROSO FAZ POLÍTICA COLOCANDO SUPOSTOS ANSEIOS DA SOCIEDADE ACIMA DA CONSTITUIÇÃO, POR MARCELO SEMER

A ideologia do que se pensa que é ou deveria ser a sociedade não permite que se ultrapasse os valores que ela expressamente firmou na Constituição.
Em Revista Cult, O dono das ruas
“A legislação precisa evoluir, como a sociedade tem evoluído”.
O ministro Luís Roberto Barroso parece ter se especializado em ser uma espécie de consciência da sociedade no plenário do STF. Algo como um tradutor para o mundo dos tribunais, dos anseios mais íntimos ou das necessidades mais prementes da nação.
Ao votar pelo esvaziamento da presunção de inocência com a prisão em segunda instância, privilegiou, segundo firmou no próprio voto, “as legítimas demandas da sociedade”. “O fim da prisão em segunda instância faria o crime compensar”, disse depois em entrevista. Isso porque rever o tema serviria à impunidade que a sociedade não mais suporta…. Para decidir sobre a validade da candidatura Lula, todavia, não se preocupou em frustrar a opção de voto de quase metade dos eleitores.
Em palestras, Barroso costumava dizer que há momentos em que a sociedade está em um impasse e o arranjo institucional empaca e impede certos avanços necessários. O Judiciário, dizia o professor, pode dar um empurrãozinho.
Supondo-se que a tese fosse mesmo palatável seria o caso de se perguntar: empurrar, mas para que lado?
A frase que abre esse artigo, por exemplo, foi dita na votação da constitucionalidade da terceirização, com a qual o STF, por sete votos a quatro, sepultou um tradicional entendimento da Justiça Trabalhista no sentido de que a terceirização não valeria para atividades-fim. Uma escola, afinal, deveria ter seus próprios professores, e não contratá-los por meio de um intermediário.
Seria essa nova posição uma evolução da sociedade, que as leis devem acompanhar? Não é o que parece.
Pouco antes da aprovação da reforma, a rejeição da sociedade ao projeto era intensa, conforme concluíram os mais variados institutos de pesquisa. O Datafolha, por exemplo, fincava em mais de 60% a contrariedade com as mudanças. Trechos das respostas, ademais, mostraram que os trabalhadores tinham entendido bem o recado: para a maior parcela, ela trará menos direitos aos trabalhadores; entre os que tomaram conhecimento do assunto o pessimismo é maior (70%); e quanto aos benefícios que a reforma trabalhista irá trazer, 64% avaliaram que ela trará mais benefícios aos empresários do que para os trabalhadores.
Ninguém duvida de que esta foi uma reforma projetada pelos patrões, financiada pelos patrões e até redigida pelos patrões – as pegadas foram visíveis nas comissões do Congresso.
O objetivo era simples: desconstruir a legislação protetiva que o país edificou ao curso de muitas décadas, da criação da CLT por Getúlio Vargas às consagrações dos direitos sociais na Constituição Cidadã. Um dos poucos fragmentos, aliás, do nosso esquálido estado social que ainda estava de pé.
Para reformar as leis trabalhistas, não foram poupados esforços: seu enlace envolveu até mesmo a deposição da presidenta eleita. A reforma foi feita, assim, no único espaço em que ela seria possível, tamanha a sua impopularidade: na interinidade de um presidente que jamais submeteu o tema a seus eleitores em campanha. A ponte para o futuro que Michel Temer prometeu ao mercado – e a todos que entendem que a legislação deve evoluir, porque a sociedade evoluiu – só existiu diante da subtração eleitoral que o impeachment concretizou.
Um dos pilares desta reforma foi justamente a tese de que o negociado devia prevalecer sobre o legislado, já por si só uma antítese do sistema protetivo, preterido em face da lei do mais forte.
Acordo, consensos, união de todos em prol dos melhores objetivos para a economia e mais empregos. Pelo sim pelo não, os reformistas cuidaram criteriosamente de esvaziar o poder sindical antes que as negociações começassem. Primeiro, nos caixas, porque era absurdo que os sindicatos fossem mantidos com dinheiro dos próprios trabalhadores. Como de costume, a liberdade foi o pretexto.
E como isso ainda era pouco para quebrar a espinha dorsal dos sindicatos, veio também a terceirização, para obstar que os trabalhadores continuem se reunindo por categorias, porque, como boa mercadoria que são, estarão submetidos aos mais inusitados mercadores de mão-de-obra.
