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sexta-feira, 24 de maio de 2019

XADREZ DA ESCOLHA DE SOFIA, IMPEACHMENT OU NÃO IMPEACHMENT, POR LUIS NASSIF

A grande vantagem da oposição é que a queda de Bolsonaro depende muito mais dele, Bolsonaro, do que dela, oposição.
Peça 1 – impeachment, teoria e realidade
Em meu longo trajeto no jornalismo econômico, aprendi uma verdade comprovada: no campo das ciências sociais (dentre as quais se inclui a política) só existe teoria aplicada à realidade. Não existe a teoria solta no ar, como um passarinho. Vale para a economia, a política, o direito.
Um dos grandes dramas brasileiros que impediu, aliás, que o país deslanchasse no período das grandes transformações globais, dos anos 90 em diante, foi a teoria econômica se impondo sobre a realidade.
Digo isso a respeito das discussões sobre o impeachment ou não de Bolsonaro.
Parte dos cientistas sociais diz que um novo impeachment consolidaria a ideia do golpismo no país. Foi o golpismo que trouxe para a política os vultos que habitavam as profundezas do tecido social, instaurou a selvageria, a quebra total de regras. Logo, a melhor maneira de sanar o mal é não mexer na ferida, esperar que se cicatrize pelo voto e que, nas próximas eleições, o eleitorado reconheça o erro e traga o país de volta à normalidade, em um fenômeno que poderia ser denominado de fé na mão invisível da democracia.
Fernando Collor foi vítima do golpe do impeachment. Lula foi vítima do golpe do “mensalão”. Dilma, vítima do golpe das “pedaladas”. No dia em que ouvi o Ministro Luis Roberto Barroso alegar que o fato de ter perdido a base parlamentar justificava, por si, o impeachment percebi que o golpismo se espalhara por todos os poros do Judiciário.
Agora se volta ao dilema do impeachment e a análise exige que se traga a realidade para a mesa: Bolsonaro é um presidente pesadamente envolvido com o crime organizado, com os militares egressos dos porões da ditadura, que enveredaram pelo mundo do crime. Não se trata de um detalhe, mas de uma questão central.
Vamos detalhar um pouco o universo habitado por Bolsonaro.
Peça 2 – o exército das profundezas
Não se pense em velhos matadores aposentados. O grupo continua em plena atividade. Eram militares de baixa patente que foram convocados pelo Alto Comando do regime militar para compor forças de extermínio. Em seus livros, Elio Gaspari conta que o próprio Ernesto Geisel avalizava suas ações.
Foram para a linha de frente, com a ordem de exterminar os inimigos.
Quando veio a redemocratização, parte deles foi recompensada pelos serviços prestados e para garantir seu silêncio. Foi o caso do Major Curió, que recebeu áreas de garimpo em Serra Pelada. Parte se perdeu pelos desvãos da vida, levando para sempre os traumas provocados pela selvageria da repressão.
Procuradores envolvidos com a justiça de transição aprenderam que, no final da vida, muitos torturadores sentem necessidade de falar. Vamos a três casos que mostram a maneira como a “tigrada” ainda atua.
Caso Paulo Manhães
Paulo Manhães foi na Comissão Nacional da Verdade (CNV) e deu depoimentos importantes que ajudaram a esclarecer algumas das mortes da ditadura. Logo depois, foi assassinado. No dia seguinte ao do anúncio da sua morte, o Ministério Público Federal do Rio de Janeiro pediu busca e apreensão em sua casa. Chegaram até um diário que ajudou a desvendar o atentado do Rio Centro, comprovando que o carro utilizado no atentado era de um dos militares dos porões.
O assassinato de Manhães, não foi interpretado como queima de arquivo – pois já tinha denunciado o que sabia -, mas como aviso.
Caso Cláudio Guerra
Cláudio Guerra virou pastor, se converteu à Igreja Evangélica e começou a falar. Pouco depois da morte de Manhães, divulgou a informação de que os mortos na Casa da Morte, em Petrópolis, foram queimados nas usinas de açúcar de Campos. A Comissão Nacional da Verdade foi até lá e nada encontrou.
Deu depoimentos, foi protagonista do filme “O Pastor que Assassinava e Queimava Corpos”. Não se sabe se era uma verdade que vinha a conta gotas ou se era contra informação.
Logo depois, sua mulher foi assassinada, assim como o filho. E os homicídios foram atribuídos a ele. Por ter mais de 70 anos e estar doente, conseguiu transformar a pena em prisão domiciliar. Foi punido, mas não pelos crimes da ditadura. Provavelmente, foi vítima de uma armação.
Caso Chico Dólar
Chico Dólar escreveu livro Macaba, nome de uma serra do Araguaia. Contava histórias macabras, como a exigência dos oficiais de que a morte dos guerrilheiros fosse comprovada com a entrega das suas cabeças e dedos – para reconhecimento pelas impressões digitais e não identificação dos corpos. Depois, alguns dos “tigrões” faziam colar com os dedos decepados dos guerrilheiros mortos.
No livro, ele cita mais de 200 colegas que participaram desse movimento e, hoje em dia, querem anistia. Chico acreditava piamente que fez um trabalho relevante para a República e, assim como os colegas, ficou com distúrbios emocionais pelo resto da vida.
Logo depois apareceu morto. A alegação foi de suicídio, em um caso raríssimo de suicida com tiro na testa.
Os três casos comprovam que as forças dos porões estão vivas, ativas. Parte delas migrou para as milícias, assim como os delegados que se tornaram bicheiros nos anos 70. É nesse ecossistema que se deu a formação de de Jair Bolsonaro. Portanto, está corretíssimo Janio de Freitas ao ver a ligação permanente de Bolsonaro com a morte.
Peça 3 – o caso Marielle Franco e Bolsonaro
Já publicamos diversos artigos mostrando o envolvimento dos Bolsonaro com as milícias, especialmente aquelas ligadas à morte da vereadora Marielle Franco.
Há uma hipótese de investigação que sugere envolvimento direto de Bolsonaro, a partir das seguintes evidências:
Quando começou a abertura política, a “tigrada” planejou o atentado do Riocentro dentro de uma lógica de disfarce: a idéia seria atribuir o atentado à esquerda.
Bolsonaro se mostrou vivamente contrário à intervenção militar no Rio de Janeiro. Provavelmente por atrapalhar as ligações históricas das milícias com as forças policiais.
Ronie Lessa, o assassino de Marielle, pesquisou pelo Google nomes de vários vereadores que se colocaram contra a intervenção. Marielle era o nome em mais evidência, por ter sido indicada para presidir uma comissão incumbida de fiscalizar a intervenção. Há elementos para uma tática diversionista, de atribuir o atentado aos defensores da intervenção militar.
O principal acusado, além de comerciante de armas era vizinho de condomínio do próprio Bolsonaro. O motorista que o levou era ligado a Flávio Bolsonaro. Outro integrante do Escritório do Crime – grupo de matadores profissionais das milícias – , capitão Adriano Magalhães, teve mãe e esposa empregadas por Flávio Bolsonaro.
Peça 4 – Bolsonaro e o golpe
Há inúmeras manifestações dos Bolsonaro, pai e filhos, sobre a importância de armar a população para resistir ao Estado. A liberação das armas foi um movimento nítido de fortalecimento da economia das milícias – que têm no tráfico de armas seu principal negócio – e de armar grupos aliados para uma futura resistência a qualquer tentativa de impeachment.
Abordamos várias vezes essa possibilidade.
Peça 5 – Cenários: Bolsonaro ou Mourão
Não se tenha dúvidas sobre os propósitos democrático do vice-presidente, general Hamilton Mourão: decididamente, ele não é um defensor da democracia como sistema de governo. Ele é da linha do general Augusto Heleno. Este é intelectualmente medíocre, assustadoramente medíocre, diria. Mourão, não.
Não são pequenos os riscos de um futuro governo Mourão. Ele avançaria, com estratégia, empunhando quase todas as bandeiras defendidas por Bolsonaro.
Há poucas evidências de que tenha um projeto de nação na cabeça, que trabalhe o conceito de interesse nacional, que impeça os negócios que estão sendo montados pelos negocistas que aproveitaram a onda Bolsonaro.
Mas impediria o desmonte total perpetrado pelo hospício que Bolsonaro levou ao governo, dos quais os principais são o desmonte da Eletrobrás e da Petrobras, da diplomacia, do sistema de meio ambiente, da Anvisa, da educação. Principalmente, barraria o controle do país pelas milícias.
Trata-se de uma autêntica “escolha de Sofia”:
Cenário 1 – a manutenção de Bolsonaro, que prosseguiria em sua política de terra arrasada até o final do governo, tentando armar suas milícias particulares e tentar o auto-golpe. A esperança da oposição é que, ao final dos quatro anos, o governo estaria tão desmoralizado que abriria espaço para o grande pacto nacional em torno de eleições livres e diretas. Não há condições de avaliar o tamanho do estrago produzido até lá. Os hunos de Bolsonaro destroem e salgam a terra.
Cenário 2 – impeachment e governo com Hamilton Mourão. Haveria racionalidade e lógica na estratégia implementada. No final do governo, o país estaria menos destruído, mas também seriam reduzidas as possibilidades do sistema de abrir espaço para eleições livre.
Cenário 3 – queda do governo e novo governo mediado pelo presidente da Câmara Rodrigo Maia. Aí, se trata do imponderável. Antes de apostar no fator Mourão, dificilmente o sistema aceitaria a hipótese Rodrigo Maia.
Confesso minha total incapacidade para apontar o melhor caminho. Não tenho a menor pretensão a demiurgo.
A saída se dará por pequenos solavancos, pequenas aproximações entre o lado civilizado da Nação, até que haja massa crítica para, em algum momento do futuro, se chegar ao grande pacto civilizatório nacional.
Quanto tempo levará? Sou um mero jogador de xadrez, não uma pitonisa. Limito-me a olhar as nuvens e tentar prever sua próxima formação. Sem me descuidar do fato de que o chefe da polícia, Sérgio Moro, e a chefe dos procuradores, Raquel Dodge, são os principais avalistas do chefe das milícias na Presidência.
A grande vantagem da oposição é que a queda de Bolsonaro depende muito mais dele, Bolsonaro, do que dela, oposição.
Do GGN

