Frente
à crescente reprovação de seu governo pela maioria do país e ao aumento do
apoio popular a seu impeachment, Jair Bolsonaro não deixa dúvidas de que
pretende dar um autogolpe de Estado. O militarismo está de volta e a
politização das Forças Armadas será inevitável, se não reagirmos e não dermos
um basta a toda e qualquer ação militar fora dos marcos da Constituição.
Não
há mais dúvidas. De novo nosso Brasil e sua democracia enfrentam o risco e a
ameaça do militarismo. Não se trata apenas de presença de 3 mil militares,
inclusive da ativa, no governo federal, mas da tutela aberta militar sobre o
país, da volta do militarismo, da politização das Forças Armadas.
Não
será a primeira vez. Toda nossa história republicana está marcada pela atuação
dos militares como uma força política — no caso armada —, disputando o poder e
os rumos do país. Foi assim na instauração da República em 1889; nos anos 1920
e 1930 com o tenentismo; em 1937 quando o Estado Maior do Exército apoia o
autogolpe de Getúlio do Estado Novo. Durante toda década de 1950, facções das
Forças Armadas aliadas à direita tentaram dar golpes de Estado: em 1950 para
impedir a posse de Getúlio; em 1955, para impedir a posse de JK; em 1961 para
impedir a posse de Jango como presidente. Se os três primeiros fracassaram, o
quarto golpe, em 1964, foi vitorioso, com a destituição pela força das armas de
um governo constitucional e democrático que contava com o apoio da maioria do
povo.
É
preciso registrar que os dois golpes em que os militares assumiram o poder, de
1937 a 1945, na ditadura do Estado Novo, com Vargas, e de 1964 a 1985, com
militares diretamente no comando do país, foram marcados pela impunidade. São
fatos históricos. Os militares brasileiros que torturaram e assassinaram
durante a ditadura militar jamais reconheceram seus crimes, dos quais, aliás,
foram anistiados, caso único na América Latina.
Não
há uma ala militar ou um núcleo militar no governo Bolsonaro. Seja pela razão
que for, o governo é militar, a presidência e o Palácio do Planalto, oito dos
22 ministérios e cada vez mais militares assumem as secretarias de outros
ministérios como no da Saúde, sem falar das estatais e autarquias. A cada dia
fica evidente que as operações políticas e planos do governo, como o
Pro-Brasil, são realizadas pelos militares. Suas digitais estão em movimentos
como a cooptação do Centrão para a base do governo na Câmara dos Deputados com
distribuição de cargos, ou a guerra política contra a oposição, o STF e a
imprensa. Estão presentes na orientação das políticas indígena, ambiental e
educacional, e na gravíssima rendição total aos Estados Unidos na política
externa, com a alienação de nossa soberania.
Os
militares aderiram e apoiam toda gestão de Paulo Guedes na economia do país,
inclusive o desmonte dos bancos públicos e as privatizações, a entrega das
reservas e da riqueza e renda do Pré-sal, o desmonte da saúde e da educação
pública, das universidades e centros de pesquisa. Mas, cinicamente, salvaram
dos cortes e das reformas as estruturas militares, o orçamento das Forças
Armadas, que não foi contingenciado, e sua Previdência. Enquanto o povo amarga
uma reforma da Previdência que aumenta anos de trabalho, reduz benefícios e
penaliza os pobres, os militares mantiveram seus privilégios: paridade,
integralidade, sem limite de idade para aposentar, gratificações, verbas,
ajudas, aumento real de vencimentos de 45%. Uma casta.
TUTELA MILITAR
Esta
tutela se expressa desde o governo Temer. Quando do julgamento do HC de Lula na
Suprema Corte, o então comandante do Exército, general Eduardo Villas Boas,
publicou um twitter expressando que as Forças Armadas não o aceitariam e, o
mais grave, publicou a foto da reunião do Estado Maior do Exército para
demonstrar o apoio que tinha para praticar aquele crime constitucional. O mesmo
Villas Boas que, agora na reserva, saiu em defesa da secretária da Cultura,
Regina Duarte, que em entrevista recente defendeu a ditadura.
