Credores têm melhor memória do que
devedores (Benjamin Franklin).
Prezado ex-colega Deltan Dallagnol,
Primeiramente digo "ex", porque apesar de dizerem ser
vitalício, o cargo de membro do ministério público, aposentei-me para não ter
que manter relação de coleguismo atual com quem reputo ser uma catástrofe para
o Brasil e sobretudo para o sofrido povo brasileiro. Sim, aposentado,
considero-me "ex-membro" e só me interessam os assuntos domésticos do
MPF na justa medida em que interferem com a política nacional. Pode deixar que
não votarei no rol de malfeitores da república que vocês pretendem indicar, no
lugar de quem deveria ser eleito para tanto (Temer não o foi), para o cargo de
PGR.
Mas, vamos ao que interessa: seu mais recente vexame como
menino-propaganda da entidade para-constitucional "Lava Jato". Coisa
feia, hein? Se oferecer a dar palestras por cachês! Essa para mim é novíssima.
Você, então, se apropriou de objeto de seu trabalho funcional, esse monstrengo
conhecido por "Operação Lava Jato", uma novela sem fim que já vai
para seu infinitésimo capítulo, para dele fazer dinheiro? É o que se diz num
sítio eletrônico de venda de conferencistas. Se não for verdade, é bom
processar os responsáveis pelo anúncio, porque a notícia, se não beira a
calúnia é, no mínimo, difamatória. Como funcionário público que você é,
reputação é um ativo imprescindível, sobretudo para quem fica jogando lama
"circunstancializada" nos outros, pois, em suas acusações, quase
sempre as circunstâncias parecem mais fortes que os fatos. E, aqui, as
circunstâncias, o conjunto da obra, não lhe é nada favorável.
Sempre achei isso muito curioso. Muitos membros do Ministério Público
não se medem com o mesmo rigor com que medem os outros. Quando fui
corregedor-geral só havia absolvições no Conselho Superior. Nunca punições. E
os conselheiros ou as conselheiras mais lenientes com os colegas eram
implacáveis com os estranhos à corporação, daquele tipo que acha que parecer
favorável ao paciente em habeas corpus não é de bom tom para um
procurador. Ferrabrás para fora e generosos para dentro.
Você também se mostra assim. Além de comprar imóvel do programa
"Minha Casa Minha Vida" para especular, agora vende seu conhecimento
de insider para um público de voyeurs moralistas da desgraça alheia. É
claro que seu sucesso no show business se dá porque é membro do Ministério
Público, promovendo sua atuação como se mercadoria fosse. Um detalhe parece que
lhe passou talvez desapercebido: como funcionário público, lhe é vedada
atividade de comércio, a prática de atos de mercancia de forma regular para
auferir lucro. A venda de palestras é atividade típica de comerciante. Você
poderia até, para lhe facilitar a tributação, abrir uma M.E., não fosse a
proibição categórica.
E onde estão os órgãos disciplinares? Não venha com esse papo de que
está criando um fundo privado para custear a atividade pública de repressão à
corrupção. Li a respeito dessa versão a si atribuída na coluna do Nassif. A
desculpa parece tão abstrusa quanto àquela do Clinton, de que fumou maconha mas
não tragou. Desde quando a um funcionário é lícita a atividade lucrativa para
custear a administração? Coisa de doido! É típica de quem não separa o público
do privado. Um agente patrimonialista par excellence, foi nisso que você
se converteu. E o mais cômico é que você é o acusador-mor daqueles a quem
atribui a apropriação privada da coisa pública. No caso deles, é corrupção; no
seu, é virtude. É difícil entender essa equação.
Todo cuidado com os moralistas é pouco. Em geral são aqueles que adoram
falar do rabo alheio, mas não enxergam o próprio. Para Lula, não interessa que
nunca foi dono do triplex que você qualifica como peita. Mas a propaganda, em
seu nome, de que se vende regularmente, como procurador responsável pela
"Lava Jato", por trinta a quarenta mil reais por palestra, foi feita
de forma desautorizada e o din-din que por ventura rolou foi para as boas
causas. Aham!
Que batom na cueca, Deltan! Talvez
você crie um pouco de vergonha na cara e se dê por impedido nessa operação
arrasa a jato. Afinal, por muito menos uma jurada ("Schöffin") foi
recentemente excluída de um julgamento de um crime praticado pelo búlgaro
Swetoslaw S. em Frankfurt, porque opinara negativamente sobre crimes de
imigrantes no seu perfil de Facebook (http://m.spiegel.de/panorama/justiz/a-1152317.html).
Imagine se a tal jurada vendesse palestras para falar disso! O céu viria
abaixo!
Mas é assim que as coisas se dão em democracias civilizadas. Aqui, em
Pindorama, um procuradorzinho de piso não vê nada de mais em tuitar,
feicebucar, palestrar e dar entrevistas sobre suas opiniões nos casos sob sua
atribuição. E ainda ganha dinheiro com isso, dizendo que é para reforçar o
orçamento de seu órgão. Que a mercadoria vendida, na verdade, é a reputação
daqueles que gozam da garantia de presunção de inocência é irrelevante, não é?
Afinal, já estão condenados por força de PowerPoint transitado em julgado.
Durma-se com um barulho desses!
Do GGN