No início
parecia simples, muito simples.
1.
Em momentos de mal-estar generalizado, a personificação da crise é sempre o
presidente da República. E se tinha uma presidente impopular que cometeu
inúmeros erros.
2.
Com a ajuda da Lava Jato, a mídia completa o trabalho de desconstrução do
governo e estimula as manifestações de rua, intimidando o STF (Supremo Tribunal
Federal).
3.
No Congresso, PMDB e PSDB travam as medidas econômicas de modo a impedir que a
presidente acerte o passo.
4.
Derrubada a presidente, implementam-se rapidamente medidas radicais, a tal
Ponte Para o Futuro, que não seriam aprovadas em período de normalidade.
Caso haja movimentos de rua, aciona-se a
Polícia Militar e as Forças Armadas.
5.
Com a Lava Jato, mantem-se a pira acesa e impugna-se Lula.
6.
Com as medidas, haverá uma fase inicial dura, que será debitada na conta do
interino. Depois, uma economia em recuperação, em voo de cruzeiro, que será
cavalgada pelo campeão em 2018.
7.
E corre-se para comemorar o gol.
Foi esse o
plano, tão raso e simples quanto uma análise da Globonews, que estava por trás
do golpe. O primarismo desse pessoal foi esquecer que o Brasil se tornou um
país complexo, no qual não cabem mais os modelos simplórios de golpismo
parlamentar.
Me lembrou a
primeira vez que fui cobrir um congresso de economia em Olinda, em 1982.
O candidato
apresentava sua tese à banca. Montava seu modelito de país apenas com os atores
diretamente ligados ao tema e que não atrapalhassem a tese defendida.
Aí vinham os
examinadores, especialmente Maria da Conceição Tavares e indagava: cadê a
agricultura? Cadê os consumidores? Cadê o constrangimento externo?
O candidato,
então, era obrigado a colocar de volta no modelo os atores extirpados. Quando
colocava, o modelo não fechava mais.
Ilusão 1 – a não-solução Temer
Enquanto
Dilma Rousseff era presidente, automaticamente também era o alvo preferencial
do mal-estar geral. Quando ela sai, o alvo passa a ser o novo presidente,
envolvido até o pescoço nas investigações da Lava Jato.
Na pressa em
derrubar Dilma e aplicar o golpe perfeito, nem se cuidou de analisar melhor a
personalidade do substituto. A mídia julgou possível reconstruir a biografia de
Temer com suas pós-verdades. E constatou rapidamente que apostara todas suas
fichas em um dos políticos mais medíocres da República.
Até então,
tinha feito uma carreira política rigorosamente fora do alcance dos holofotes.
Assumindo o posto, levou para o Palácio seus quatro operadores pessoais e
enrolou-se até em episódios menores, como o caso da carona no avião da JBS.
Exposto à
luz do sol, desmanchou.
Ilusão 2– as reformas sem povo
Só a
profunda ignorância de uma democracia jovem para supor ser possível uma
organização suspeita se apossar do poder e enfiar na marra reformas radicais
contra a maioria da opinião pública.
Pouco a
pouco vai caindo a ficha – mesmo dos economistas mais liberais - que não existe
saída fora da discussão democrática com todos os setores. A não ser que se
pretenda manter o país permanentemente em um estado de exceção. Nesse caso, a
escolha do ditador não será deles.
Ao mesmo
tempo, a ilusão de que a mera troca de governo e o anúncio de reformas
acordaria o espírito animal do empresário trombou com a realidade. A soma de
recessão mais juros reais em alta liquida com qualquer pretensão de equilíbrio
fiscal. Sem uma atitude ousada, de incremento calculado dos gastos públicos,
não haverá recuperação da economia. E esse passo só poderá ser dado em um clima
de entendimento entre os principais atores políticos e econômicos.
Ilusão 3 – engarrafando o gênio
Tiraram o
gênio da garrafa e ordenaram: os limites são Lula e o PT. Depois tentaram
engarrafar novamente, mas o gênio não quer voltar para a garrafa.