terça-feira, 31 de julho de 2018

GRUPO DE ADVOGADOS TENTA DERRUBAR TOFFOLI ÀS VÉSPERAS DE ASSUMIR O SUPREMO

Foto: Agência Brasil
O jornal Valor informa nesta terça (31) que um grupo de advogados tenta acelerar o processo de impeachment de Dias Toffoli às vésperas de o ministro assumir a presidência do Supremo Tribunal Federal. Toffoli já é alvo de dois pedidos de afastamento da Corte e, de acordo com a publicação, um deles foi aditado para inserir um suposto escândalo de lavagem de dinheiro envolvendo o banco Mercantil.
O Valor explicou que o grupo de advogados usou uma reportagem da revista Crusoé para atualizar o pedido de impeachment de Toffoli. Na matéria, conta que Toffoli supostamente recebe uma "mesada de R$ 100 mil" em uma conta do banco Mercantil, transferidos pela sua esposa, a advogada Roberta Rangel, e que o banco teria identificado "indícios de labagem de dinheiro nas transações".
 Contudo, nenhum órgão do governo foi acionado para investigar o caso. O Ministério da Fazenda não quis se manifestar sobre a veracidade dessa reportagem, anotou o Valor.

O pedido de impeachment diz que Toffoli troca favores com o banco Mercantil porque, além dessa questão da suposta mesada, ele teria beneficiada a instituição num julgamento no STF, após ter obtido desconto nos juros de um empréstimo de R$ 1,4 milhão. O ministro nega e diz que respeita as regras de suspeição da Corte.
 No mesmo pedido de impeachment, o grupo também argumenta que Toffoli, por causa de suas relações passadas com o PT, deveria declarar-se impedido para processar ações envolvendo José Dirceu. Ao contrário disso, ele votou pelo habeas corpus do ex-ministro da Casa Civil.
 No STF, o grupo de advogados também pede que o Senado seja obrigado a analisar o pedido contra Toffoli. Segundo o Valor, o documento é precário em fundamento e tende a ser rejeitado na Casa.
 O outro pedido de afastamento de Toffoli versa sobre a votação do habeas corpus de Lula, da qual o petista saiu derrotado.
Do GGN

domingo, 29 de julho de 2018

O AUTOENGANO DO CARTESIANO ORTELLADO, POR WAGNER ROMÃO

O texto de Pablo Ortellado publicado na Folha de S. Paulo no último sábado busca desvendar a “narrativa” do golpe, pela qual o PT teria cooptado a militância de esquerda em defesa do legado lulista. Por esta “narrativa”, segundo Ortellado, se tenta “interpretar todo o processo político recente como uma orquestração conservadora contra os avanços sociais dos governos de esquerda”. 
O álibi de Ortellado é a crítica ao programa apresentado nesta semana, “gasto e limitado (…) muito aquém da urgência social imposta pela desigualdade brasileira”, “muito parecido com o que praticou (o PT) nos anos 2000
No texto, nenhuma palavra sobre o conteúdo do programa do PT. Nada sobre a necessidade expressa de um programa emergencial para sairmos da crise econômica e voltarmos a buscar o pleno emprego. Nada sobre a reforma tributária com olhos para justiça social e distribuição de renda e riqueza. Nada sobre a necessidade de se aumentar o crédito barato às famílias. Nada sobre o resgate da soberania nacional e uma política externa altiva e ativa. Nada sobre a democratização dos meios de comunicação de massa. Nada sobre o combate aos privilégios. Nada sobre a necessidade de um processo Constituinte que possa fazer o Brasil avançar, não andar para trás. Nada, enfim, sobre a revogação das medidas do governo golpista.
A narrativa de Ortellado não faz concessões à disputa política a sangue quente. Sua racionalidade é plana, cartesiana, pretensamente ingênua em sua busca da verdade e denúncia de “narrativas” enganadoras e que falseiam os fatos.
A Lava Jato apenas teria cumprido seu papel de desvelar a corrupção na Petrobrás, e não se transformara em um instrumento de perseguição política com suas suspeitas delações e sua heterodoxia judicial.
Dilma teria sofrido um impeachment por ter um “movimento de massas” em seu encalço, como se as massas trajadas com as caras camisas da CBF fossem justiceiras com todos os corruptos, de maneira apartidária e apolítica.
Dilma teria perdido o controle do Congresso por pura incapacidade política, sem que haja uma única frase que considere as circunstâncias do processo político no Congresso pós 2013 e sobretudo em 2015, com a eleição de Eduardo Cunha. Como se Dilma pudesse ter “cooptado” o Congresso, assim como Ortellado acusa o PT de o fazer com a militância de esquerda.
É como se o PT jogasse sozinho. Como se não houvessem outros atores no jogo. Como se estes agentes não percebessem a janela de oportunidade aberta - a real fraqueza política do governo em 2015 - e provocassem o golpe. Como se Aécio e o PSDB não tivessem atuado, desde as primeiras horas após a derrota eleitoral para vencer no tapetão. Como se Temer e Jucá não tivessem atuado deliberadamente pela solução golpista.
A narrativa do “combate à corrupção” tem sido utilizada pelos adversários políticos do PT para dizima-lo e mesmo que diversas figuras públicas petistas tenham reconhecido que, sim, houve erro e má conduta com o dinheiro público nos governos petistas, permanece a sanha por vincular corrupção ao petismo. Essa é a “narrativa”, caro Pablo, que venceu até aqui. 
A ação desencadeada pelo PT em meio ao golpe foi e é uma estratégia política de sobrevivência em um meio e uma conjuntura absolutamente hostil. Se não houvesse algum fundamento na “narrativa” petista, Lula não seria campeão de intenções de voto e com risco a vencer as eleições no primeiro turno. 
Os limites, os equívocos e as vitórias do petismo ao longo dos governos Lula e Dilma se devem ao próprio petismo, mas não só. Devem-se também ao modo como funcionam as instituições políticas do país e ao modo como reagiram seus adversários e seus aliados de ocasião, algo próprio do mundo da política realmente existente.
Ortellado expressa uma visão que faz a crítica da “narrativa” petista sem que se pesem os retrocessos ocorridos após a destituição de Dilma. Hoje, os grupos que mandam no país não mais têm que lidar com o PT à frente do poder executivo federal. Pode ser pouco para Ortellado, que elabora sua crítica sob o manto de um pseudo-descortinamento da realidade que não considera os percalços e aprendizados do experimentar a política. Mas o povo pé-no-chão que quer Lula e o PT de novo no poder sabe muito bem o que está em jogo nestas eleições.
Wagner Romão é professor de ciência política da Unicamp
Do GGN

segunda-feira, 4 de junho de 2018

POR QUE GENERAIS, MORO, GLOBO ET CATERVA NEGAM O GOLPE NO BRASIL?, por Armando Coelho Neto

