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segunda-feira, 15 de abril de 2019

FORAM OS ECONOMISTAS, NÃO OS BOLSOMINIONS, QUE ATROPELARAM A RAZÃO, POR LUIS NASSIF

Grandes grupos nacionais naufragaram com CEOs genéricos, da Sadia à BRF, o Unibanco e, agora, a Vale do Rio Doce. E, no plano internacional, a desmoralização do modelo de gestão do pai de todos os genéricos, Jorge Paulo Lehman.
Tenho escrito alguns artigos sobre a praga do CEO genérico – o sujeito que só trabalha em cima do conceito de corte de custos e de aumento da rentabilidade da empresa no curto prazo.
Grandes grupos nacionais naufragaram com esses tipos, da Sadia à BRF (a tempo, os sócios trocaram um genérico por um do setor), o Unibanco e, agora, a Vale do Rio Doce. E, no plano internacional, a desmoralização do modelo de gestão do pai de todos os genéricos, Jorge Paulo Lehman.
O universo de uma empresa passa por inovação, segurança, desenvolvimento de novos produtos, atenção às mudanças no mercado. Mas o CEO genérico é focado exclusivamente na busca de resultados de curto prazo. O que importa é a distribuição de bônus a cada trimestre e o corte de custos.
Narrei aqui o deslumbramento de executivos da Sadia, quando o conselheiro Vicente Falconi descobriu um método de economizar água na lavagem dos uniformes; ao mesmo tempo em que se descuidava de uma norma básica de gestão: o departamento incumbido de analisar riscos de operações financeiras estava diretamente subordinado ao diretor financeiro, incumbido de correr riscos de operações financeiras. A Sadia quebrou, mesmo economizando a água da lavagem dos uniformes. Assim como no setor público, é o Executivo maior que dá a orientação geral, o enfoque a ser seguido pelos subordinados. Quando o enfoque é unicamente melhorar a rentabilidade, a empresa mata seu futuro; como mataria se o enfoque fosse o de aumentar os preços a qualquer custo.
Quando se subordina toda política econômica ao Ministro da Fazenda, o resultado é o mesmo. A partir de Paulo Haddad (o último Ministro da Fazenda com conhecimento do funcionamento da economia real), nenhum dos Ministros posteriores tinha a menor noção sobre a relevância das políticas científico-tecnológicas, do apoio à pequena e micro empresa, dos programas de treinamento profissional do sistema S, das estratégias comerciais, dos modelos de financiamento de longo prazo, do impacto do câmbio apreciado sobre a atividade industrial.
E sequer sobre as correlações entre os setores da economia. Por conta da preponderância massacrante da análise econômica de mercado, o Brasil criou uma ciência econômica aplicada tão irracional quanto os argumentos de bolsonaristas nas redes sociais. Assim como o CEO genérico, o analista de mercado quer saber apenas a influência dos eventos econômicos sobre as cotações de mercado.
O jogo do micro preto
Montou-se um jogo perverso, no qual os grandes gestores criam questões ilusórias para provocar a alta dos mercados. Por exemplo, se a reforma da Previdência for aprovada, o mercado explode. Aí, com a ajuda preciosa do jornalismo econômico-financeiro, vai alimentando as expectativas. Se um fenômeno internacional provoca a alta do dólar, eles explicam que ela se deveu ao menor esforço do governo em aprovar a reforma. E vai-se em frente com um jornalismo subdesenvolvido.
Quando está perto do fato (ou da aprovação ou rejeição da reforma), o primeiro time vende seus ativos no pico e começa a alimentar o discurso negativo. O mercado despenca e o jogo recomeça. E para onde eles vão, a mídia vai atrás.
Nesse loucura, perdeu-se qualquer noção de correlação econômica.
A ciência-demência da economia
A melhor definição para o jogo de manipulação da ciência foi Olavo de Carvalho, em um artigo dos anos 90 intitulado “Ciência e Demência”.
Dizia ele que o intelectual se torna respeitado e conhecido devido a uma determinada teoria que abraçou. A teoria se torna tudo para ele, seu ganha pão, sua fonte de prestígio. Aí, ele começa a observar a realidade, e o que vê na bate com a teoria que aprendeu. Mas, como ele é um intelectual, ele desenvolve uma nova teoria para provar que aquilo que ele está vendo não existe.