Como lembra Marcus Barberino Mendes em Terceirização: o que é, o que não é, e o que pode ser (Estúdio Editores), “é como se figuras conhecidas da época do regime econômico mercantil-escravista, como o capataz, o capitão do mato ou o comerciante ‘negreiro’, adquirissem nova roupagem no âmbito da sociedade capitalista”.
Realidade por realidade, as pesquisas também indicam, de forma consistente, que os terceirizados trabalham mais, ganham menos, se acidentam mais e ficam menos tempo nos empregos. A ministra Carmen Lúcia se apressou em dizer que, se por acaso, vier a precarização “há o Judiciário para impedir esses abusos”. Difícil crer que este discurso, proferido na mesma sessão que consagrou a terceirização ampla, geral e irrestrita, possa servir para tranquilizar qualquer trabalhador.
A questão que nos cerca, todavia, vai além da desmontagem do direito do trabalho– e, a serem cumpridas as ameaças que se propagam conjuntamente, também da Justiça do Trabalho: é compreender o que legitima a leitura evolucionista que permite que ministros do STF, Luís Roberto Barroso em especial, se entendam competentes para dar um empurrãozinho na história e como escolhem os lados desse tranco. Afinal, ouvir a voz das ruas nas matérias penais e ignorá-las nas questões eleitorais não parece propriamente ser um atributo compatível com o Estado Democrático de Direito.
Os votos que colocaram Dilma Rousseff por duas vezes na Presidência da República não eram de patrões ansiosos por fazer a legislação evoluir, tal qual seus prestimosos interesses. Foram os de trabalhadores receosos pelo extermínio de seus direitos. Não foram de empreendedores que buscam um Estado que não os atrapalhasse; mas daqueles que, como diria pejorativamente Luís Roberto Barroso, são viciados em Estado. Enfim, não foram daqueles que entoam a liberdade como trampolim para a opressão.
É estranho que esses votos tenham se transformado justamente no mecanismo que viabilizou a concretização dos mais tenebrosos pesadelos de seus eleitores.
Talvez seja o caso de aprendermos um pouco mais com os Estados Unidos, de onde importamos a tradição de o presidente da República indicar os ministros da Suprema Corte. A questão chega a ser, inclusive, tema de campanha eleitoral. Os democratas escolhem liberais; os republicanos escolhem conservadores. Quando a Corte está dividida, já se sabe para onde tenderão as questões mais candentes, de acordo com o resultado das eleições. Não é uma surpresa ou uma decepção. Os eleitores sabem com antecedência que tipo de empurrão o pode-se esperar do Judiciário.
Tanto lá como cá, os juízes são independentes, mas não neutros. Tem diferentes compreensões da sociedade e na interpretação dos textos legais repousa um inarredável componente ideológico. Todas as tentativas de manter tais diferenças submersas redundaram em alguma forma de autoritarismo e uma porção ainda maior de ideologia. Mas cabe um alerta: nem a ideologia do que se pensa que é ou deveria ser a sociedade permite que se ultrapasse os valores que ela expressamente firmou na Constituição.
Quando o juiz busca interpretar a realidade por sobre as normas constitucionais, está judicializando a política. Terceirizando, por assim dizer, o papel dos políticos, que são quem detêm legalmente essa competência.
Por exemplo, ao dizer que a sociedade não aguenta mais a impunidade e por isso deve valer a prisão automática em segunda instância – mesmo que a Constituição diga o reverso. Ou que a sociedade está evoluindo e, portanto, este deve ser o critério de interpretação da norma sobre terceirização – e não, propriamente, o fato de que ela esvazia todo o sentido protetivo da legislação trabalhista abrigada na própria Constituição.
É curioso que isto tenha se viabilizado especialmente pela judicatura de Luís Roberto Barroso, de quem gerações de estudantes e profissionais do direito aprenderam a primeira lição sobre a nova hermenêutica: a Constituição não deve ser vista apenas como um documento político e sim como um documento jurídico. Ou seja, vale o que está escrito.
Usar o álibi da voz das ruas pode ser um componente perigoso, portanto, para quem tem o compromisso de zelar pela Constituição – até porque, em certas situações, a Constituição tem a função de defender o povo de si mesmo.
Mas para além da usurpação de funções, o mecanismo traz ainda um problema de difícil resposta, que é o de saber, efetivamente, o que as ruas estão dizendo.
O brocardo italiano tradutor, traidor parece se amoldar com ainda mais precisão nestes momentos.
MARCELO SEMER é juiz de Direito e escritor. Mestre em Direito Penal pela USP, é também membro e ex-presidente da Associação Juízes para a Democracia.
GGN