Peça 1 – as aventuras de
um provinciano na corte do Tio Sam
A
história do século 20 está coalhada de mandatários caricatos, seja no mundo
real ou do cinema. Especialmente nos Estados Unidos, depois que se tornaram a
economia mais poderosa do planeta, a figura do ditador (ou mandatário) terceiro
mundista, deslumbrado, caricato, tornou-se um dos pratos prediletos no ramo das
comédias grotescas nacionais.
Poucos
personagens se igualaram ao show de ridículo de Jair Bolsonaro, El Refundador –
o estadista que deu ao Brasil a refundação tão alardeada pelo Ministro Luís
Roberto Barroso – nesta viagem à corte do Tio Sam.
Seus
assessores principais o trataram como idiota. É o caso do Ministro da Economia
Paulo Guedes dizendo em público que El Refundador “tem culhões” para segurar o
aumento do gasto público. Lembra a história do desafio do “duvide-o-dó”, dos
tempos de moleque. Ou, para os homens de negócios americanos, afirmando que El
Refundador gosta de “Coca Cola e hambúrguer”, a única característica do modo de
vida americano assimilada por ele. Esqueceu de falar da Disneyworld, CIA e FBI
e da indústria de armas.
Tratar
o presidente da República como idiota é uma falta total de respeito
institucional pelo cargo, ainda que ele se comporte como um idiota, encantado
pelo fato de Trump ter oferecido seu número particular de celular para ele.
Trump nem precisou pedir reciprocidade porque a NSA já possui a agenda completa
dos celulares das autoridades brasileiras.
O
show se tornou completo com as investidas do filho número 3, as comemorações
pelo Twitter do filho número 2, e o amuo do Ministro das Relações Exteriores
por ter sido preterido na visita ao Salão Oval.
Nem
Idi Amin, em seus tempos áureos, protagonizou tal vexame.
Peça 2 – o toma-lá-dá-lá
Não
se ficou apenas no assassinato da imagem do país. As negociações bilaterais
nada ficaram a dever às miçangas com que os conquistadores portugueses
conseguiram cativar os silvícolas.
El
Refundador aceitou isenção de tributos para importação de trigo e de suínos em
troca de nada. Aceitou abrir mão das salvaguardas da Organização Mundial do
Comércio (OMC) para nações em desenvolvimento em troca do apoio dos EUA para o
ingresso do país na OCDE (a organização que reúne as maiores economias do
planeta).
Não
há um ganho efetivo sequer nesse ingresso. A OCDE atua no monitoramento das
condições econômicas do país-membro, para torna-lo mais apetecível aos
investimentos externos. É um monitoramento a mais nas políticas públicas. Tudo
o que sugere pode ser feito de forma voluntária pelo país, sem se submeter a
nenhum monitoramento. E só aderem países com multinacionais fortes, precisando
de espaço para ampliar seu poder, não um país cujas multi foram destruídas por
uma ação conjunta da Lava Jato com o Departamento de Justiça dos EUA, com base
em uma legislação da OCDE.
Mesmo
assim, aceitou-se abrir mão de vantagens objetivas do comércio, das quais nem
economias mais potentes, como a China, abrem mão. E tudo porque El Refundador
gosta de Coca Cola, hambúrguer e da Disneyworld. Entregou a base de Alcântara
aos Estados Unidos, sem impor nenhuma condição de transferência de tecnologia.
Tudo de mão beijada, apenas pela honra de aparecer em uma foto com Trump.
O
evento comprovou a total incapacidade de El Refundador de defender o interesse
nacional.
Peça 3 – a visita à CIA
A
visita de Sérgio Moro à CIA, com o Refundador e tropa, é a comprovação fática
da influência externa na Lava Jato.
Numa
ponta, submete-se os sistemas de inteligência brasileira ao monitoramento da
CIA, como ocorreu com a Lava Jato. Na outra, a política econômica ao
monitoramento da OCDE. E, como recompensa, a divisão do butim das imensas
multas aplicadas às empresas brasileiras, por esse conluio de Sergio Moro, Lava
Jato e Departamento de Justiça.