Desde que comecei a questionar dogmas acadêmicos, ainda nos anos 80, me surpreendia com esse padrão de auto-defesa de escolas acadêmicas.
Lembro de uma defesa da indústria nacional infante, e o economista amigo me fuzilando: “Você se tornou um mercantilista!”. E eu apenas queria ver a solução de um problema da industrialização brasileira. Ou, fazendo a defesa do mercado de capitais como forma de reciclar, para a economia real a acumulação financeira do período anterior. “Você se tornou um neoliberal!”.
Esse conjunto de slogans em nada fica a dever ao padrão de argumentação dos bolsominios no Twitter. Na verdade, a perda de foco na análise dos fatos foi uma praga antiluminista que atingiu todos os setores das ciências humanas, da economia ao direito – nesse campo, o maior estimulador desse antirracionalismo foi o Ministério Luis Roberto Barroso, do STF, tornando a decisão jurídica uma interpretação aleatória do que supostamente pensa a opinião pública.
O melhor exemplo da ciência-demência foi fornecido, recentemente, por Edmar Bacha, em um artigo em que tentava rebater argumentos de André Lara Resende sobre gastos públicos.
Bacha pegou um tema específico: o peso dos juros no déficit público nominal (deficit primário +  juros). Disse que não era 7,5%, mas 3,5%, “logo, os juros têm que seguir abaixo da expectativa de crescimento do PIB”.
Qual a relação de causalidade? Nenhuma. Mas o argumento tornou-se padrão e Bacha se vê autorizado a repetir em qualquer ambiente.
O grande Dionísio Dias Carneiro, economista neoclássico, lá pelos anos 90 definiu bem o novo jogo que se armava, em torno da era das planilhas eletrônicas:
O jovem economista junta duas séries, sem nenhuma correlação, e tira conclusões taxativas sobre elas.
É o que ocorre nas políticas de estímulo à demanda. A raiz de todos os males atuais está na queda da demanda: queda de emprego e de renda, endividamento das empresas e famílias, queda da arrecadação fiscal, inviabilização das concessões rodoviárias e de aeroportos – obviamente com a contribuição fundamental da Lava Jato, destruindo a engenharia nacional.
No entanto, todas as soluções apresentadas passam por restrições de demanda visando criar um suposto choque de expectativas positivas. Se o empresário acreditar que a reforma da Previdência será bem sucedida, ele voltará a investir. Mesmo que todas as decisões tenham sido no sentido de contrair ainda mais a demanda.
Mas vender para quem? E a troco de quê investir se a crise gerou capacidade ociosa? 
Analise no gráfico o conjunto de medidas tomadas desde Joaquim Levy com a intenção de recuperar a demanda:
elevação da taxa real de juros – antidemanda;
corte drástico nos gastos – antidemanda
PEC do teto – antidemanda
redução dos programas sociais – antidemanda
travamento do crédito – antidemanda
esvaziamento do BNDES – antidemanda.
É evidente que há limites para os gastos públicos. Mas esses limites são dados pelo nível de preços ou pelas contas externas. Se uma economia está bombando, a receita fiscal também estará bombando, o nível de desemprego está caindo, a renda está subindo. Chega um momento em que poderá ocorrer um super-aquecimento, gerando inflação.
Justamente por isso, a política econômica é muito mais arte do que ciência, muito mais conhecimento do mundo real – isto é, da maneira como os agentes econômicos irão reagir às decisões de política econômica – do que as suposições contidas nos manuais. Qual a dosagem ideal de aumento nos gastos públicos que provoque um aumento da receita fiscal superior ao gastos efetuado? Não há manual que resolva essa questão. Mas qualquer norma de bom senso, qualquer análise dos fundamentos da economia, sabe que, quando a economia cai, cortes fiscais aceleram ainda mais a queda. Nem essa lição básica a política econômica brasileira aprendeu. É por isso que todo ano começa com uma projeção de crescimento que vai se diluindo à medida em que o tempo passa. A fé move montanhas, mas não ressuscita PIB fuzilado pela política econômica.
O Brasil tornou-se uma sociedade irracional. E a culpa não foi dos Bolsonaro. Eles apenas saíram às ruas, quando uma suposta elite intelectual abriu as portas das jaulas.
GGN