A polêmica
decisão de que um investigado pode ser preso antes que se esgotem todas as suas
chances de recursos na Justiça Brasileira pode voltar à cena das discussões. O
Supremo Tribunal Federal (STF) fixou esse entendimento no ano passado, mas
ainda não é consenso a todos os ministros.
Um habeas corpus
analisado nesta terça-feira (23) trouxe o tema à toma novamente. A Segunda
Turma do Supremo, a mesma que analisa os processos da Operação Lava Jato, uma
outra interpretação foi aberta no Tribunal.
Ao se
manifestar sobre o tema, o ministro Gilmar Mendes disse que o entendimento
feito pelo Tribunal no ano passado era de "permitir" a prisão a
partir da segunda instância, mas não a tornar obrigatória.
A
controversa entre "possibilidade" e "obrigação" pode trazer
o tema em nova discussão. O próprio ministro Gilmar Mendes admitiu:
"Aproveito, senhores ministros, inclusive para registrar a posição que o
ministro Dias Toffoli inclusive já enfatizou e nós também enfatizamos no
plenário quando falamos da desnecessidade do trânsito em julgado. Nós admitimos
que se permitiria a prisão a partir da decisão de segundo grau. Mas não
dissemos que ela fosse obrigatória".
Nesta
análise, segundo ele, haveria uma possibilidade de uma alternativa
intermediária entre a decisão de acatar a condenação de um réu desde o despacho
da segunda instância. Outros ministros, além dele, entendem que a Constituição
garante ao investiga o esgotamento dos recursos, antes da pena, seja ela uma
prisão ou não.
Nessa linha,
Gilmar afirmou: "Hoje já há precedentes de vários colegas. Acho que de do
ministro [Dias] Toffoli, também meu, do ministro Celso [de Mello]. Então, a
rigor… Mas esse é o entendimento que nós externamos majoritariamente, pelo
menos em plenário. Depois, inclusive, o ministro Toffoli fez um avanço que eu
estou a meditar se não devo também seguir, no sentido de exigir pelo menos o
exaurimento da matéria no STJ".
A tese
aventada é de que o próprio Superior Tribunal de Justiça emita um
posicionamento sobre a prisão a partir de condenação em segunda instância.
"Nós tínhamos aquele debate sobre a defensoria pública que dizia que muda
muitos julgamentos ou consegue uniformizar em sede de STJ. De modo que esse é
um tema que nós temos que talvez que revisitar", disse Gilmar.
Em
entrevista ao JOTA, o ministro esclareceu o seu posicionamento. Disse que ainda
há "muita confusão" sobre o assunto e que levantou a revisão porque o
Supremo estava "admitindo os recursos de maneira muito alongada". O
intuito, lembrou, era de definir melhor sobre os alongamentos dos processos,
que chegam a atingir 10 anos em tramitação.
"Mas, o
que nós dissemos, que em uma decisão de segunda instância é possível já
autorizar a prisão, isso que nós dissemos. Não dissemos que ela se torna
obrigatória. e acho que está havendo uma ceta confusão em torno disso".
Entretanto,
apesar de o Supremo emitir esse posicionamento, a medida já criou
jurisprudência e permitiu que réus condenados ainda pela segunda instância já
fossem presos. De acordo com Gilmar, o STF deve debater de forma mais
específica as consequências do entendimento tomado no último ano.
"Eu
chamei atenção para os absurdos que poderiam estar acontecendo. Nós temos uma
população carcerária de quase 700 mil presos, isso excede em mais de 100% as
vagas que temos e é preciso que isso seja contemplado. É claro que isso tem que
ser feito com devidos ajustes, se for o caso com o próprio STJ, para que ele de
a celeridade devida a esses processos", afirmou.
Leia a
entrevista na íntegra concedida ao JOTA:
Jornalista:
O senhor abordou nesta semana a questão da revisão da prisão em 2ª instância
Gilmar: Eu acho que tem muita confusão em torno desse
assunto. Fui eu até que suscitei inicialmente a revisão desse tema, porque eu
acho que nós estávamos admitindo os recursos de maneira muito alongada, tinha
aqueles casos de recursos aqui no Supremo que ficaram por dez anos… Então eu
propus, vamos fazer uma revisão dessa jurisprudência e nós fomos nesse sentido.
Mas, o que
nós dissemos, que em uma decisão de segunda instância é possível já autorizar a
prisão, isso que nós dissemos. Não dissemos que ela se torna obrigatória. e
acho que está havendo uma ceta confusão em torno disso.
Na revisão
que tivemos a oportunidade de fazer eu até recebi os defensores públicos do rio
de janeiro, e eles vieram com um argumento, de que no STJ eles colhem bons
resultados com recursos especiais, e eles conseguem revisar questão de
dosimetria, muitas vezes foi condenado ao regime fechado, consegue ir para o
regime semi-aberto. Me parece que isso está ocorrendo. Ministro Toffoli trouxe
essa argumentação e nós estamos fazendo essa análise, e eu me balançaria,
eventualmente, na oportunidade de se colocar no plenário, de fazer uma revisão…
Jornalista:
Quando esse debate deve ocorrer?
Gilmar: Temos que
ver a questão… eu quis só pontuar porque estava havendo muita confusão. No meu
caso, a pessoa respondia solto porque havia sido concedido HC, relaxamento de
prisão, e quando foi sentenciado voltou à prisão. Eu chamei atenção para os
absurdos que poderiam estar acontecendo. Nós temos uma população carcerária de
quase 700 mil presos, isso excede em mais de 100% as vagas que temos e é
preciso que isso seja contemplado.
É claro que
isso tem que ser feito com devidos ajustes, se for o caso com o próprio STJ,
para que ele de a celeridade devida a esses processos.
Jornalista:
Alguns pontos ficaram nebulosos na decisão do STF?
Gilmar: Eu
acho que o STF foi claro. Não sei o que está na ementa. O STF foi claro. As
posições majoritárias, inclusive a minha, não havia obrigatoriedade da prisão,
era possível, porque aí a pessoa recorre mas não precisa estar recorrendo em
liberdade, não precisa se recolher à prisão para apelar. Se for necessário
esclarecer, a gente esclarecer. O problema é que esta havendo enxurrada de
casos, há recursos plausíveis e se decreta desde logo a prisão. Isso estamos dispostos a rever. Na turma tem o
voto do ministro Dias Toffoli, ministro Ricardo Lewandowski, e ministro Celso
de Mello até mais radical.
Jornalista:
Se isso ocorrer, seria retrocesso ou caso de reduzir para o STJ…
Gilmar:
Manteria o mesmo entendimento só que colocaria mais uma instância que examina
essas questões. Quem me impressionou
muito foi o grupo da defensoria que mostrou resultados estatístico muito
plausíveis e estamos falando de réus pobres.
GGN