As
explicações de Moro para a visita não explicaram nada. A história de que foi
tratar de narcotráfico não bate. O departamento de narcotráfico é o DEA, não a
CIA. Nem bate a história das informações sobre organizações criminosas. A CIA
trata de terrorismo, e de espionagem em outros países, não da influência das
milícias nos governos nacionais.
Peça 4 – a queda na
popularidade
Tem-se,
neste Xadrez, então, três peças demonstrando a falta absoluta de uma estratégia
de governo, de estatura mínima para defender interesses nacionais.
Ao
mesmo tempo, as últimas pesquisas de opinião mostram o desabamento da imagem de
El Refundador junto à opinião pública. O público pode demorar para entender
desdobramentos de decisões econômicas. Mas os feitos do número 3 no Twitter, os
vídeos pornográficos, as tolices diárias, ajudaram a acelerar o desmanche da
imagem do número 1.
É
impossível esperar dele qualquer mudança de estratégia, sequer qualquer esboço
de estratégia política. É um tosco. A perda da popularidade é a antessala da
perda de mandato.
Peça 5 – o fim do medo
Há
dois pontos centrais que ajudarão a marcar o final de Bolsonaro, o breve.
O
primeiro, a constatação das cortes brasilienses de que a escandalização com o
governo não se resume a eleitores desiludidos, mas às próprias Forças Armadas.
À esta altura, não há como o Alto Comando não se dar conta dos riscos de se
deixar o país nas mãos desses desatinados. Especialmente à medida em que vai
ficando claro o envolvimento do clã com milícias digitais e milícias
criminosas.
O
segundo, é o fim da blindagem da Lava Jato, com a explicitação dos interesses
menores na criação da fatídica fundação de direito privado.
O
ponto de inflexão foi a reação do STF (Supremo Tribunal Federal) contra o jogo
de chantagens das milícias digitais e os ataques de procuradores nas redes
sociais, com a decisão do presidente Dias Toffoli de mandar investigar a origem
dos ataques. Por aí se quebrará a parte mais ostensiva da influência dos
bolsonaristas-lavajateiros, com suas ameaças digitais.
No
dia em que se contar a história da Lava Jato, aliás, ficará claro os movimentos
de chantagem contra quatro ministros da corte – não necessariamente da parte da
Lava Jato, mas das milícias de direita que se formaram em torno dela e que
ajudaram a impulsionar o impeachment.
Há
indícios de que pelo menos quatro Ministros se submeteram às pressões:
Luís
Roberto Barroso – com o dossiê envolvendo sogra e esposa e investimentos
imobiliários em Miami. Depois do aggiornamento de Barroso, não mais
se falou do tal dossiê.
Luiz
Edson Fachin – farta documentação (inclusive fotográfica) do trabalho
realizado pela JBS em favor da sua eleição para o cargo, passando pelo
empréstimo do jatinho da empresa para as visitas a senadores em seus estados de
origem, e festividades típicas da corte brasiliense. A mudança de Fachin foi
radical. E o dossiê não apareceu.
Carmen
Lúcia – a casa que adquiriu, sub-avaliada, de um vendedor próximo a
Carlinhos Cachoeira. O episódio mereceu uma nota em uma coluna de O Globo.
Depois que a Ministra se alinhou ao punitivismo, o caso sumiu dos jornais.
Luiz
Fux – é o tal Ministro que está sendo agora alvo de ameaças, conforme
indicado dias desses por Gilmar Mendes, e não Barroso, como supus. As
investigações da Lava Jato Rio estão indo a fundo no sistema judicial e nos
escritórios de advocacia. Semana sim, semana não, há uma nota em jornal com
insinuações sobre a delação do ex-governador Sérgio Cabral.
Nem
se julgue que sejam cúmplices de atos criminosos. Foram subjugados unicamente
com a ameaça sobre suas reputações. Abriram mão de convicções tratando
reputação púbica – isto é, a serviço do público – como um ativo privado.
Nada
disso ajudará a segurar a enchente quando o caso das milícias e de Marielle
Franco for finalmente desvendado.
Do
GGN