Depois
demorar 1 ano para conceder a Pizzolato o direito de migrar do regime fechado
para o semi-aberto, ministro do Supremo Tribunal Federal criou para o réu do
Mensalão uma regra que ele próprio não exige de outros condenados. Em mensagens
obtidas pelo GGN, Pizzolato denuncia outros abusos do Judiciário.
Condenado
a 12 anos e 7 meses de prisão na Ação Penal 470 (Mensalão), Henrique Pizzolato
já cumpriu o prazo exigido por lei para ter direito ao regime aberto. Mas o
ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, não tem acatado o
que diz a lei e tampouco seguido decisões que ele próprio tomou no passado,
denotando uma tendência a tratar Pizzolato de maneira diferenciada. É o que diz
o ex-diretor do Banco do Brasil em mensagens onde denuncia uma série de
"abusos” envolvendo o Judiciário.
Barroso,
há não muito, protagonizou um bate-boca com Gilmar Mendes que teve como pano de
fundo justamente o julgamento do Mensalão, além de Lava Jato e dos debates
acalorados sobre execução penal a partir de condenação em segunda instância.
Barroso parecia não querer ser visto como um ministro “leniente” com qualquer
figura que tenha protagonizado - ou sido arrastada - para escândalos de corrupção.
Barroso
também atacou Gilmar por criar jurisprudência de acordo com a cara do réu.
Ironicamente, é disso que se trata a queixa de Pizzolato.
A
demora de quase 1 ano de Barroso para autorizar a progressão de regime a
Pizzolato pautou uma carta da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara
dos Deputados à embaixada da Itália no Brasil, com um pedido para que o
Ministério da Justiça da península tome conhecimento da morosidade do
Judiciário brasileiro e interceda.
A
carta explica exatamente o que aconteceu.
Em
7 de junho de 2016, Pizzolato, que está preso desde outubro de 2015, deveria
ter começado o regime semiaberto. Mas esse direito só lhe foi concedido por
Barroso um ano depois, em maio de 2017. Na prática, a progressão só ocorreu
três meses após a autorização: em agosto de 2017.
A
demora foi tanta que deu tempo de Pizzolato cumprir as exigências do regime
aberto em julho de 2017. Na mesma data, Barroso recebeu um pedido para fazer a
transição.
Ocorre
que o ministro decidiu negar o pedido sob o argumento de que "embora
tivesse cumprido 1/6 da pena em 7/6/2016, o sentenciado somente foi autorizado
a progredir para o regime semiaberto no dia 30/05/2017. Data em que acolhida a
proposta de parcelamento da pena de multa, requisito exigido pelo plenário do
Supremo para a progressão do regime."
O
parcelamento de multa foi um acordo no qual Pizzolato se comprometeu a pagar
uma multa de R$ 2 milhões em parcelas de poucos mais de R$ 2 mil mensalmente.
Na
prática, Barroso criou uma nova data para Pizzolato progredir de regime
novamente, fazendo com que ele passe mais tempo em um regime que não lhe
compete mais.
REGRAS
DE ACORDO COM O RÉU
A
Comissão de Direitos Humanos disse que a decisão de Barroso
"surpreendente" porque o ministro, no caso de outra condenada no
mensalão, decidiu de "forma diversa". Ele usou como data base para
conceder a progressão para o regime aberto não o dia em que a decisão foi
tomada, mas o dia em que a condenada, de fato, completou 1/6 da pena.
Os
parlamentares avaliaram que Barroso está "exigindo o cumprimento de uma
pena superior àquela a qual [Pizzolato] foi condenado, em claro desrespeito a
seus direitos legais", (...) constituindo-se em constrangimento ilegal a
não observância da data em que o apenado efetivamente cumpriu o tempo da pena
para a progressão de regime"
A
Comissão ainda assinalou que o ministro deu "tratamento desigual e
injustificado e em prejuízo de Pizzolato, fato que preocupa sobremaneira, por
caracterizar-se em ato discriminatório, persecutório, e que não deverá
prevalecer."
Pizzolato,
por sua vez, escreveu recentemente uma mensagem, a qual o GGN teve
acesso, onde afirma que a decisão de Barroso afronta o acordo Brasil x Itália e
soma-se a vários outros abusos cometidos pelo Judiciário.
Em
julho, a Comissão também enviou a Rodrigo Janot, antecessor de Raquel Dodge na
Procuradoria-Geral da República, um ofício narrando uma série de
arbitrariedades que ocorreram com Pizzolato na prisão.
Por
conta de uma regra interna da qual ele não tinha conhecimento, Pizzolato perdeu
o status de preso vulnerável e foi transferido para uma cela compartilhada com
mais uma dezena de presos que precisam se revezar para dormir no chão. Também
sem explicações, tiram-lhe o direito à remissão da pena a partir da leitura de
livros. Por um período de tempo, e igualmente sem justificativa, ele foi
proibido de trabalhar. Tudo isso com aval da juíza da Vara de Execuções Penais
do Distrito Federal Leila Cury, diz o documento.
LIVRAMENTO
CONDICIONAL
Em
outra mensagem, Pizzolato diz que já cumpriu um total de ⅓ da condenação há
mais de 2 meses e poderia desfrutar do “livramento condicional”, mas continua
no regime semiaberto sem perspectivas de mudanças. “Como as leis, no Brasil,
não servem para nada, continuo refém e sendo, ainda, torturado. A tortura é
deliberadamente assumida e consiste em usar de subterfúgios para lentamente
matar o refém”, disparou.
A
tortura a qual Pizzolato faz referência é um procedimento misterioso que
tramita entre a Procuradoria-Geral da República e o ministro Barroso.
Pizzolato
desconfia que o magistrado solicitou um posicionamento de Raquel Dodge sobre o
pedido de progressão para o regime aberto ou sobre o livramento condicional,
embora sejam demandas distintas.
O
livramento condicional é um benefício que o réu pode solicitar quando tem bom
comportamento, foi condenado a mais de 2 anos de prisão e já cumpriu ⅓ da pena.
As condições em que o livramento poderá se dar depende dos critérios
estabelecidos pelo juiz da execução penal.
Ocorre
que, segundo relatos da esposa de Henrique Pizzolato, Andrea Haas, a PGR e
Barroso não estão preocupados em discutir a progressão do regime ou os abusos
que acontecem na detenção, mas sim “(des)cumprimento, pela Juíza Leila Cury, de
um pedido dirigido a ela pelo ministro Barroso”, que não se sabe qual foi.
“O
absurdo é Henrique – que já cumpriu TODOS os requisitos estabelecidos por lei
(e mesmo aqueles, que não estão na lei, criados pelo ministro Barroso), seja
para o regime aberto, seja para o livramento condicional – esperar, há muito
tempo, em situação prisional irregular, que a Procuradora Raquel Dodge, a Juíza
Leila Cury e o Ministro Barroso decidam por respeitar a lei”, escreveu a
Andrea.
GGN