Não sei quantos áudios ouvi sobre a greve dos caminhoneiros, nem quantos pitacos recebi. Reservei-me ao silêncio por não entender o que estava acontecendo. Liguei o desconfiômetro ao ver de volta aqueles que ajudaram a derrubar a presidenta Dilma Rousseff. Para mim era greve de patrões, mas depois parecia não ser bem isso. Era e é como se houvesse algo mais indefinido. No final, se é que findou, fechou como se fosse. No que parecia ser o fim, a classe média que não foi pra Disney, mas potencializou a crise artificial criada pela geopolítica internacional, que gritou “qualquer coisa menos Dilma”, precisou entrar na fila para comprar gasolina até três vezes mais cara do que pré-golpe.
Como entender aquela gente de volta, pedindo intervenção militar e só falando em diesel? Diante do caos criado, por instantes pensei que dali pudesse surgir um herói candidato a presidente da República... Não. O herói não vem de lá, continua liderando pesquisas presidenciais e está preso. A ordem constitucional foi rompida, os generais se acovardaram e Sejumoro entra em decadência moral – em que pese o silêncio da dita grande mídia. Apesar do golpe com o supremo e “tudo” – o tudo entre aspas é porque até hoje ninguém explicou quem mais está por trás desse “tudo”. As instituições nacionais se acovardaram frente à geopolítica internacional e sequer lampejos nacionalistas brotam.
Nesse contexto, fiquei sem entender bem essa história de “caminhoneiros” e o papel deles na cena macabra de um golpe inacabado. Eis que de repente me passou pela cabeça que aquela história de “O Brasil virar uma Venezuela”. Não, leitor, aquilo não era uma ameaça nem uma profecia. Era uma promessa vinda do lado contrário, como parte integrante da cronologia do golpe. É como se o Brasil precisasse viver um pouco de Venezuela, ter uma lição real, sentir na pele a grande ameaça que o PT representa. De repente, não mais que de repente, recebi uma insólita mensagem de um tucano:
“Você está jogando Venezuela Life em modo ‘demo’. Ative o modo ‘full’ apertando 13 de novo nas próximas eleições”.
Curiosamente, o remetente da mensagem foi o mesmo que no final de 2016 me disse com todas as letras: “Lula para nós não é problema. Lula a gente tira de cena na hora que a gente quiser. Lula é página virada, é carta fora do baralho. Nossa preocupação é o Bolsonaro e os evangélicos”. Ele parece saber das coisas, pois no fundo é um mutante: foi de esquerda na Faculdade de Direito, flertou com Leonel Brizola e hoje surfa/flerta/patina com o tucanato.
Se não consigo entender uma (não tão) simples greve, como entender o golpe, que a própria caterva se recusa a chamar de golpe? Mas, o golpe está aí e dinheiro do petróleo que iria para a saúde no governo Dilma (Fora Temer!) ganhou caminho inverso. Depois da “greve”, o dinheiro da saúde vai financiar o petróleo.
Não sei se o idiota que expôs a filha com a placa “Fora Dilma, quero viajar para a Disney de novo” conseguiu seu intento. Mas e daí? Nem o pai sabia o que estava fazendo e provavelmente não sabe por que dólar sobe e desce, o que é golpe de estado. É tão alienado quanto os delegados Macabéa da PF.
Caos criado, para generais, Moro e Globo nada disso não vem ao caso. O importante é que Dilma saiu e Lula está preso. Os generais batem continência para um governo ladrão, Moro pede para o governo ladrão apoiar o combate à corrupção e recebe medalhas da sonegadora Globo. Esta, por sua vez, capitaneia suas afiliadas e seguidoras - aqui incluso o séquito escatológico (coprológico mesmo!) -, faz de contas que nada tem a ver com isso, pois tudo é culpa da Dilma/Lula/PT.
Com esse pano de fundo, é linguagem corrente entre os patos amarelos que, com toda sua “educação”, dizem que o problema do Brasil é educação. Mas, quem educa o brasileiro? A escola cujo professor assiste a Globo e tenta ensinar o abc às crianças que assistem Globo? Será que educação é aprender a formar palavras, ouvir histórias mal contadas sobre reis e impérios? Será que educar é decorar afluentes das margens esquerda e direita do rio Amazonas?
Do alto ou do baixo de minhas precariedades, educação (sem preciosismos pedagógicos) é, ainda que singularmente, todo um processo de apreensão intelectual de toda uma conjuntura exterior, nela incluindo o imaginário. Desse modo, qual o papel dos meios de comunicação nisso tudo? O que fazer frente a isso, quando um ministro da dita Corte Suprema diz que precisa julgar segundo os anseios sociais? O que fazer quando os meios de comunicação de massa são nocivos e fabricam anseios de sua conveniência? O que fazer se os Sejumoros da vida alimentam os tais meios de comunicação e juízes julgam conforme anseio social que eles mesmos fabricam em conluio com a grande mídia? Rasgar a Constituição, proferir sentenças casuísticas, colher depoimentos sob tortura, fazer prisões ilegais e derrubar uma presidente sem crime nada disso vem ao caso...
Eis o caos criado para realinhar o Brasil à geopolítica internacional, sobretudo voltado para os interesses dos que controlam 99% da riqueza do mundo. Ainda que isso custe o abrir mão da soberania, dilapidar o patrimônio nacional, cuspir na bandeira que acoberta a infâmia e a covardia (Castro Alves).
Foi nesse contexto de anomalia social brasileira, que assisti trecho de um programa do canal de TV alemão ZDF. O episódio “Die Anstalt” (A Instituição) é uma sátira com fortes críticas ao neoliberalismo, seus efeitos nocivos para o mundo. Os atores ironizam o fato dos teóricos do neoliberalismo, patrocinadores da miséria no mundo, terem sido agraciados com Prêmio Nobel. O tal prêmio funcionou como selo de garantia para a miséria no mundo se alastrar. Perplexos com a cara de pau dos protagonistas que defendem a “privatização, redução de impostos e destruição do Estado de Bem-estar Social”, os interlocutores perguntam aos “donos do mundo”:
- Por que razão vocês revelam com tanta clareza (cara de pau) tais atrocidades?. - - “Por que ninguém vai acreditar em vocês”, responde uma das personagens.
A pergunta, em tese, serve para generais, Moro, Globo et caterva. Por que vocês tentam negar o golpe? “Por que ninguém vai acreditar em vocês”.
Armando Rodrigues Coelho Neto - jornalista e advogado, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo.
Do GGN

segunda-feira, 30 de abril de 2018

FALANDO SÉRIO, tudo poderia começar com um TIRO DE CANHÃO no PROJAC, por Armando Coelho Neto

