Junho de
2013 fez emergir a crise da representação, o incômodo generalizado com as
coalizões que fundamentaram a governabilidade na Nova República. O golpe não
foi resposta positiva à crise política, e o caminho está aberto para uma
solução autoritária ou totalitária.
O paradoxo
da crise política e a ascensão autoritária
Para aqueles
que supõem que a crise política está próxima do seu fim, a resposta positiva é
improvável. Pelo contrário, a crise política pode se agravar. Essa verdade
desnuda demonstra que uma possível eleição de um aventureiro qualquer pode nos
tirar da crise para algo pior. Porque saídas mágicas para a crise política como
o afastamento de Dilma não nos livrou de nenhum dos problemas da república e
nos acrescentou vários, agravando, ampliando e perpetuando o caos.
A saída da
crise política não pode ser posta, principalmente pelo campo progressista, para
além da política. Será uma saída política e pela política. Mas, para isso é
preciso entender as origens e as causas desta encalacrada situação que começa
em 2013.
Parece haver
um relativo consenso de que junho de 2013 é um marco. Mas, ainda são
contraditórias suas interpretações. De um lado há análises que defendem que a
fonte principal daqueles eventos foi o conflito distributivo que aflorava com a
ascensão dos pobres à sociedade de consumo, que fez eco nas classes médias
incomodadas com o encarecimento dos serviços para a casa grande e a ampliação
do status das grandes massas. De outro lado, afirma-se que os movimentos de
direita assumiram a pauta e a mobilização. Ambas as análises têm contribuições
à interpretação dos protestos, mas o ponto nevrálgico de 2013 é outro: crise e
fragmentação e a crise da representação.
Por isso,
entender 2013 vai além dos protestos que aconteceram naqueles meses e desde
então e pode ser lido como o desenrolar do que se configurou como o sistema
político da Nova República – filho pródigo em termos institucionais da ditadura
civil-militar de 1964. Defendo aqui que Junho de 2013 não é o começo, portanto,
mas o primeiro ato do final da conciliação da classe política que fez a
redemocratização com a base social que deu sustentação ao sistema político.
As diretas
de 1984 dão início ao momento ótimo da conciliação da política com a sociedade
civil pós-ditadura. A constituição de 1988 renovou as esperanças na política
como objeto de transformação da realidade brasileira. Todavia, a Nova República
se faz à base de conciliação político-partidária que não é exatamente de
classe. E como fiador do alicerce desse sistema está o espólio da ditadura.
Sarney
assumiu no lugar de Tancredo. Collor governou sem pudores com os coronéis do
nordeste. FHC trouxe o PFL de Antônio Carlos Magalhães para a sala de estar do
Palácio do Planalto e os Governos Lula e Dilma tinham suas bases no mesmo PMDB
que esteve em todos esses governos aos quais se opunham.
Desde sempre
a justificativa é a mesma: governabilidade. Pois junho de 2013, para além das
passagens de ônibus, a corrupção e a desonestidade política tem como pano de
fundo o incômodo generalizado em relação às coalizões que fundamentam a
governabilidade. Essa crise de representatividade significa que embora a
disputa pelo poder executivo tenha evoluído para uma espécie de binômio entre
neoliberais e trabalhistas, a disputa pelo legislativo fragmentou-se de tal
forma no pluripartidarismo que muitos dos eleitos representam seu próprio
projeto político local.
Como
conciliar a eleição de um projeto nacional no plano executivo com a
fragmentação do legislativo em interesses mesquinhos e provincianos? Durante
boa parte da Nova República isso se manifestou em forma de acordos e de cargos
de governo. Junho de 2013, em certo sentido, foi um basta a isso. Seu espólio
teve continuidade no crescimento da oposição e fez-se sentir na crise do
impeachment, onde os interessados na substituição do projeto político
trabalhista enxergam a oportunidade de impor o projeto político derrotado nas
urnas.
O que faz o
PSDB no governo Temer? Associou-se para dar a direção macro dos rumos do
Estado. Aproveitou-se da oportunidade que as urnas não os deu. A história de
reconciliação com a política, de tirar a Dilma para as coisas melhorarem, que
tudo estava contaminado e a política se renovaria com a saída do PT é apenas
cortina de fumaça, só havia dois objetivos no impeachment e nenhum dizia
respeito a uma resposta para a crise. De um lado a proposta era estancar a
sangria das delações e de outro lado implementar o projeto neoliberal. Nenhuma
relação remota com a crise de representação que se agravaria com ambas as
pretensões.
O golpe
constitucional não foi uma resposta positiva à crise política, nem uma mudança
que visava a reformar os termos da representatividade. Pelo contrário, foi uma
resposta negativa à crise política: deixou bem claro que as formas de chantagem
do legislativo para com o executivo poderiam vencer.
Os critérios
pelos quais as pessoas votam no Brasil para o legislativo é, via de regra, mais
relaxado em relação ao voto do executivo. Isso nos leva a um paradoxo na
política brasileira: a sustentação do governo depende da base fragmentada do
Congresso que não tem compromisso com o projeto eleito. A população agora mais
atenta e acostumada com a democracia cobra do executivo a coerência que ela
própria não tem ao eleger o legislativo. É o Deputado e o Senador com
representatividade baixa e que se elege a partir do mesmo clientelismo dos anos
1910 que negocia seu apoio ao governo e impõe seus critérios de adesão.
A partir de
junho de 2013 (com pegadas à direita ou não) iniciou-se um movimento na
sociedade civil para não tolerar esse tipo de acordo. A mídia e o judiciário
aparentemente perceberam o movimento e se tornaram os porta-vozes dessa
aclamação. Assim, se sem esses acordos não se governa e com esse tipo de acordo
a popularidade não se sustenta, como ter base social para governar sem cair em
novas armadilhas?
A atual
crise política não deixa espaço para dúvidas: ninguém governará sossegado até
que as coisas mudem. Ou seja, é o fim da estabilidade do sistema político da
Nova República. O que nos leva a um último ponto: se não há saída sustentada na
popularidade nem à direita e nem à esquerda sem ceder aos caprichos da corja
clientelista, qual a saída para a crise política?
Historicamente,
conhecemos a resposta: autoritarismo ou totalitarismo. Sempre que houve crises
de representatividade tão agudas como as que se desenham no Brasil, a resposta
foi a ascensão (eleitoral ou não) de figuras que abusaram do poder para dominar
a crise. Em nome de uma suposta moralização da política, figuras como Franco,
Mussolini, Hitler, Pinochet tomaram as rédeas do poder e usaram de métodos
violentos para domar a crise. Isso implicou, entre perdas de direitos civis,
perseguições e cassações, ditaduras com maior ou menor grau persecutório.
Luis
Fernando Vitagliano - É cientista político e professor universitário. É
colunista do Brasil Debate
Do GGN