Peça 1 – a corrupção histórica da
FIFA
No
dia 23 de maio passado, a edição em inglês do El Pais noticiava a prisão de
Sandro Rosell, ex-presidente do Barcelona de 2010 a 2014, ex-executivo da Nike
(https://goo.gl/R9W6yx).
Era
uma notícia curiosa. O Ministério Público da Espanha prendeu Rosell e desvendou
uma organização criminosa cujo epicentro estava no Brasil.
Preso
na Espanha, Sandro Rosell foi quem trouxe a Nike para a Seleção brasileira..
Quando foi preso, El Pais, ABC e Publico manchetaram que “esquema brasileiro
cai na França”.
As
investigações mostraram que Rosell atuava em parceria com o ex-presidente da
CBF (Confederação Brasileira de Futebol) Ricardo Teixeira através da empresa
Alianto.
Em
um boxe destacado, a reportagem informava que “os negócios da Rosell no Brasil
há muito tempo estão no radar das autoridades”. Mas quem estava investigando
era exclusivamente o Ministério Público da Espanha, em cooperação com o FBI e
com a colaboração do Ministério Público da Suíça. E o nosso bravo MPF?
Desde
2008 pairavam suspeitas sobre a dupla, devido a um amistoso entre a Seleção
Brasileira e a de Portugal.
Em outubro
de 2010, a BBC divulgou um documento da ISL, empresa de marketing esportivo que
faliu, sobre supostos subornos a três membros do Comitê Executivo da FIFA:
Nicolas Leoz, presidente da Conmebol, Ricardo Teixeira, presidente da CBF e
Issa Hayatou. O foco da corrupção eram esquemas de revenda de ingressos em
várias edições da Copa do Mundo.
Em maio
de 2011, David Triesman, ex-presidente da Federação Inglesa de Futebol, em
depoimento na Câmara dos Comuns, denunciou Jack Warner, Nicolás Leoz e Ricardo
Teixeira de tentarem suborna-lo em troca de votar na Inglaterra para sede da
Copa de 2018.
Em julho
de 2012, a FIFA divulgou que a ISL pagou suborno a João Havelange,
ex-presidente da FIFA, da CBD, e para seu genro Ricardo Teixeira entre 1992 e
1997. Aí já se entrava na seara dos direitos de transmissão dos eventos.
Em 27
de maio de 2015, o FBI cercou um hotel em Zurique, e levou presos para ao
Estados Unidos 7 dirigentes da FIFA, sob a acusação de organização mafiosa,
fraude maciça e lavagem de dinheiro. Entre eles, o presidente da CBF, José
Maria Marin. Ou seja, cidadão brasileiro, preso na Suíça e julgado nos Estados
Unidos, meramente devido ao fato de parte do dinheiro da propina ter transitado
por bancos norte-americanos. O poder do império nunca foi tão ostensivo.
Em 25 de fevereiro de 2016, as
investigações sobre a FIFA abriram uma nova linha de escândalos, agora
diretamente ligado ao Brasil: o desvio de dinheiro de patrocínios de jogos da
Seleção Brasileira, envolvendo Rosell, Teixeira e Havelange.
Estimava-se
que de cada US$ 1 milhão de cachês recebidos pela Seleção, US$ 450 mil íam
direto para o bolso de Teixeira. E Rosell ainda recebia uma comissão de
intermediação.
Nesse
período todo, o MPF iniciou uma investigação no Brasil, atendendo a pedido de
cooperação do FBI. Foi impedido de remeter os dados para o Departamento de
Justiça dos EUA por uma liminar concedida por uma juíza de 1ª instância. Um
poder que ajudou a derrubar uma presidente da República foi incapaz de derrubar
a liminar.
Pior
que isso, não continuou a investigar as denúncias no Brasil, apesar dos
suspeitos serem brasileiros e do crime ter sido cometido no Brasil, com
empresas e confederação brasileiras.
O
que explicaria essa atitude?
Peça 2 – como o MP (da Espanha)
descobriu uma organização criminosa (no Brasil)
As
investigações espanholas baseavam-se em reportagens de 2013 do Estadão, de
autoria do correspondente em Genebra Jamil Chade. No início, em cima de um
amistoso da Seleção Brasileira com a portuguesa. Depois, se expandiu.
No
dia 23 de maio último a operação Rimet – como foi batizada - avançou.