“Estou à beira da depressão”, escreveu uma amiga no Facebook. Não publique isso, comentei, pois é fazer o jogo do inimigo. Foi assim que me perdi na engenharia do golpe, na vã fantasia de exercer a resistência mínima permitida. Enquanto Sejumoro brincava de ser “bonzinho” dando prazo para o eterno presidente Lula se apresentar em Curitiba, a ilusão de resistir se desenrolava em frente ao Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo do Campo/SP. Um movimento de pseudo ou quase reação tímida contra a opereta bufa de um tiranete.
Tudo muito aquém da violência contra o maior líder da história contemporânea nacional. Mas, ficou a ilusão de resistência, com arrefecimento de ânimos, muito bem proporcionado pela engenharia do golpe. A engenharia do golpe vem trabalhando com a emoção, pois sabe a dimensão de quão despolitizada é a grande massa social. No fundo, sabe que Lula não é o ladrão que tentam impor e que a riqueza que tentam atribuir ao ex-presidente é pífia.
Sabem que Lula não é um monstro e o Partido dos Trabalhadores não é organização criminosa. O número de petistas presos e ou condenados falam por si. Sabe que petistas e simpatizantes de Lula não são bandidos, que o PT não quebrou Petrobrás e o Brasil, mas essa narrativa é essencial para manter o golpe, ao mesmo tempo em que controla instintos e impulsos, aquiescendo com catarses como a de São Bernardo do Campo. Lula nos braços do povo lavou a alma dos petistas, foi uma bela imagem para jogar para o mundo, mas aquilo não foi além daquilo. Foi como quebrar copos e pratos em novela por atores ruins que não sabem expressar raiva e ou indignação.
Não se trata de rechaçar o apoio ao presidente, mas de discutir o lado invisível do jogo emocional do golpe. Saimos de um Não Vai Ter Golpe, enveredamos pelo Vai ter Luta, Fora Temer, Eleição sem Lula é Fraude e mergulhamos no Lula Livre...
Nesse contexto, faço parte da ilusão dos que acreditam estar defendendo a democracia. Integro um universo de quem fala consigo e com seus iguais, consciente de que quem deveria ler me ignora. Mais que isso, se recusa a receber informação e as poucas que têm são descontextualizadas. Paralelamente, constato a luta inócua de quem quer converter o papa ao budismo, ousando enfrentar, sem sucesso, o analfabetismo da classe média e da elite do atraso, que encontrou, finalmente, a desculpa necessária pra disfarçar o ódio ao pobre.
Estamos agindo como quem quer acreditar que está fazendo algo contra o golpe. É fato que, de certa forma isso alivia, mas não vai além do alimentar nossas ilhas. Ao mesmo tempo, percebo o exercício de uma oposição consentida, calculada pela engenharia do golpe, para que não ecloda o desespero. Caso contrário, se eu me rebelo, me deparo com a máxima: é tudo que eles querem para cancelar as eleições. A aparente ameaça do mal maior trava, nos exatos limites de uma reação tímida.
Sei que o povo pelo qual penso que acredito lutar não sabe que eu existo. E, estava eu a “brincar de resistir”, quando um delegado da PF me mandou uma mensagem, dizendo que eu deveria “parar de defender bandido e ser mais propositivo”. Lembrei que ser propositivo é o novo mantra dos apolíticos de direita, dos falsos moralistas, dos corruptos contra a corrupção. Algo assim como, nosso ódio já está sendo purgado, já conseguimos prender Lula, Sejumoro realizou nosso fetiche (e o dele!), agora queremos proposições. Levei esse tema a um grupo de discussões e nele me sugeriram que esquecesse por instantes a manipulação emocional do golpe. Que melhor seria fazer proposições ao tal delegado. Portanto, ficam incompletas as ilações sobre o jogo emocional do golpe, para ser propositivo.
Um ponto de partida seria taxar as grandes fortunas, reformar a justiça de Mendes, Cardosos e Carminhas, Outro ponto seria socializar de verdade a saúde, ficando terminantemente proibida a medicina privada. Ah, queremos também gratuidade total do ensino, creches nas escolas e universidades (com a manutenção das cotas, claro!). Nacionalizar imediatamente os recursos naturais do Brasil, todas as siderúrgicas privatizadas, anular a entrega do Pré-Sal. É importante propor à PF que pare de eleger bandidos de estimação e comece combater também a evasão de recursos biológicos do Brasil, de minerais (areias monazíticas, nióbio, metais e pedras preciosas). O fruto disso seria para educar o povo, urbanizar periferias dos grandes centros.
Tais propostas, entre outras, seriam o caminho para reparar quinhentos anos de espoliação, além de corajoso esforço para resgatar, ao menos simbolicamente, nossa dívida impagável com as gerações de índios e negros, vítimas de tráfico humano e genocídio continuado e sistemático. Viriam juntas com um plano internacional pró-união sul-sul e a integração latino-americana. Ah, o fortalecimento dos BRICS, o uso progressivo de outras moedas nas trocas comerciais, em substituição ao dólar.
Polícia cidadã, respeito aos direitos humanos, cumprir a Constituição Federal da República, punição de magistrados corruptos - perseguidores, parciais, manipuladores, que agem em conluio com meios de comunicação e com forças estrangeiras em desfavor do Brasil. Uma comissão da verdade para apurar o golpe de 2016 seria bem-vinda, inclusive para investigar as relações diplomáticas com nações hostis que tenham, mediante guerra híbrida, atuado contra a estabilidade política, econômica e social do País. Tudo isso, claro, com o fim do monopólio privado dos meios de comunicação...
Espera aí, gente! Vocês estão querendo mais que volta Lula? Se for assim, é preciso recorrer a uma metáfora: para essa revolução acontecer, falando sério, tudo poderia começar com um tiro de canhão no Projac!
Armando Rodrigues Coelho Neto – é advogado, jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo. 
Do GGN

quarta-feira, 4 de abril de 2018

O tuíte do General Villas Boas e a defesa da democracia, por Eugênio Aragão

Mais do que o tuíte do Comandante do Exército em si, a publicidade que a Rede Globo lhe deu no Jornal Nacional é que constitui nova criminosa tentativa de exercer pressão sobre o STF, para que atenda ao “clamor da sociedade”, dessa parte envenenada da sociedade que sucumbiu à guerra psicológica midiática destinada a cultivar entre nós o anti-petismo. O objetivo é só um: tirar do páreo o candidato a presidente que não agrada à “famiglia” Marinho, ainda que, segundo todas as pesquisas eleitorais até aqui, seja o com maior popularidade e com maiores chances de vencer.
Dane-se a sociedade, danem-se os eleitores! O sistema Marinho está, em verdade, pouco se lixando por que ela pensa ou por quais suas aspirações. O plano é incutir-lhe por todos os meios, lícitos e ilícitos, sua visão de perniciosidade do candidato que escolheu ser seu inimigo. E ainda faz isso com uso de um serviço público concedido, na cara limpa, como se pertencesse à “famiglia”. Se isso não for corrupção e improbidade, o que será?
O General Villas Boas disse apenas o óbvio, diante do quadro de criminosos ataques da direita fascista aos direitos constitucionais, à democracia. Também nós, os democratas, exigimos a responsabilização criminal daqueles que jogaram o Estado brasileiro na sua mais profunda crise do período republicano, a começar pelos que, feito Judas,  se venderam por dinheiro para derrubar fraudulentamente uma presidenta honesta, eleita por mais de 54 milhões de brasileiras e brasileiros. Também nós rejeitamos a impunidade daqueles que covardemente atacaram a caravana pacífica do Presidente Lula. Exigimos apuração séria da autoria dos tiros deflagrados contra o ônibus da comitiva.
Também nós conclamamos para os valores democráticos e para a preservação da ordem pública. Por onde a caravana passou, a equipe precursora dialogou com as autoridades da segurança pública para evitar tumultos. Quando a multidão que demonstrava pacificamente seu apoio ao Presidente Lula se indignou com os ataques, a organização dos eventos sempre tratou de acalmá-la e de pedir que não respondesse às provocações.
Quem tem insistido em colocar em risco a ordem pública são os que destilam ódio anti-petista, que têm, em redes sociais, instigado à violência, sugerindo, até, ação letal contra Lula e militantes progressistas. Espalham o mesmo veneno que levou à morte trágica do Professor Cancellier e ao brutal assassinato de Marielle Franco. Não têm escrúpulos, porque nada têm a perder: odeiam a democracia, odeiam o direito à livre manifestação, odeiam as garantias fundamentais da Constituição e não têm nenhuma lealdade, nenhuma fidelidade a está. A abolição do Estado democrático de Direito é seu objetivo maior, de preferência num processo sanguinário que cause muita dor e perda de vidas humanas. Para eles, quanto pior, melhor é.
Queremos, os democratas, que as Forças Armadas exerçam seu papel. Nenhum governo na recente história do País mais as prestigiou que os governos do PT. Aprimorou sua formação, ensinando-lhes profissionalismo e respeito a padrões humanitários internacionais; deu-lhes visibilidade na política global, fazendo-as exercer um papel fundamental na pacificação de regiões conflagradas do planeta; reequipou-as para poderem cumprir com sua missão de defesa dos interesses nacionais.
O General Villas Boas é um espécime dessa boa cepa das Forças Armadas, preocupada com o destino do País. E essa preocupação é mais do que compreensível, principalmente num contexto em que ativos estratégicos do Brasil estão sendo alienados por uma bagatela por um governo ilegítimo que não tem compromisso com nosso futuro, mas foi instalado para atender a ganância espúria de potências estrangeiras. Um grito de alerta todos nós, democratas, esperamos e saudamos.
O que democratas não podem fazer é atender às provocações com segundas intenções da “famiglia” Marinho et caterva, que querem indispor as forças progressistas do País com os militares. É importante lembrar que não há substancial diferenças entre nossos sonhos, das Forças Armadas e dos verdadeiros democratas, defensores da Constituição Cidadã, num futuro melhor para nossos filhos, numa nação independente, altiva e reconhecida pelo mundo por sua vocação de trabalho e de respeito à alteridade, à diferença e aos valores da democracia e dos direitos humanos. E juntos vamos derrotar as forças do ódio, da intolerância e do caos.
 GGN

