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segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Lições de Casa-grande & senzala para o Brasil atual, por Mário Lima Junior

A frase “A casa-grande surta quando a senzala vira médica” surgiu em 2016 com Suzane da Silva, jovem negra estudante de Medicina que sofreu ataques racistas na internet. E viralizou no ano seguinte a partir da postagem no Facebook de Bruna Sena, primeira colocada no vestibular de Medicina da USP de Ribeirão Preto e negra também. Casa-grande & senzala, obra-prima de Gilberto Freyre publicada em 1933, ajuda a entender o país onde vivemos e o protesto dessas estudantes.
Qualquer livro se torna um desafio em tempos de leituras rápidas usando o celular, imagine um livro de mais de 500 páginas. A leitura de Casa-grande & senzala é densa, afinal, o Brasil não é simples. Cansa menos se esconder atrás da ignorância e xingar nas redes sociais.
Na opinião de Darcy Ribeiro, outro gênio que se dedicou a interpretar o Brasil, Casa-grande & senzala é “o maior dos livros brasileiros”. A primeira lição dele diz respeito ao Presidente da República, pelo menos na 51ª edição, da Global Editora. Acompanha o livro uma poesia do autor chamada “O outro Brasil que vem aí”. Nela, Gilberto diz que um dia qualquer brasileiro poderá governar o Brasil, contanto que seja digno do governo. Michel Temer definitivamente não é esse brasileiro.
Casa-grande & senzala traz gentil e progressivamente uma enorme riqueza de detalhes sobre o período escravocrata. Os africanos acrescentaram à formação do Brasil uma cultura mais avançada que a indígena e alto conhecimento técnico, empregado inclusive nas minas. Havia escravos estimados como membros da família patriarcal, mas presos à condição de escravos. E outros tão mal tratados quanto animais.
Crianças brancas ganhavam de presente dos pais crianças negras da mesma idade e sexo. As brancas montavam nas costas das negras, as espancavam e humilhavam. Imoralidade demoníaca que durou séculos. Não raro uma pessoa negra é confundida com o porteiro ou motorista, alguém que deve obedecer incondicionalmente. Como a babá obrigada a levar os filhos dos patrões a uma manifestação política.
Freyre afirma que a colonização não seria possível sem mão-de-obra escrava. Pesa na avaliação sociológica a limitação de recursos humanos portugueses diante das adversidades do território (umidade, alagamentos, mosquitos famintos, seca), o que não significa aprovação pessoal das milhões de vidas massacradas.
O Brasil não superou o racismo e a exploração humana detalhados no livro, por isso Bruna e Suzane comemoraram bastante. Somente 8% dos adultos negros concluíram o curso superior. Negros ocupam menos de 5% dos cargos executivos das 500 maiores empresas brasileiras.
No passado, escravos recebiam a culpa pela disseminação de doenças sexualmente transmissíveis, pelos maus hábitos das crianças brancas, pela sujeira e desordem. Um engano cometido até por sociólogos. O sistema escravocrata e o homem branco eram os culpados, Gilberto revela. Preconceituosos ainda dizem que hábitos ruins são “coisas de preto”.
A importância do ventre indígena no princípio da nossa sociedade é destacada no livro. A quantidade de mulheres europeias era insignificante e a força de trabalho, que consumiu índios antes de negros, principalmente masculina.
Dos índios herdamos a higiene apurada, o gosto pela rede de dormir, as superstições envolvendo animais monstruosos. Dos africanos, a forma efusiva e meiga de falar, o Candomblé, preferências alimentares como o azeite de dendê.
Características do povo português viabilizaram o sucesso da colonização. Quando chegaram ao nosso litoral, os portugueses já acumulavam um século de aventuras nos trópicos. A mistura sanguínea com mouros lhes deu resistência ao calor do clima e a plasticidade necessária à união sexual com outras raças.
O braço e a espada do particular, mais do que a ação oficial, construiu nossa sociedade. Prática criminosa onde encontrou inspiração a desembargadora que tirou seu filho da cadeia na marra.
A taxa de suicídio entre indígenas é três vezes maior que a média nacional. O nível de qualidade de vida dos negros está 10 anos atrasado em relação ao dos brancos. O Brasil está próximo da perdição, da falta completa de rumo político. Gilberto Freyre, um dos mais importantes pensadores do século 20, propõe o caminho do respeito mútuo ao escrever essas linhas:
– Todo brasileiro, mesmo o alvo, de cabelo louro, traz na alma, quando não na alma e no corpo, a sombra, ou pelo menos a pinta, do indígena ou do negro.
GGN