A carne fica fraca mesmo é quando vê
os holofotes, por Lenio Streck*
O jurista Lenio Streck avaliou como
um erro a conduta da Polícia Federal ao anunciar, com estadarlhaço, a operação
Carne Fraca, que investiga esquema de pagamento de propina para burlar a
fiscalização do Ministério da Agricultura em empresas produtoras de carne.
Nesta segunda (20), três dias após a
notícia se espalhar por jornais de todo o mundo, os produtos brasileiros já
foram bloqueados na China, Coreia do Sul, Chile e está sob ameaça na Europa.
Para Lenio Streck, se a PF continuar
achando que operações desse tipo estão fazendo bem ao País, vai acabar como o
Rei Pirro: quebrado em função de suas próprias vitórias inúteis.
No Conjur
Para introduzir o tema, lembro um
fato bizarro. Em batalha que venceu em 280 AC, o Rei Pirro disse, respondendo a
um indivíduo que lhe demonstrou alegria pela vitória: "Mais uma vitória
como esta e estarei arruinado completamente". E disse isso apontando para
o que restou de suas tropas.
Pois no Brasil parece que logo
chegaremos a uma etapa pírrica (é pírrica e não pirrônica, que é outra coisa)
das operações com nomes fantásticos da Policia Federal autorizadas pela
Justiça. Cá para nós, há exageros midiáticos que correm o risco de serem
pírricos. Não gosto de teorias conspiratórias, mas já passamos por isso em
relação ao café e às febres suínas e coisas do gênero. Querem ver? A Polícia
Federal — claro que com ordem judicial — encontrou problemas em 21 unidades
produtoras de carnes, num total de quase cinco mil empresas (unidades de
produção), e suspeita de crimes praticados por 33 servidores, num universo de
11 mil funcionários do Ministério da Agricultura.
Resultado: pelo estardalhaço e a
generalização feita, a imagem do país ficou comprometida, a ponto de o presidente
da República reunir gente no domingo buscando acalmar os mercados
internacionais. Dizem até que ofereceu churrasco feito com carne argentina. Mas
não é disso que quero tratar.
Trago à colação o que pensa o setor
agropecuário disso, nas palavras de Francisco Turra, ex-ministro da
Agricultura, que disse: Não dá para a gente generalizar e vender a imagem de
que tudo é ruim, de que tudo é corrupto, corrompido e corruptível. Para abrir
mercado lá fora, a média tem sido de quase dez anos de luta. A maior injustiça
do mundo é jogar na lata do lixo todo esse trabalho, denegrindo o esforço de
muitos durante décadas.
Disse mais: somos os maiores
exportadores de carne bovina. É um absurdo nivelar tudo, generalizar, vender a
ideia de que no Brasil nada presta, de que tudo é podridão, é errado, nada está
na conformidade da lei. Quando é justamente ao contrário: somos o país que tem
a melhor biosseguridade.
Parece que, com exceção da Polícia
Federal, do Ministério Público Federal e do Poder judiciário, há uma quase
unanimidade de que houve exagero (ver também aqui: criminalista vê
irresponsabilidade nas acusações à carne brasileira) . Pergunto: por que
precisa haver entrevista coletiva? Por que divulgar diálogos resultantes de
escutas telefônicas, se a lei não permite essas divulgações? Não entendi também
por que foi possível interceptar o ministro da Justiça (na ocasião da
intercepção, era deputado federal). Ele não tinha foro por prerrogativa de
foro? Como divulgaram a sua fala? Parece que a divulgação ilícita de
interceptações fez e faz escola. Já não aprenderam suficiente com o episódio
das escutas da ex-presidente Dilma, do ex-senador Demóstenes, tudo anulado pelo
Supremo Tribunal Federal?
Depois do famoso power point, parece
que há uma disputa para ver quem faz mais pirotecnia. Falta só ter trilha
sonora, tipo Cavalgada das Valquírias ou Crepúsculo dos Deuses como abertura da
coletiva. Imaginemos que isso vire regra e as generalizações também. Se alguns
policiais forem pegos em uma operação, vale uma entrevista coletiva colocando
toda a polícia na berlinda? Se pegarem juízes ou promotores envolvidos em
irregularidades, vale fazer coletiva colocando todo o Poder Judiciário e o
Ministério Público sob suspeita? Alguns jogadores são pegos no antidoping. Vale
colocar na berlinda a lisura das disputas do Campeonato Brasileiro, a maior
competição do mundo?
Se a resposta é não — e, para mim, é,
efetivamente, “não, não pode fazer isso” — então também a Polícia federal não
poderia ter feito o noticiamento dessa operação “carne fraca” desse modo.
Parece que a carne é fraca mesmo diante de holofotes e exclusivas na GloboNews,
para o gáudio dos filósofos brasileiros-alemães Birbaum (Pereira) e Kabina
(Camarote).
Cuidemos para que não repitamos o
“vitorioso” Rei Pirro. Temos de vencer, mas sem perder as tropas. Não
precisamos jogar fora a criança junto com a água suja. Sim, o Brasil pode até
ser uma chinelagem. Mas é meu país. É nosso país. Como na anedota: a mulher diz
para a vizinha — sim, comadre, sei que meu marido é tudo isso que você diz; mas
é meu. Em minha casa eu e ele resolvemos isso (usei o exemplo ao contrário do
que se fala no imaginário popular, para evitar ser acusado de sexismo — hoje em
dia isso pode dar coletiva).
Nosso sistema de fiscalização de
carnes está com problemas? OK. Mas em que grau? Podemos generalizar isso, com
pi(r)rotecnia, a ponto de prejudicarmos o país no mercado internacional? Pirro
rima com pi(r)rotecnia.
Imaginemos uma entrevista coletiva
contando quantas mortes ocorreram no final de semana nas capitais. Nem isso
deve ser generalizado, embora os números assustem. Caso contrário, fizéssemos
um power point disso, ninguém mais viria para o Brasil. E nós mesmos fugiríamos
para as montanhas. E estocaríamos comida. Gente: vamos tocar o país para a
frente.
Nota: agora, segunda-feira (20/3) à
tarde, uma TV italiana, em programa de culinária, tirava onda com a carne
brasileira. Estamos na boca do mundo; mientrastanto que escrevia este texto,
fiquei sabendo que o Chile cancelou as importações de carne; e a União Europeia
não quer carne dos frigoríficos listados na operação. Fora outras defecções.
Bingo.
Como diz o Rei Pirro...
Com informações do GGN, por Lenio
Luiz Streck, jurista, professor de Direito Constitucional e pós-doutor em
Direito. Sócio do escritório Streck e Trindade Advogados Associados:
www.streckadvogados.com.br.