Segundo The Guardian,
a polícia invadiu escritório, casas e empresas em Barcelona, prendeu Rosell e,
com ele, dados sobre pagamentos ilegais recebidos por ele e Teixeira, entre
outros, na promoção de jogos no Brasil, Argentina, no Comenbol entre outros
torneios. Havia suspeitas de que quase 15 milhões de euros tivessem sido
lavados através de paraísos fiscais.
A
operação era uma colaboração entre o MP espanhol, o suíço e o FBI. No centro
das acusações, o grande parceiro de Rosell, Ricardo Teixeira.
A
reportagem dizia que o FBI esperava que, além do MP Espanhol, também o
brasileiro e a Polícia Federal, atuassem paralelamente no Brasil, especialmente
nos negócios envolvendo a Seleção brasileira e a Nike. Além de presidente do
Barcelona, Rosell havia sido executivo da Nike.
O
MPF e a PF brasileiro se mantiveram mudos e quedos. Como entender esse
anomia?
A
FIFA é um escândalo eminentemente brasileiro, know how tupiniquim, desenvolvido
pela Rede Globo, em parceria com a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) e
levado por João Havelange para a FIFA.
Cria-se
uma empresa laranja, que adquire os direitos de transmissão por um preço
mínimo. Depois, a laranja vende para as emissoras de TV, que faturam várias
vezes mais com a venda do patrocínio. Parte da diferença fica com os laranjas,
que repassarão para os dirigentes esportivos.
Confira
na tabela um exemplo hipotético de como funciona o esquema. Usei percentuais
aleatórios, pelo fato das investigações ainda não terem consolidado os números
reais.
Compras
|
Patrocínio da transmissão
|
Emissoras
|
|
|
Laranja
|
CBF + clubes
|
Dirigentes
|
Sem corrupção
|
100
|
20
|
|
|
0
|
80
|
0
|
Corrupção com laranja
|
100
|
70
|
|
|
10
|
10
|
10
|
Corrupção sem laranja
|
100
|
80
|
|
|
0
|
10
|
10
|
Nos
campeonatos brasileiros, o laranja era a empresa Traffic Group, do
ex-jornalista J. Hawilla. Na Argentina, o Torneios y Competencia. Na FIFA, a
ISL, que quebrou em 2001. Nos negócios de Rosell, a Alianto.
Os
grupos de midia acertavam os acordos com os dirigentes de federações, mas o
contrato era fechado com os laranjas. Era da parte dos laranjas que saiam as
propinas para os dirigentes. E se fosse muito grande a diferença entre o valor
recebido pelas emissoras na venda de patrocínios, e aqueles pagos aos laranjas,
tratava-se de negócio entre privados. Crime perfeito!
Peça 4 – a situação das investigações
As
investigações apontaram corrupção na venda dos jogos da Copa do Mundo, das
Eliminatórias, da Copa das Américas e da Libertadores.
Na
FIFA, as investigações rapidamente descobriram as relações entre o ILS e os
dirigentes, incluindo os brasileiros João Havelange e Ricardo Teixeira. No
Brasil, nada foi feito. Embora, na FIFA, Teixeira fechasse os negócios
diretamente com a Globo – outras emissoras precisavam passar pelos
intermediários – a emissora passou relativamente incólume pelas primeiras
etapas da investigação.
O
jogo passou a ficar pesado para a Globo agora, quando o FBI e o Ministério Público
da Espanha identificaram pagamento de propinas na venda dos direitos de
transmissão da Copa Brasil. Ali, não houve intermediários: a Globo comprou
diretamente da CBF, através de seu diretor Marcelo Campos Pinto. Foi propina na
veia, sem os cuidados da intermediação.
A
Globo entrou definitivamente na mira do Departamento de Justiça dos EUA, do FBI
e da cooperação internacional.
Esse
fato explica muito dos episódios recentes da política brasileira, como se verá
a seguir.
A
situação de três presidentes da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) é
insólita. O ex-presidente da CBF, José Maria Marin, está preso nos
Estados Unidos há dois anos. Outro ex-presidente, Ricardo Teixeira, não pode
sair do Brasil. J. Hawilla também está preso. E o atual presidente, Marco Polo
Del Nero, não pode viajar. Em outros tempos criminosos fugiam da Justiça de
seus países refugiando-se no Brasil. Agora, criminosos brasileiros fogem da
Justiça de outros paúises nao saindo do país e nçao sendo incomodados pela
Justiça brasileira.