sexta-feira, 16 de março de 2018

XADREZ e o fator DETONADOR com MARIELLE, por Luis Nassif

Peça 1 – como semear ódio e colher assassinato
Seja quem forem os responsáveis diretos pelo assassinato de Marielle, entra-se em novo patamar da dissolução do Estado brasileiro.
Etapa 1 – plantando o ódio
Os anos sucessivos, começando antes do “mensalão”, das matérias diuturnas plantando e irrigando o ódio irracional contra o governo Lula, com factoides sobre venezuelização, cubanização, tapiocas e outros recursos conhecidos, o que passou a ser chamado, agora, de fakenews.
Alimentamos o antipetismo, Lula perde as eleições e tudo volta ao normal.
Etapa 2 – o “mensalão”
A entrada no jogo da Procuradoria Geral da República (PGR) e do Supremo Tribunal Federal (STF) como agentes políticos, montando a tese da “organização criminosa” em cima de uma fraude: o suposto desvio de recursos da Visanet, que jamais ocorreu.
Como alertamos na época, tinha-se, descoberto, ali, a fórmula da desestabilização política do PT. Dilma e o PT descobriram essa novidade, alguns meses após o impeachment. O pacto democrático da Constituição de 1988 começa a ruir. O desfecho é adiado pelo desempenho imprevisto de Lula na crise econômica global de 2008.
Etapa 3 – a Lava Jato
O aparato repressivo retoma o protagonismo, alimentado pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos, e todos os pecados são perdoados, desde que contra o inimigo correto. Nessa etapa, todos os princípios civilizatórios, de direitos individuais, de respeito aos ritos processuais, tudo vai por água abaixo, mas ainda contra alvos definidos. Sem problema. Como declarou o Ministro Luís Roberto Barroso, há a necessidade de medidas de exceção para situações de exceção.
Mas depois que Lula e o PT forem anulados, tudo volta ao normal.
Etapa 4 – o impeachment e o pós
O clima de ódio é potencializado e há um liberou geral no Judiciário, Ministério Público Federal e Polícia Federal. Inaugura-se um vale-tudo em que todos os abusos são permitidos e todos os oposicionistas se sentem ameaçados. Qualquer promotor, delegado ou juiz de 1ª instância se vê com autoridade para ordenar conduções coercitivas, prisões temporárias.
Os piores sentimentos vêm à tona, as demonstrações mais estapafúrdias de ignorância boiam que nem dejetos no esgoto. E ainda não se está falando em Bolsonaro e companhia, mas na promotora de Campinas que se declarou  “indignada” com um seminário sobre maconha e denunciou o cientista consagrado. Simples assim: sentiu-se indignada e do alto da sua ignorância, fez valer sua autoridade. Ou a juíza e a delegada que levaram o reitor ao suicídio. Ou os bravos desembargadores do TRF4, aparentados com os sobrinhos do Pato Donald, aqueles que tinham tanta afinidade que um completava a fala do outro. A mídia não poderia condenar os abusos, até escondeu o episódio chocante do suicídio do reitor, porque poderia enfraquecer a maratona pela condenação de Lua.
Mas depois que Lula for condenado, tudo volta ao normal.
Etapa 5 – o assassinato de Marielle
E aqui se ingressa em um fator detonador, independentemente de quem seja os responsáveis diretos, se as milícias da PM ou milícias de ultra-direita. Por fator detonador se considere os tiros com que Gravilo Princip executou o arquiduque Francisco Fernando, levando à Primeira Guerra;  a morte de Walther Rathenau, que desmontou a Republica de Weimar; a morte de João Pessoa que detonou a Revolução de 30 e a do Major Rubem Vaz, que levou ao suicídio de Vargas. Ou, ainda, a morte do estudante Edson Luis que expôs a violência que já vinha sendo praticada pela ditadura e inaugurou a nova etapa da repressão..
Peça 2 – o processo de desmanche
Quando se disseminou a repressão, no período do impeachment, gênios jornalísticos minimizavam: é muito diferente da ditadura, que matava e torturava pessoas. Era óbvio que aquele momento representava, como num filme, o período 1964-1968, que precedeu o AI-5. Não se preocuparam com os alertas que mostravam a lógica que sucedia períodos de tolerância com o arbítrio e o ódio. A Noite de São Bartolomeu passou a ser praticada em etapas.
Em 1963 nasceu o Comando de Caça aos Comunistas (CCC), no bojo da campanha de ódio alimentada pela mídia. Depois de 1968, eles se limitavam a quebrar teatros e espancar artistas e estudantes. Nos porões, torturavam-se e matavam-se pessoas. E militares planejavam atentados de grandes extensões. Todos esses processos nasceram da mesma árvore do ódio plantado.
Tempos atrás fui a uma pacata cidade do interior. Lá, em conversas familiares, um jovem casal, de família temente a Deus, sem histórico de violência,  falava da sua vontade de ver Lula morto. A campanha sistemática de ódio, a irracionalidade plantada em suas cabeças, faziam-nos, pessoas incapazes de fazer mal a um bicho, entender como natural – e necessária – a morte de uma pessoa! A mídia conseguiu naturalizar o ódio no Brasil.
Hoje em dia, é um sentimento generalizado, que se espalha por todas as regiões do país e que, até agora, tinha em Bolsonaro e sua tropa sua mais grotesca expressão. Com a execução de Marielle entra-se em uma nova etapa na qual a doença social plantada pela mídia poderá resultar em loucuras maiores do que discursos de ódio nas redes sociais, tempos de terremotos e furacões, que podem preceder a entrega do poder a Bolsonaro e sua “bancada da metralhadora”. Ele, aliás, evitou comentar a tragédia de Marielle, para não expor o que pensa.
E quem vai segurar essa onda? A indignação retardatária da velha mídia? Certamente não a PGR Raquel Dodge, uma burocrata "apparatchik", subproduto da corporação, sem qualquer brilho ou luz própria, só frases obvias, ultra burocráticas "mandei instalar um procedimento em meu gabinete”.
Personalidades opacas e sem qualquer brilho no STF, na PGR, no Senado, uma organização barra-pesada no Executivo. E completa-se o mapa com os últimos dados econômicos, a queda geral do nível de atividade do setor de serviços em relação a qualquer período do ano passado, desmontando definitivamente a fábula da recuperação irresponsavelmente vendida por Henrique Meirelles e endossada pela Globo.
Tudo isso com as eleições a caminho. Mas não tem problema.
O Lula vai preso, o PT perde e tudo volta ao normal.
Por um tempo acreditei que a perspectiva do desastre promovia a volta à racionalidade. De 2005 – quando a mídia iniciou essa loucura – para cá, todas as esperanças de uma saída racional foram jogadas fora.
GGN

segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

O julgamento de Lula no TRF-4: ou, a Operação Lava Jato no banco dos réus, por William Nozaki

