Grandes
grupos nacionais naufragaram com CEOs genéricos, da Sadia à BRF, o Unibanco e,
agora, a Vale do Rio Doce. E, no plano internacional, a desmoralização do
modelo de gestão do pai de todos os genéricos, Jorge Paulo Lehman.
Tenho
escrito alguns artigos sobre a praga do CEO genérico – o sujeito que só
trabalha em cima do conceito de corte de custos e de aumento da rentabilidade
da empresa no curto prazo.
Grandes
grupos nacionais naufragaram com esses tipos, da Sadia à BRF (a tempo, os
sócios trocaram um genérico por um do setor), o Unibanco e, agora, a Vale do
Rio Doce. E, no plano internacional, a desmoralização do modelo de gestão do
pai de todos os genéricos, Jorge Paulo Lehman.
O
universo de uma empresa passa por inovação, segurança, desenvolvimento de novos
produtos, atenção às mudanças no mercado. Mas o CEO genérico é focado
exclusivamente na busca de resultados de curto prazo. O que importa é a
distribuição de bônus a cada trimestre e o corte de custos.
Narrei
aqui o deslumbramento de executivos da Sadia, quando o conselheiro Vicente
Falconi descobriu um método de economizar água na lavagem dos uniformes; ao
mesmo tempo em que se descuidava de uma norma básica de gestão: o departamento
incumbido de analisar riscos de operações financeiras estava diretamente
subordinado ao diretor financeiro, incumbido de correr riscos de operações
financeiras. A Sadia quebrou, mesmo economizando a água da lavagem dos
uniformes. Assim como no setor público, é o Executivo maior que dá a orientação
geral, o enfoque a ser seguido pelos subordinados. Quando o enfoque é
unicamente melhorar a rentabilidade, a empresa mata seu futuro; como mataria se
o enfoque fosse o de aumentar os preços a qualquer custo.
Quando
se subordina toda política econômica ao Ministro da Fazenda, o resultado é o
mesmo. A partir de Paulo Haddad (o último Ministro da Fazenda com conhecimento
do funcionamento da economia real), nenhum dos Ministros posteriores tinha a
menor noção sobre a relevância das políticas científico-tecnológicas, do apoio
à pequena e micro empresa, dos programas de treinamento profissional do sistema
S, das estratégias comerciais, dos modelos de financiamento de longo prazo, do
impacto do câmbio apreciado sobre a atividade industrial.
E
sequer sobre as correlações entre os setores da economia. Por conta da
preponderância massacrante da análise econômica de mercado, o Brasil criou uma
ciência econômica aplicada tão irracional quanto os argumentos de bolsonaristas
nas redes sociais. Assim como o CEO genérico, o analista de mercado quer saber
apenas a influência dos eventos econômicos sobre as cotações de mercado.
O jogo do micro preto
Montou-se
um jogo perverso, no qual os grandes gestores criam questões ilusórias para
provocar a alta dos mercados. Por exemplo, se a reforma da Previdência for
aprovada, o mercado explode. Aí, com a ajuda preciosa do jornalismo
econômico-financeiro, vai alimentando as expectativas. Se um fenômeno
internacional provoca a alta do dólar, eles explicam que ela se deveu ao menor esforço
do governo em aprovar a reforma. E vai-se em frente com um jornalismo
subdesenvolvido.
Quando
está perto do fato (ou da aprovação ou rejeição da reforma), o primeiro time
vende seus ativos no pico e começa a alimentar o discurso negativo. O mercado despenca
e o jogo recomeça. E para onde eles vão, a mídia vai atrás.
Nesse
loucura, perdeu-se qualquer noção de correlação econômica.
A ciência-demência da
economia
A
melhor definição para o jogo de manipulação da ciência foi Olavo de Carvalho,
em um artigo dos anos 90 intitulado “Ciência e Demência”.
Dizia
ele que o intelectual se torna respeitado e conhecido devido a uma determinada
teoria que abraçou. A teoria se torna tudo para ele, seu ganha pão, sua fonte
de prestígio. Aí, ele começa a observar a realidade, e o que vê na bate com a
teoria que aprendeu. Mas, como ele é um intelectual, ele desenvolve uma nova
teoria para provar que aquilo que ele está vendo não existe.