Marin
é secundário. Ficou pouco tempo na presidência da CBF e ganhou participação
minoritária no esquema. As três pessoas-chaves são Ricardo
Teixeira, Del Nero e o diretor da Globo Marcelo Campos Pinto, que negociava os
direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro.
Em
dezembro de 2014, J. Hawila confessou sua culpa à Justiça norte-americana. Não
se sabe o que resultou da sua delação.
Nota
do Departamento de Justiça informou que Hawilla concordou com o confisco de US$
151 milhões de seu patrimônio. Nos dez últimos de atuação, a Traffic faturou em torno de US$
500 milhões. Por aí, dá para se ter uma pálida ideia do montante que
circulava pela organização criminosa.
Quando
o escândalo esquentou, a Globo aposentou Marcelo, que está girando por aí sem
ser incomodado pelo MPF ou pela Polícia Federal.
Peça 5 – a parceria Ministério
Público – Globo
Vamos
conferir uma pequena cronologia, que ajudará a entender muitos dos episódios
políticos recentes.
17
de maio de 2017 – O Globo dá início à fritura de Michel Temer, publicando
com exclusividade o furo da delação dos irmãos Batista, da JBS, e hipotecando
apoio total ao PGR Rodrigo Janot..
Foi
uma cobertura atrapalhada, na qual todos os veículos da Globo caíram de cabeça,
no início de uma forma atabalhoada, como se infere da primeira cobertura do
Jornal Nacional. A partir daí, se tornaria o assunto diário dominante em toda a
imprensa e nos blogs.
21
de maio de 2017 – quatro dias depois, Teixeira planta uma nota na seção Radar, da Veja, informando que estava se
preparando para um acordo de delação nos Estados Unidos.
Era
um recado claro: ou me protegem, ou vamos todos para o buraco. Nos EUA, o
delator se obriga a confessar os crimes, não pode faltar com a verdade e não
pode esconder informações. As penas para as faltas são superiores àquelas
previstas para o crime.
23
de maio de 2017 – o escândalo estoura na Espanha, com a prisão de Rosell e
tem ampla repercussão na imprensa europeia. No Brasil, apenas uma cobertura
pontual e sem desdobramentos, com exceção do correspondente do Estadão em
Genebra, Jamil Chade..
26
de maio de 2017 – Reportagem
de Chade informando que documentos de posse da Procuradoria Geral da
República, enviados pelo FBI e pelo MP da Espanha, indicavam que Ricardo
Teixeira usou conta dos Estados Unidos para movimentações financeiras, enquanto
presidia a CBF (Confederação Brasileira de Futebol).
As
transferências se deram através de contas do Banestado e do Banco Rural.
Levantamentos
da COAF (Conselho de Controle das Atividades Financeiras) identificaram
remessas de R$ 229 milhões entre 2007 e 2012. Desse total, segundo Chade, R$
149 milhões estariam sob suspeita.
No
período, Teixeira recebeu R$ 13 milhões do ex-presidente do Barcelona, Sandro
Rosell, R$ 5 milhões da FIFA, R$ 4,4 milhões do Comitê Organizador da Copa de
2010 e R$ 3,5 milhões da CBF.
Em outra reportagem, publicada
no mesmo dia 26 de maio, Chade revela que Teixeira utilizou uma rede de
empresas de fachada e contas em seis paraísos fiscais para desviar cerca de R$
30 milhões da seleção brasileira e lavar dinheiro. Por essas contas passaram
mais R$ 90 milhões de origem suspeita. Nos documentos, uma informação que
colocava a Globo no epicentro do escândalo: a compra dos direitos de
transmissão da Copa Brasil diretamente da CBF.
Importante:
segundo Chade, o MPF já tinha recebido todas as informações do FBI e do
Ministério Público espanhol.
Peça 6 – juntando as peças do jogo
MPF+Globo
Janot
tinha perdido todo o protagonismo da Lava Jato para a força tarefa de Curitiba.
Estava enfraquecido perante seus pares. E a manutenção da presidência com
Michel Temer era sinal forte de que seu grupo perderia espaço na escolha do
novo PGR.
Já
tinha informações sobre a Operação Rimet antes de se tornar pública.
De
certo modo, foi apanhado no torvelinho das delações da JBS, sendo empurrado
para o centro do tablado.
Mesmo
assim, o material da JBS lhe foi duplamente benéfico. De um lado, lhe
devolveu o protagonismo junto à categoria; de outro feriria de morte o governo
Temer. E a Operação Rimet lhe deu o aliado dos sonhos, a própria Globo.
