Nos Embargos de Declaração do procurador
Ivan Marx, contra decisão da juíza que não homologou a desistência da ação que
tenta criminalizar Dilma Rousseff pelas pedaladas, há uma analogia interessante
que serve para demonstrar como o TCU (Tribunal de Contas da União) criminalizou
práticas históricas para criar o álibi técnico para a derrubada do governo.
O TCU admitiu que as práticas eram
recorrentes. O que diferenciava as pedaladas de Dilma era a intensidade:
32. Entretanto, a partir do momento em que
há atrasos reiterados nos repasses dos recursos à Caixa, gerando saldos
negativos significativos e prolongados nas contas de suprimento, estabelece-se
nova relação: o banco passa a financiar a União, mediante “linha de crédito”
que garante a continuidade dos pagamentos aos beneficiários, mas com ônus para
o erário, na forma de juros bancários, e com graves consequências sobre o
endividamento público.
Ivan Marx, então, supôs a seguinte situação:
Em um país distante daqui, surgiu, no ano
de 1994, a prática de resolver desavenças por meio de duelos. Nesses embates,
os perdedores sempre morriam abatidos por um ou no máximo dois tiros. No ano de
2000, pela primeira vez, surge uma lei dizendo que matar é crime. Alheios a
isso e não imaginando que a lei se aplicasse ao caso dos duelos, os desafetos
continuaram a duelar, nos mesmos moldes.
Ocorre que, a partir do ano de 2013, os
vitoriosos nos duelos passaram a, após morta sua vítima, desferir-lhes ainda
mais três, quatro e, por vezes, até cinco tiros.
Em 2015, órgãos fiscalizatórios apontam a
existência de um problema já que, a partir do momento em que começaram a matar
desferindo mais de dois tiros, os vitoriosos teriam passado a cometer o crime
de homicídio, tipificado desde o ano de 2000. Assim, é determinado que se sane
o problema, restando proibido matar desferindo mais de dois tiros e, ainda, que
todos aqueles que mataram com mais de dois tiros respondam pelos crimes de
homicídio praticados.
Em algum momento, no entanto, alguém faz a
seguinte observação: o que a lei de 2000 tipificou foi o crime de homicídio e
não o crime de dar tiros extras no falecido e, portanto, os duelos devem ser
proibidos a partir de agora e quanto aos homicídios cometidos duas soluções se
apresentam: ou todos aqueles que mataram desde a entrada em vigor da Lei no ano
de 2000 devem responder pelo crime de homicídio ou, se se entender que eles não
sabiam que essa lei se aplicava ao caso dos duelos, todos devem ser inocentados.
Prossegue ele:
No caso presente, a autorização de
antecipação do pagamento por parte da CEF decorre de disposição contratual e
ocorre desde o ano de 1994, conforme acima reconhecido pela SecexFazenda.
No ano de 2000, a Lei 10.028 acrescentou
ao Título XI do Código Penal o capítulo 'Dos crimes contra as finanças
públicas' , dentre os quais se encontra o artigo 359-A que define como sendo
crime ' Ordenar, autorizar ou realizar operação de crédito, interno ou externo,
sem prévia autorização legislativa'.
A partir desse momento e, considerando-se
a amoldagem do contrato da União com a CEF ao conceito de operação de crédito
(como aponta o TCU), o crime passara a ocorrer.
Assim, não foram os aumentos nos volumes
de débitos da União, surgidos a partir de 2013, que configuraram o crime de
'operação de crédito sem autorização legislativa'. De modo que, desde o ano de
2000 esse crime vem sendo praticado e todos seus praticantes devem ser
responsabilizados ou nenhum o deve, no caso de se entender que não tinham
conhecimento de que o tipo penal criado no ano de 2000 se amoldava àquela praxe
preexistente e que permanecera até 2015 sem qualquer questionamento por parte
das autoridades de controle (TCU, MPF, etc).
Ainda, e mais curioso, seria o fato de que
esse crime continuaria sendo praticado, inclusive no instante em que essas
letras estão sendo jogadas no papel. Isso em razão de que o TCU, muito embora
tenha apontado a existência de crime no caso, não determinou nenhuma medida
para sua correção, limitando-se a determinar que os débitos não deveriam mais
se acumular e, ainda, que deveriam ser captados pelo BACEN para as estatísticas
fiscais. Ou seja, o TCU aponta a existência do crime de operação de crédito,
mas determina correções apenas no que se refere aos atos de maquiagem fiscal
(atrasos sem captação pelo BACEN para fins de estatística).
Essa é a maior prova de que o problema
está na relevância financeira do atraso dos pagamentos aliada a sua não
captação pelas estatísticas do BACEN (a verdadeira 'pedalada' que constitui ato
de improbidade administrativa) e não na existência de uma 'operação de crédito
não autorizada' na relação contratual estabelecida entre CEF e União.
Se o problema estivesse na raiz, haveria
que se proibir e coibir a prática do duelo e não apenas a utilização de tiros
extras. Ou seja, se o crime é realizar a operação de crédito sem autorização
legislativa e se no caso dos contratos da União com a Caixa esse crime se
apresenta, existiriam apenas duas soluções: 1. Encerrar os contratos, passando
a União a pagar diretamente os benefícios sociais sem a intermediação da CEF
ou; 2. Providenciar a autorização legislativa (como no caso do FGTS, acima
referido) para o prosseguimento das operações. No entanto, nenhuma dessas
medidas foi apontada como sendo necessária.
Nessa linha argumentativa, tratando-se no
presente caso de fatos que teriam início a partir do ano de 2013, claramente
não se poderia cogitar da existência de dolo na prática da criminosa 'operação
de crédito'. E não se pode olvidar que nenhum dos crimes previstos no Código
Penal contra as finanças públicas admite a forma culposa.”
GGN