Desde
que comecei a questionar dogmas acadêmicos, ainda nos anos 80, me surpreendia
com esse padrão de auto-defesa de escolas acadêmicas.
Lembro
de uma defesa da indústria nacional infante, e o economista amigo me fuzilando:
“Você se tornou um mercantilista!”. E eu apenas queria ver a solução de um
problema da industrialização brasileira. Ou, fazendo a defesa do mercado de
capitais como forma de reciclar, para a economia real a acumulação financeira
do período anterior. “Você se tornou um neoliberal!”.
Esse
conjunto de slogans em nada fica a dever ao padrão de argumentação dos
bolsominios no Twitter. Na verdade, a perda de foco na análise dos fatos foi
uma praga antiluminista que atingiu todos os setores das ciências humanas, da
economia ao direito – nesse campo, o maior estimulador desse antirracionalismo
foi o Ministério Luis Roberto Barroso, do STF, tornando a decisão jurídica uma
interpretação aleatória do que supostamente pensa a opinião pública.
O
melhor exemplo da ciência-demência foi fornecido, recentemente, por Edmar
Bacha, em um artigo em que tentava rebater argumentos de André Lara Resende
sobre gastos públicos.
Bacha
pegou um tema específico: o peso dos juros no déficit público nominal (deficit
primário + juros). Disse que não era 7,5%, mas 3,5%, “logo, os juros
têm que seguir abaixo da expectativa de crescimento do PIB”.
Qual
a relação de causalidade? Nenhuma. Mas o argumento tornou-se padrão e Bacha se
vê autorizado a repetir em qualquer ambiente.
O
grande Dionísio Dias Carneiro, economista neoclássico, lá pelos anos 90 definiu
bem o novo jogo que se armava, em torno da era das planilhas eletrônicas:
O
jovem economista junta duas séries, sem nenhuma correlação, e tira conclusões
taxativas sobre elas.
É
o que ocorre nas políticas de estímulo à demanda. A raiz de todos os males
atuais está na queda da demanda: queda de emprego e de renda, endividamento das
empresas e famílias, queda da arrecadação fiscal, inviabilização das concessões
rodoviárias e de aeroportos – obviamente com a contribuição fundamental da Lava
Jato, destruindo a engenharia nacional.
No
entanto, todas as soluções apresentadas passam por restrições de demanda
visando criar um suposto choque de expectativas positivas. Se o empresário
acreditar que a reforma da Previdência será bem sucedida, ele voltará a
investir. Mesmo que todas as decisões tenham sido no sentido de contrair ainda
mais a demanda.
Mas
vender para quem? E a troco de quê investir se a crise gerou capacidade ociosa?
Analise
no gráfico o conjunto de medidas tomadas desde Joaquim Levy com a intenção de
recuperar a demanda:
elevação
da taxa real de juros – antidemanda;
corte
drástico nos gastos – antidemanda
PEC
do teto – antidemanda
redução
dos programas sociais – antidemanda
travamento
do crédito – antidemanda
esvaziamento
do BNDES – antidemanda.
É
evidente que há limites para os gastos públicos. Mas esses limites são dados
pelo nível de preços ou pelas contas externas. Se uma economia está bombando, a
receita fiscal também estará bombando, o nível de desemprego está caindo, a
renda está subindo. Chega um momento em que poderá ocorrer um
super-aquecimento, gerando inflação.
Justamente
por isso, a política econômica é muito mais arte do que ciência, muito mais
conhecimento do mundo real – isto é, da maneira como os agentes econômicos irão
reagir às decisões de política econômica – do que as suposições contidas nos
manuais. Qual a dosagem ideal de aumento nos gastos públicos que provoque um
aumento da receita fiscal superior ao gastos efetuado? Não há manual que
resolva essa questão. Mas qualquer norma de bom senso, qualquer análise dos
fundamentos da economia, sabe que, quando a economia cai, cortes fiscais
aceleram ainda mais a queda. Nem essa lição básica a política econômica
brasileira aprendeu. É por isso que todo ano começa com uma projeção de crescimento
que vai se diluindo à medida em que o tempo passa. A fé move montanhas, mas não
ressuscita PIB fuzilado pela política econômica.
O
Brasil tornou-se uma sociedade irracional. E a culpa não foi dos Bolsonaro.
Eles apenas saíram às ruas, quando uma suposta elite intelectual abriu as
portas das jaulas.
GGN