A
Globo foi informada que a Operação Rimet estava prestes a explodir.
Precisaria com urgência de um tema suficientemente bombástico para matar a
cobertura que se seguiria.
O
caso JBS explode no dia 17 de maio, uma semana antes da Operação Rimet vir
a público, dois dias antes de Teixeira passar recibo sobre ela. A Globo entra
de cabeça no tema e, nas semanas seguintes, o tema JBS se sobrepôs a todos os
demais, inclusive à Operação Rimet, que recebeu uma cobertura burocrática dos
jornais – com exceção do bravo Jamil Chade.
Instala-se,
então, a guerra mundial entre Janot e Temer, com abundância de combustível
sendo levado à imprensa, especialmente aos veículos das Organizações Globo.
Ao
mesmo tempo, na disputa da lista tríplice aparecem três favoritos – Raquel
Dodge, Mário Bonsaglia e Ela Wiecko -, ameaçando deixar de fora o candidato de
Janot, Nicolao Dino.
No
dia 19 de junho, matéria
de O Globo tentava queimar dois dos favoritos à lista tríplice.
Segundo a matéria, Raquel Dodge seria a candidata de Gilmar Mendes e dos
caciques do PMDB; já Mário Bonsaglia seria o preferido de Temer.
No
mesmo dia, à noite, cobertura
de O Globo para os debates dos candidatos, insistiu na tese de que
Raquel era a favorita do PMDB.
No
dia 20 de junho, matéria
do G1 insistindo na tese de que Raquel era a candidata do Palácio.
Na
miscelânea em que se tonou o jornalismo online, imediatamente várias outras
publicações endossaram a tese.
Quem
acompanha por dentro o MPF sabe que as informações eram falsas, visando
manipular as eleições para a lista tríplice. Contrariamente ao que a Globo
esperava, a manipulação está fortalecendo as duas candidaturas. A manutenção do
grupo de Janot seria a garantia de que o assunto FIFA-Copa Brasil-Globo
continuaria intocado pelo MPF. Nâo por cumplicidade, mas por falta de coragem
de enfrentar o império midiático.
Peça 7 – a atrofia do futebol
brasileiro
A
falta de atuação do MPF em relação ao grupo CBF-Globo é a principal responsável
pela fragilidade do futebol brasileiro, pelo fato de ter transformado a pátria
do futebol em um mero exportador de jogadores, alimentando o submundo da
lavagem de dinheiro internacional.
Só
depois que estourou o caso FIFA, e J. Hawila foi preso, houve algum
questionamento do poder da Globo sobre as transmissões, através da TV Record. A
disputa levou a Globo, pela primeira vez, a oferecer luvas decentes para os
clubes de futebol.
Os
clubes de futebol bem administrados poderiam ter se convertido em Barcelonas,
Real Madri, Internacional de Milão. Mas a corrupção na venda de direitos de
transmissão exauriu os clubes, impedindo o fortalecimento e a própria
profissionalização do futebol brasileiro, que se tornou um dos pontos mais
evidentes de corrupção e lavagem de dinheiro no comércio de jogadores.
A
única operação no setor, tocada pelo procurador Rodrigo De Grandis – que
emperrou as investigações sobre a corrupção da Alstom em São Paulo – foi
contra um empresário russo, porque havia a suspeita de que José Dirceu pudesse
estar por trás dele. A suspeita jamais foi confirmada, mas forneceu a motivação
para o MPF se interessar pelo tema.
Do
lado da mídia, esmeraram-se até encontrando parentes de políticos petistas
trabalhando na arena do Corinthians. Mas fecharam os olhos para o maior
episódio de corrupção da história, depois da Lava Jato.
Outro lado
Consultado
nesta quarta-feira (21), o Ministério Público Federal (MPF) encaminhou seu
posicionamento apenas na tarde desta quinta, afirmando há investigações em
curso por procuradores da República, que confirmaram a existência de apurações
no Brasil relacionadas à FIFA e ao ex-presidente da CBF, Ricardo Teixeira.
Entretanto,
nenhum detalhe foi repassado pelos procuradores à Comunicação do MPF porque os
autos tramitam em segredo de Justiça. "O MPF conduz investigações sobre o
caso. No entanto, as apurações correm em sigilo, portanto, não temos acesso às
informações", informou a assessoria de imprensa ao GGN, após um dia
de prazo da publicação e o fechamento da reportagem.
Do
GGN