No
dia 31 de março deste ano, os três comandantes militares assinaram uma nota de
elogio e apoio ao golpe militar de 1964, sem que os poderes e as instituições
se manifestassem ou coibissem essa escalada das Forças Armadas rumo ao poder.
Mesmo na oposição e na mídia, poucas vozes se levantaram para protestar.
Frente
à crescente reprovação de seu governo pela maioria do país e ao aumento do
apoio popular a seu impeachment, Jair Bolsonaro não deixa dúvidas de que
pretende dar um autogolpe de Estado. De novo vemos a ilusão política que não
haverá golpe de Estado. Não é bom acreditar em ilusões, quando já temos um
governo militar e aqui, na vizinha Bolívia, foi dado um violento e covarde golpe
de Estado com a Polícia Militar. Para o Exército sobrou a tarefa de exigir a
renúncia do presidente Evo Morales.
É
certo que razões políticas não bastam e não devem ser a justificativa para o
impedimento constitucional de um presidente. É golpe parlamentar, como foi
contra a presidente Dilma Rousseff, com a anuência e conivência da Suprema
Corte. Mas todos os dias o presidente viola a Constituição e manifesta
publicamente sua disposição rumo ao autoritarismo. Está evidente que ele
capturou os órgãos de fiscalização, investigação, seja o COAF, a Receita
Federal, o Ministério Público e agora a polícia judiciária da União, a Polícia
Federal, para evitar exatamente a apuração e as investigações e processos
contra sua família, filhos, partido, campanha e atuação na presidência,
evitando assim um julgamento judicial ou pelo parlamento.
Se
não encontra reação, sua estratégia, no curto prazo, continua sendo a de
provocar e avançar sobre os outros poderes. A médio é formar uma maioria na
Câmara, eleger em fevereiro do ano que vem um presidente alinhado com o governo
e ao mesmo tempo esperar as aposentadorias na Suprema Corte para tentar anular
sua ação constitucional. Objetivos que podem não ser alcançados e seu governo
se arrastar até 2022, o que não seria um problema não fosse a gravíssima crise
que o mundo e o Brasil vivem. A ação de Bolsonaro contra o isolamento social e
a verdadeira sabotagem que ele e seu governo fazem em plena pandemia que já
matou mais de 11 mil brasileiros já são razões mais do que suficientes para seu
afastamento da presidência.
HORA DE REAGIR
A
oposição liberal de direita, os partidos PSDB-DEM-MDB e a grande mídia – ainda
que aos poucos seus editoriais revelem o temor de um golpe – com exceções, não
apoiam o impeachment do presidente. Evitam também a questão militar, preferindo
apostar que as Forças Armadas como instituição não apoiariam um autogolpe.
Esquecem as lições da história e o fato concreto de que Bolsonaro agita os
quartéis, apela aos oficiais com comando e tem nas PMs e empresas de segurança
uma reserva armada à sua disposição, fora suas milícias que hoje ocupam a Praça
do Três Poderes exigindo o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo.
O
militarismo está de volta e a politização das Forças Armadas será inevitável,
quase automática, se não reagirmos e não colocarmos um basta a toda e qualquer
ação militar fora dos marcos da Constituição. E a toda e qualquer ação do
presidente quando viola a Constituição usando as Forças Armadas ou as
invocando.
Espero
que não acreditemos em notas oficiais dos militares que repudiam o golpe ou
reafirmam sua vocação democrática – incompatível com o apoio e a louvação ao
golpe militar de 1964. A tradicional aversão militar ao conflito inerente à
democracia, seu elitismo de achar que o povo não sabe votar, sua convicção
recebida nas escolas militares de que eles são os únicos patriotas, seu
histórico de formação positivista como o déspota esclarecido que Geisel bem
representou, seu corporativismo exibido sem pudor na votação da reforma da
Previdência, são ingredientes que apenas devem aumentar nossa convicção de que
os militares têm que estar fora da política. Não podem ser agentes políticos
pela simples razão que a nação os armou para a defender e não para a tutelar ou
para nos submeter à tirania e à ditadura.
Do Nocaute