A Lava Jato como agente da desconstrução de um projeto nacional:​
A Operação Lava Jato, iniciada em março de 2014, caminha para o seu quarto ano próxima de enfrentar um de seus maiores testes no próximo dia 24 de janeiro: o julgamento em segunda instância do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva.
O combate e a prevenção contra a corrupção são desafios fundamentais para a construção de uma sociedade efetivamente republicana no Brasil. Entretanto, os desembargadores, juízes, procuradores e policiais que atuam na Operação Lava Jato não tem o direito, tampouco mandato, para se apresentarem como detentores de um monopólio moral cuja suposta finalidade seria higienizar o Estado e a política no país.
Aliás, as contradições da Operação emergem de sua visão simplista e esquemática sobre o problema da corrupção, ao tratar a questão como mera manifestação do patrimonialismo enquanto peculiaridade brasileira, deixa-se de ir ao cerne do problema: a mistura entre público e privado não é uma singularidade nacional, é antes e sobretudo um traço da economia capitalista como um todo. Ao negligenciar esse diagnóstico fundamental os operadores da Lava Jato tratam uma questão sistêmica como um problema localizado, ou seja, como uma questão particular do setor petróleo, buscando desconstruir e distorcer o papel central da Petrobras no desenvolvimento econômico brasileiro. Com isso a Operação se mostra ineficiente sob três aspectos: político, econômico e mesmo ético. Vejamos cada um desses pontos.
Do ponto de vista político, não há nada que justifique o desmonte do Estado e da Petrobras como resposta à ilícitos, os rankings da Transparência Internacional e do próprio Fórum Econômico Mundial evidenciam: não há uma correlação entre prevenção da corrupção, redução do tamanho do Estado e transferência do patrimônio público para a iniciativa privada, seja ela nacional ou internacional. Até mesmo porque grandes petrolíferas estatais, como a Statoil, e privadas, como a Shell e a Total, enfrentaram casos graves de corrupção, respectivamente, na Líbia, Angola e Nigéria e em nenhum momento isso serviu como argumento para encolher os planos estratégicos de investimento dessas companhias.
Do ponto de vista econômico, por seu turno, quando se iniciou a Operação Lava Jato, o segmento industrial de petróleo e gás natural representava cerca de 13% do PIB brasileiro e a Petrobras previa um pacote de investimentos de US$ 220,6 bilhões para o período 2014-2018. No entanto, a drástica mudança de rota fez com que em 2016 e 2017 a Petrobras e a cadeia de óleo e gás fossem responsáveis por mais da metade da queda do PIB afetando duramente sua lista de mais de vinte mil fornecedores, muitos deles foram judicialmente impossibilitados de participar de licitações junto a governos e de acessar fontes de financiamento público, deixando atrás de si um rastro de obras interrompidas, aumento no desemprego, diminuição na arrecadação fiscal e, consequentemente, piora no quadro econômico do país.
Um dos setores mais afetados foi o das empreiteiras, construção civil e engenharia pesada. Para usar um exemplo ilustrativo, em 2014 a Odebrecht auferiu mais de R$ 109 bilhões em receita bruta contando com 276.224 trabalhadores próprios, já em 2016 a receita sofreu uma queda significativa alcançando R$ 89 bilhões e diminuindo seu quadro de trabalhadores para 79.616, o cenário é análogo para as dez maiores empreiteiras do país: Queiroz Galvão, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Galvão Engenharia, MRV, Construcap, Direcional, A.R.G e Mendes Júnior. Nesse período, em média, as receitas brutas das empresas caíram 18%, mas os postos de trabalho foram reduzidos em 72%, é flagrante a diferença de punição: nesse setor a perda dos trabalhadores tem sido quatro vezes maior do que a dos empresários.               
Do ponto de vista ético-moral, por fim, a Lava Jato também pode ser interrogada. No final de 2017 o Ministério Público apresentou a última sistematização dos dados da Operação, a equipe de Curitiba ostentou como mérito a realização de 222 conduções coercitivas, 163 delações premiadas, mas apenas 10 acordos de leniência. Ao que tudo indica, há um verdadeiro exagero no uso de procedimentos jurídicos pouco convencionais. Entretanto, por trás de tais números há elementos pouco debatidos pela opinião pública. A legislação brasileira da colaboração premiada prevê a aplicação de um elemento chamado “cláusula de performance”, trata-se de uma vantagem financeira, pois cada delator pode negociar para si um percentual do dinheiro recuperado a partir de sua delação, infelizmente a maior parte dessas cláusulas ficam sob segredo de justiça.
Entretanto, em 2015, a imprensa publicizou parte dos termos do acordo firmado pela defesa de Alberto Youssef, que foi agraciado com uma cláusula de desempenho de 2%. Considerando a própria hipótese do Ministério Público, de que esta delação poderia revelar a existência de até R$ 1 bilhão em paraísos fiscais, Youssef poderia embolsar até R$ 20 milhões. Se o nosso delator tivesse apenas guardado seus milhões na poupança, que em 2017 teve retorno real médio de 0,3% ao mês, ele poderia ter um rendimento mensal de RS 60 mil por mês, continuando a fazer parte daquele 1% mais endinheirado da população brasileira. Nada mal para quem, além disso, foi sentenciado a cumprir 121 anos de prisão em regime fechado, mas no mesmo acordo de delação premiada negociou migrar para a prisão domiciliar após apenas 3 anos, cumprindo sua pena em uma cobertura de luxo em um bairro nobre de São Paulo enquanto os 2% negociados com a Lava Jato continuam sendo creditados em alguma de suas contas bancárias.
Não surpreende a existência de inúmeros casos análogos a este, até mesmo porque a negociação das delação premiadas tornou-se um mercado de fraudes e extorsões, como dão notícias os depoimentos do advogado Rodrigo Tacla Duran, infelizmente pouco divulgadas pela grnade imprensa.
O Ministério Público do Paraná aponta que o valor dos ressarcimentos aos cofres públicos, acrescidos de multas, totalizam R$ 38,1 bilhões. Em um exercício hipotético, se supusermos que todo esse dinheiro foi auferido por meio das mais de 160 delações premiadas, e se considerarmos 2% como parâmetro para as cláusulas de performance de cada delator, poderemos chegar a conclusão de que talvez a Operação Lava Jato possa chegar a redistribuir cerca de R$ 760 milhões em dinheiro – agora limpo – entre corruptos e corruptores confessos.
Tal fato evidencia porque é possível dizer que a Lava Jata pune as empresas, mas não necessariamente ela pune de forma efetiva os empresários.
O alto número e a intensa celeridade das delações premiadas contrastam com o baixo número e a vagareza dos acordos de leniência, sem os quais as empresas ficam impedidas de levar adiante projetos já iniciados e precisam cancelar investimentos eventualmente já previstos. Em quatro anos de Operação, como já foi dito, apenas dez acordos de leniência foram firmados.
O clima de incerteza e as más expectativas acabam, fatalmente, impactando de forma negativa as decisões de gasto e investimento, criando obstáculos para a retomada do desenvolvimento econômico. É nesse sentido que a Operação Lava Jato, voluntária ou involuntariamente, direta ou indiretamente, acaba contribuindo para o avanço do desmonte temerário do Estado-nacional e da economia brasileira. Ao criminalizar empresas estatais e ao inviabilizar empresas privadas nacionais o resultado é o fortalecimento relativo do poder das grandes corporações internacionais que atuam no país, muitas delas com interesses financeirizados. Em última instância trata-se de desmontar e desnacionalizar o arranjo institucional que viabilizou a modernização da estrutura produtiva e social do país.
A Lava Jato como instrumento de um projeto de desnacionalização do país:
Desde 2015 quando a Petrobras iniciou seu processo de desinvestimentos, os movimentos estrangeiros em relação ao setor petróleo ficaram ainda mais claros. A Franca, por exemplo, iniciou um processo de compras de ativos brasileiros que representa um ingresso integrado na cadeia de energia nacional. A Total comprou participações no pré-sal dos campos de Libra (20%), de Iara (22,5%) e realizou uma “parceria estratégica” para atuar no setor de refino e do gás, a Entrepose, com a compra da empresa de engenharia Intech, entrou no mercado de fornecedores locais e a Tereos ampliou sua participação no mercado de biocombustíveis.
Nesse mesmo intervalo, a chinesa CNPC um conjunto de conversas com a Petrobras e com o governa estadual de São Paulo a fim de articular a compra de ativos na Bacia de Santos, desde então a China tem se tornado uma das principais compradoras de campos do pré-sal.
Outro exemplo emblemático se deu em 2017 com a nebulosa historia do lobby britânico para a mudança da legislação de petróleo no Brasil que visava principalmente acabar com a politica de conteúdo local existente no país.
Sendo assim, os calendários da Lava Jato e do Golpe devem ser observados em conjunto e o epicentro que os articula passa necessariamente pela Petrobras, mais especificamente pela convergência entre (i) o apetite de governos e petrolíferas estrangeiras no pré-sal, (ii) o moralismo de corporações e castas do Estado que elegeram a petrolífera brasileira como exemplo de ilicitude a ser combatida e (iii) o coesionamento de forças políticas interessadas em manter sua auto-preservação às custas do desmonte do Estado e das empresas estatais brasileiras, claro, tudo bem regado com alguns temperos: derrapadas do governo na gestão da política econômica, campanhas virulentas propagadas pela grande imprensa e pelas redes sociais, além de uma opinião pública oscilando entre a intolerância e a apatia, dardejada que foi por uma profusão de informações que de tão chocantes provocam aquele instante de silêncio que pode anteceder um grito de revolta ou uma mudez de anomia.
O ápice dessa desnacionalização pode ser catalisado pela combinação fatal entre a diminuição dos índices de conteúdo local prejudicando empresas nacionais e a renúncia fiscal favorecendo petrolíferas estrangeiras; ao passo que o auge da contradição do discurso de combate à corrupção emerge de uma decisão recente da atual direção da Petrobras: a companhia declara em seus balanços uma perda de cerca de R$ 6,2 bilhões com os ilícitos investigados pela Lava Jato, mas aceitou negociar e pagar voluntariamente aos investidores norte-americanos cerca de R$ 9,7 bilhões. Até dezembro de 2017, a Lava Jato devolveu efetivamente cerca de R$ 1,5 bilhão aos cofres públicos, dos quais R$ 821 milhões foram ressarcidos à Petrobras. Ou seja: o valor pago para os investidores norte-americanos é quase quatro vezes maior do que o total recuperado pela Lava Jato e é quase doze vezes maior do que o já devolvido a Petrobras. A pergunta que fica é: quanto os EUA vão pagar por terem feito espionagem industrial do pré-sal em 2008, por terem cooptado juízes e procuradores em 2009, por terem tentado bloquear o regime de partilha do pré-sal em 2010 e por terem grampeado telefones da presidenta da República e de altos executivos da Petrobras?
Nunca é demais lembrar: em 2012 o governo norte-americano publicizou suas diretrizes para a política energética, neste documento o Brasil aparece em três das sete linhas estratégicas como um país cujas tecnologias nas áreas do pré-sal, de biocombustíveis e de hidrocarbonetos não-convencionais deveriam ser observadas com atenção (ve em Blueprint for a Secure Energy Future). Já em 2017 o governo dos EUA publicou suas novas orientações para a política de defesa, o documento enuncia explicitamente: “instrumentos econômicos – incluindo sanções, medidas de combate à corrupção e ações jurídicas contra empresas – podem ser elementos importantes de estratégias mais amplas para dissuadir, coagir e restringir adversários” (ver em National Security Strategy of the USA). Há importantes interesses internacionais por trás da instabilidade brasileira, não se trata de teoria da conspiração, até mesmo porque a conspiração não é uma teoria, e sim uma prática que compõe a gramática de qualquer estratégia geopolítica e geoeconômica. 
Julgamento de Lula ou julgamento da Lava Jato?
O passo do Golpe ora em curso consiste na tentativa de condenação da mais importante liderança popular do Brasil, sem crime, sem provas, em um processo marcado do início ao fim por vícios e parcialidades. Lula tem hoje a ampla maioria das intenções de voto em todos os cenários testados pelas pesquisas, subtrair o nome do ex-presidente da urna eleitoral significa impedir que uma parcela importante da população brasileira expresse sua vontade, trata-se, portanto, de mais um cerceamento grave contra a soberania popular.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região em Porto Alegre (TRF-4) pode reafirmar ou reformar a sentença proferida pela 13ª Vara Federal de Curitiba, condenando o presidente Lula a nove anos e seis meses de prisão. Como sabemos, nessa arena os supostos justiceiros e os vorazes moedeiros levam vantagem, o processo de criminalização das políticas pró-desenvolvimento e anti-desigualdade, o fechamento do cerco contra partidos, movimentos, lideranças, militantes, intelectuais e artistas do campo progressista de esquerda e centro-esquerda, bem como a tentativa de desmoralizar Lula material e simbolicamente, não parece ser um projeto de curto-prazo, muito embora os ilícitos e trapalhadas dos golpistas mantenham o desfecho do cenário em aberto, até mesmo alimentando vitórias pontuais dos críticos e opositores do governo Temer.  
Entretanto, diante das ruas e da opinião pública, as diversas instâncias do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Polícia Federal, vão ter que se haver com um cenário ainda incerto. Em 2016, quando da condução coercitiva de Lula, A Lava Jato e Sérgio Moro eram rejeitados por 33% da população, no final de 2017 a rejeição do juiz e da Operação subiram para cerca de 45%, segundo dados do Instituto Ipsos. Além disso, nesse mesmo intervalo o PT ressurgiu como o partido favorito da população, aprovado por 18% do povo brasileiro, enquanto isso o governo Temer atingiu um recorde e conseguiu angariar a desaprovação de 95% da população, segundo dados do Instituto Datafolha.
Mais ainda, nesse período ao menos cinco episódios contribuíram para aumentar o sentimento de impunidade na opinião pública: (i) a delação premiada dos irmãos Joesley e Wesley Batista; (ii) a mala com R$ 500 mil transportada pelo ex-deputado e assessor de Temer, Rodrigo Rocha Loures; (iii) as caixas com R$ 51 milhões encontradas no apartamento do ex-ministro Geddel Vieira Lima; (iv) a gravação sobre desvios, propinas e outros ilícitos que incriminaram o senador Aécio Neves e (v) as duas denúncias de corrupção passiva e organização criminosa contra Michel Temer.
Por tudo isso se pode concluir: o grande crime cometido contra o Brasil não foi perpetrado por Lula, mas por aqueles que estão inviabilizando a construção de um projeto de nação internacionalmente soberana, politicamente democrática, economicamente desenvolvida, socialmente inclusiva e culturalmente plural. No próximo dia 24 de janeiro Lula estará no banco dos réus, sendo observado com atenção e suspeição por uma parte da população, mas quem estará sendo silenciosamente julgada pelo conjunto da opinião pública é a Operação Lava Jato.
William Nozaki - Professor de Ciência Política e Economia da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, integrante do Grupo de Estudos Estratégicos e Propostas da Federação Única dos Petroleiros (GEEP-FUP). 
GGN

