Há uma boa possibilidade de que o Senado cumpra com seus
deveres e vote contra Aécio Neves na votação desta terça feira.
A primeira razão é o fato do STF (Supremo Tribunal Federal)
ter abdicado de suas obrigações de julgar e transferido a batata quente para o
Senado. Será a oportunidade do Senado demonstrar que tem autorregularão. A
degola de Aécio será uma demonstração irretorquivel da superioridade moral do
Senado sobre o STF, afastando vez por todas os riscos da ditadura do
Judiciário.
Ao contrário da Câmara, que se transformou em uma casa da mãe
Joana, e do Supremo, que se transformou em uma Babel, no Senado ainda existe um
grupo de senadores com responsabilidade institucional – mesmo entre aqueles que
estão na linha de fogo da Lava Jato.
A segunda razão é que Aécio já era. Absolvido, será um
cadáver político assombrando o Senado, cada passo seu sendo acompanhado pela
opinião pública e cada aproximação com um colega sendo encarada com suspeição.
Mantido no cargo, Aécio será um incômodo permanente, mesmo que não avancem as
investigações sobre o helicoca.
Já o Supremo vive uma situação inédita de desmoralização. Se
votasse pela cassação de Aécio, reforçaria os piores temores sobre a
politização excessiva do órgão e sobre a caminhada na direção da ditadura do
Judiciário. Não votando, salientou como nunca a ideia dos dois pesos, duas
medidas: o voto que condenou Eduardo Cunha e Delcídio do Amaral é o que
absolveu Aécio.
O voto estabanado da presidente Carmen Lúcia ampliou o
desgaste da corte. Seu voto foi interpretado não como sinal de respeito por
outro poder, mas como solidariedade ao conterrâneo: a Carminha salvando o
Aecinho.
Fosse qual fosse a decisão sobre Aécio, o Supremo se enredou
na armadilha da incoerência. Pressionado pelo clamor da turba, aprovou
decisões, contra Cunha e Delcídio, que não passariam em um ambiente político
“normal” – isto é, sem a presença do “inimigo”, no caso o PT. Abdicou de seus
deveres constitucionais não por prepotência, mas por se curvar ao clamor das
ruas.
Com isso, ficou prisioneiro dos seus atos.
No momento seguinte, não tem condições de sustentar a mesma
posição, porque agora o alvo é alguém da banda branca. Por mais prudente e
correta que seja a posição atual, de não confrontar o Senado, como justifica-la
à luz das votações anteriores?
Não há mais o menor sinal de haver juízes no Supremo, ou
seja, julgadores que se atenham aos fatos e saibam pesar todos os lados. Metade
do Supremo é de vingadores em qualquer circunstância; metade é de garantistas
em qualquer situação. E a presidente se achava indecisa, mas agora não tem
muito certeza.
No pano de fundo, o esgarçamento total de princípios doutrinários,
a fé na democracia, a defesa intransigente da Constituição, a busca do
equilíbrio social, o combate às diferenças sociais e outros pontos centrais na
Constituição brasileira. Hoje, o Supremo se permite Ministros dispostos a
derrogar a Constituição sem terem recebido um voto sequer dos eleitores.
É nesse quadro que o Senado poderia assumir um papel
relevante, de ser o coordenador institucional da volta à normalidade
democrática. Basta ter a coragem de cortar a própria carne.
GGN