Nesse
torvelinho, o PSDB foi devorado, seu presidente deverá ser preso nos próximos
dias, o outro presidenciável, José Serra, escondeu-se – como sempre fez em
momentos críticos -, as demais lideranças se enrolam entre ficar ou sair. E,
com isso, obrigaram seu principal porta-voz, Ministro Gilmar Mendes, a se expor
mais ainda.
Gilmar é o
exemplo mais didático da manipulação da interpretação da lei, peça central do
ativismo judicial. Tudo o que estimulou, no período que antecedeu e durante o
impeachment, volta-se contra os seus. E Gilmar é obrigado a mudar totalmente
seu discurso, mostrando que a posição ideológico-partidária de muitos
magistrados antecede sua interpretação da lei. Há uma interpretação para cada
ocasião.
Tem-se,
agora, um caos total no grupo que se aliou para promover o impeachment.
Ilusão 4 – o poder ilimitado da Globo
A Globo não
tem mais a sutileza de outros tempos, de exercitar suas preferências sem deixar
digitais. Agora está se imiscuindo até nas eleições para a lista tríplice de
Procurador Geral da República.
Em duas
matérias seguidas – uma solta, outra cobrindo o debate dos candidatos – tenta
comprometer dois favoritos às eleições, sustentando que são apoiados por
lideranças com processos na Lava Jato ou pelo próprio Michel Temer.
O Ministério
Público é uma corporação composta por pessoas preparadas para os temas
jurídicos, mas, em geral, desinformadas sobre as jogadas político-midiáticas.
Mas é impossível que esse pacto Janot-Globo passe despercebido da categoria,
como uma intromissão descabida nos seus assuntos internos, tão descabida (aos
olhos da corporação) quanto uma escolha de PGR fora da lista tríplice.
Todo esse
jogo tem como pano de fundo os últimos capítulos das investigações do FBI sobre
a FIFA. Com o indiciamento do presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, o
escândalo finalmente chega à Globo. Será cada vez mais difícil ao MPF – e à
cooperação internacional – justificar a inação no fornecimento de informações
ao FBI.
Com o acordo
com Janot, a Globo tenta se blindar. O escândalo Del Nero está nas principais
publicações internacionais, mas continua solenemente ignorado pelo PGR e sua
equipe.
Essa
circunstância pode explicar o surpreendente pacto Globo-PGR para, de um lado,
derrubar Michel Temer, de outro garantir que o candidato de Janot seja o mais
votado da lista tríplice.
Ilusão 5 – jogo sem vencedores
A evolução
da crise política, econômica e social mostra que será impossível se ter um
vencedor nesse jogo. Os principais atores já estão mortalmente feridos ou em
vias de.
O PSDB
inviabiliza-se como alternativa. O “novo” João Dória Jr se desmancha no ar a
cada dia, com provas cada vez mais evidentes da desinformação sobre a montagem
de políticas públicas eficazes. Apelando cada vez mais para factoides de redes
sociais, para radicalizações inconsequentes, consegue desgastar rapidamente sua
imagem.
Do mesmo
modo, embora ainda contando com apoio popular, a cada dia que passa a Lava Jato
se isola, já que o espaço amplo de que dispunha se devia ao endosso total da
mídia e do mercado ao delenda-Lula. Quando extrapolou, deixou de contar com o
apoio unânime desses setores. Episódios como as palestras de procuradores
faturando em cima do episódio, a desgasta não apenas em muitos setores, mas
dentro do MPF.
A própria
Globo terá que enfrentar um poder superior, supranacional, em territórios
externos, onde sua influência não conta muito.
Chega-se,
assim, àqueles momentos de impasse, em que a guerra leva a um jogo de
perde-perde.
E, no
Paraná, um juiz obcecado, e procuradores partidarizados, pretendem inviabilizar
Lula, um dos pilares centrais para uma saída pacífica da encrenca em que
engolfaram o país.
Do GGN