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Estrutura inquisitória do processo de Lula impressiona, diz jurista italiano Luigi Ferrajoli

Luigi Ferrajoli, 77 anos, pensador e jurista de fama mundial, o mais categorizado aluno de Norberto Bobbio, publicou excelente artigo na CartaCapital.
A cultura jurídica democrática italiana está profundamente perplexa com os acontecimentos que conduziram ao processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff e ao processo penal contra Lula. Tem-se a impressão de que esses acontecimentos sinalizem uma preocupante carência de garantias e uma grave lesão aos princípios do devido processo legal, dificilmente explicáveis se não com a finalidade política de pôr fim ao processo reformador realizado no Brasil nos anos da Presidência de Lula e de Dilma Rousseff, que tirou da miséria 40 milhões de brasileiros.
Ascânio Seleme e João Roberto Marinho entregam a Moro o prêmio “Faz Diferença” (Foto de Fabio Rossi / Agencia O Globo)
Antes de mais nada, a carência de garantias constitucionais da democracia política evidenciada pelo impeachment com o qual foi destituída a presidente Dilma Rousseff, legitimamente eleita pelo povo brasileiro. O crime imputado é o previsto no artigo 85 da Constituição brasileira. Apesar de esta norma ser formulada em termos não absolutamente precisos, parece-me difícil negar, com base em uma interpretação racional, e na própria natureza do instituto do impeachment, que não existiam os pressupostos para a sua aplicação. O crime previsto por essa norma é, de fato, um crime complexo, consistente, conjuntamente, de um delito-fim de atentado à Constituição e de um dos sete delitos-instrumentos elencados no art. 85 como crimes-meios.
Pois bem, na conduta de Dilma Rousseff, admitindo-se que se caracterize um desses sete crimes-meios, certamente não restou caracterizado o delito-fim de atentado à Constituição. Tem-se, portanto, a impressão de que, sob a forma de impeachment, tenha sido, na realidade, expresso um voto político de desconfiança, que é um instituto típico das democracias parlamentares, mas é totalmente estranha a um sistema presidencialista como o brasileiro. Sem contar a lesão dos direitos fundamentais e de dignidade pessoal da cidadã Dilma Rousseff, em prejuízo da qual foram violadas todas as garantias do devido processo legal, do princípio da taxatividade ao contraditório, do direito de defesa e da impessoalidade e imparcialidade do juízo.
Quanto ao processo contra o ex-presidente Lula, aqui na Itália não conhecemos os autos, senão sumariamente. Ficamos, todavia, impressionados com a sua estrutura inquisitória, manifestada por três aspectos inconfundíveis das práticas inquisitivas.
Em primeiro lugar, a confusão entre juiz e acusação, isto é, a ausência de separação entre as duas funções e, por isso, a figura do juiz inquisidor que em violação ao princípio do ne procedat iudex ex officio promove a acusação, formula as provas, emite mandados de sequestro e de prisão, participa de conferência de imprensa ilustrando a acusação e antecipando o juízo e, enfim, pronuncia a condenação de primeiro grau. O juiz Sergio Moro parece, de fato, o absoluto protagonista deste processo. Além de ter promovido a acusação, emitiu, em 12 de julho deste ano, a sentença com a qual Lula foi condenado à pena de 9 anos e 6 meses de reclusão por corrupção e lavagem de dinheiro, além de interdição para o exercício das funções públicas por 19 anos. É claro que uma similar figura de magistrado é a negação da imparcialidade, dado que confere ao processo um andamento monólogo, fundado no poder despótico do juiz-inquiridor.
O segundo aspecto deste processo é a específica epistemologia inquisitória, baseada na petição de princípio por força da qual a hipótese acusatória a ser provada, que deveria ser a conclusão de uma argumentação indutiva sufragada por provas e não desmentida por contraprovas, forma, ao contrário, a premissa de um procedimento dedutivo que assume como verdadeiras somente as provas que a confirmam e, como falsas, todas aquelas que a contradizem. Donde o andamento tautológico do raciocínio probatório, por força do qual a tese acusatória funciona como critério prejudicial de orientação das investigações, como filtro seletivo da credibilidade das provas e como chave interpretativa do inteiro processo.
Apenas dois exemplos. O ex-ministro Antônio Palocci, sob custódia preventiva, em maio deste ano, tinha tentado uma “delação premiada” para obter a liberdade, mas o seu pedido foi rejeitado porque não havia formulado nenhuma acusação contra Lula ou Dilma Rousseff, mas somente contra o sistema bancário. Pois bem, esse mesmo réu, em 6 de setembro, perante os procuradores do Ministério Público, mudou sua versão dos fatos e forneceu a versão pressuposta pela acusação para obter a liberdade. Totalmente ignorado foi, ao contrário, o depoimento de Emílio Odebrecht, que, em 12 de junho, havia declarado ao juiz Moro nunca ter doado qualquer imóvel ao Instituto Lula, ao contrário do que era pressuposto pela acusação de corrupção.
A terceira característica inquisitória deste processo é, enfim, a assunção do imputado como inimigo: a demonização de Lula por parte da imprensa. O que é mais grave é o fato de que a campanha da imprensa contra Lula foi alimentada pelo protagonismo dos juízes, os quais divulgaram atos protegidos pelo segredo de Justiça e se pronunciaram publicamente e duramente, em uma verdadeira campanha midiática e judiciária, contra o réu, em busca de uma legitimação imprópria: não a subjeção à lei e à prova dos fatos, mas o consenso popular, manifestando assim uma hostilidade e falta de imparcialidade que tornam difícil compreender como não tenham justificado a suspeição.
Palocci e Odebrecht
O juiz Moro, que continua a indagar sobre outras hipóteses de delito imputadas a Lula, antes da abertura do processo concedeu numerosas entrevistas à imprensa, nas quais atacou abertamente o imputado; promoveu as denominadas “delações premiadas”, consistentes de fato na promessa de liberdade como compensação pela contribuição dos imputados à acusação; até mesmo reivindicou a interceptação, em 2016, do telefonema no qual a presidente Rousseff propunha a Lula de integrar o governo, publicizada por ele sob a justificativa de que “as pessoas tinham que conhecer o conteúdo daquele diálogo”.
A antecipação do juízo não é, por outro lado, um hábito somente do juiz Moro. Em 6 de agosto deste ano, em uma intervista ao jornal O Estado de S. Paulo, o presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), perante o qual prosseguirá o segundo grau, declarou que a sentença de primeiro grau “é tecnicamente irrepreensível”.
Semelhantes antecipações de juízo, segundo os códigos de processo de todos os países civilizados – por exemplo os artigos 36 e 37 do Código Penal Italiano – são motivos óbvios e indiscutíveis de abstenção e afastamento do juiz. E também no Brasil, como recordou Lenio Streck, existe uma norma ainda que vaga – artigo 12 do Código da Magistratura Brasileira de 2008 – que impõe ao magistrado o dever de se comportar de modo “prudente e imparcial” em relação à imprensa. Os jornais brasileiros, invocando a operação italiana Mani pulite do início dos anos 90, se referem à operação Lava Jato que envolveu Lula como sendo a “Mãos Limpas brasileira”. Mas nenhuma das deformações aqui ilustradas pode ser encontrada no processo italiano: uma investigação que nenhum juiz ou membro do Ministério Público italiano que nela atuaram gostaria que fosse identificada com a brasileira.
São, de fato, os princípios elementares do justo processo que foram e continuam a ser desrespeitados. As condutas aqui ilustradas dos juízes brasileiros representam, de fato, um exemplo clamoroso daquilo que Cesare Beccaria, no  § XVII,  no livro Dos Delitos e das Penas, chamou “processo ofensivo”, em que “o juiz – contrariamente àquilo por ele chamado “um processo informativo”, onde o juiz é “um indiferente investigador da verdade” – “se torna inimigo do réu”, e “não busca a verdade do fato, mas procura no prisioneiro o delito, e o insidia, e crê estar perdendo o caso se não consegue tal resultado, e de ver prejudicada aquela infalibilidade que o homem reivindica em todas as coisas”; “como se as leis e o juiz”, acrescenta Beccaria no § XXXI, “tenham interesse não em buscar a verdade, mas de provar o delito”. É, ao contrário, na natureza do juízo, como “busca indiferente do fato”, que se fundam a imparcialidade e a independência dos juízes, a credibilidade de seus julgamentos e, sobretudo, juntamente com as garantias da verdade processual, as garantias de liberdade dos cidadãos contra o arbítrio e o abuso de poder.
Acrescento que mais de uma vez expressei minha admiração pela Constituição brasileira, talvez a mais avançada em temas de garantias dos direitos sociais – os limites orçamentários, a competência do Ministério Público quanto aos direitos sociais, a presença de um Procurador atuante no Supremo Tribunal Federal – a ponto de constituir um modelo daquilo que chamei de “constitucionalismo de terceira geração”. Foi em razão da atuação desse constitucionalismo avançado que no Brasil, como recordei no início, se produziu nos últimos anos uma extraordinária redução das desigualdades e da pobreza e uma melhora geral das condições de vida das pessoas.
Os penosos eventos institucionais que atingiram os dois presidentes, que foram protagonistas desse progresso social e econômico, trouxeram à luz uma incrível fragilidade do constitucionalismo de primeira geração, isto é, das garantias penais e processuais dos clássicos direitos de liberdade: uma fragilidade sobre a qual a cultura jurídica e política democrática no Brasil deveriam refletir seriamente. Sobretudo, esses acontecimentos geram a triste sensação do nexo que liga os dois eventos – a inconsistência jurídica da deposição de Dilma Rousseff e a violência da campanha judiciária contra Lula – e, por isso, a preocupação de que a sua convergência tenha o sentido político de uma única operação de restauração antidemocrática.
Essa sensação e essa preocupação são agravadas pelas notícias, referidas de modo concordante e sereno em muitos jornais, que os juízes estariam procurando acelerar os tempos do processo para alcançar o mais rápido possível a condenação definitiva; a qual, com base na “Lei da Ficha Limpa” impediria Lula de candidatar-se às eleições presidenciais de outubro de 2018. Tratar-se-ia de uma pesada interferência da jurisdição na esfera política, que teria o efeito, entre outros, de uma enorme deslegitimação, antes de mais nada, do próprio Poder Judiciário.
DCM