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quarta-feira, 19 de julho de 2017

Por que Lula?, por Roberto Amaral

Sem surpresa, o País recebeu a anunciada condenação de Lula, sentença que já estava pronta antes mesmo da mal articulada denúncia do Ministério Público Federal, antes mesmo do julgamento na 'República de Curitiba', pois, antes de tudo, estava lavrada pelas classes dominantes – os rentistas da Avenida Paulista, as "elites" alienadas, a burguesia preconceituosa, um empresariado sem vínculos com os destinos do povo e de seu país. Uma "elite" movida pelo ódio e pela inveja que alimenta a vendeta. Denúncia, julgamento, condenação constituem uma só operação política, cujo objetivo é avançar mais um passo na consolidação do golpe em progresso iniciado com a deposição da presidenta Dilma Rousseff.

Tomado de assalto o poder, cumpriria agora destruir eleitoralmente a esquerda, numa ofensiva que lembra a ditadura instalada em 1964. Para destruir a esquerda é preciso destruir seu principal símbolo, assim como para destruir o trabalhismo caberia destruir o melhor legado de Getúlio Vargas. Não por mera coincidência, o dr. Sérgio Moro decidiu dar à luz a sentença a ele encomendada no dia seguinte em que o Senado Federal violentava a Consolidação das Leis do Trabalho.

Desinformando e formando opinião, exaltando seus apaniguados e difamando aqueles que considera seus inimigos, inimigos de classe, a grande imprensa brasileira promove o cerco político, e tece as base da ofensiva ideológica unilateral, porque produto de um monólogo.

Essa imprensa – um oligopólio empresarial, um monopólio político-partidário-ideológico e na verdade o principal partido da direita – que exigiu e obteve a condenação de Lula (e presentemente tenta justificá-la, embora carente de argumentos) recebeu com rojões juninos a sentença encomendada, mas logo se enfureceu porque Lula recusou o cadafalso político e anunciou sua candidatura à presidência.

Ora, dizem os editoriais, os articulistas, os colaboradores, dizem os "cientistas" políticos do sistema, Lula não pode ser candidato, o que revela a motivação da sentença. Já há "cientistas" exigindo que o TRF-4, em Porto Alegre, confirme sem tardança a condenação, e "filósofos" anunciando que a candidatura Lula é um desserviço à democracia (ela que lidera todas as pesquisas de intenção de voto) porque "polarizaria" o debate e as eleições. Doria, não. Bolsonaro, não. Caiado, não. Alckmin tampouco polariza. Mas Lula, sim; por isso precisa ser defenestrado.

A "vênus de prata" já começou a campanha visando à condenação de Lula na segunda instância, e o Estadão (edição de 14 último) anuncia que o "Supremo deve manter condenação de Lula".

Somos testemunhas da tentativa de revanche da direita brasileira. Impedir a candidatura Lula é a defesa prévia ante a ameaça de a população demolir o golpe com as eleições de 2018.

O fato de o libelo (e jamais sentença) de Moro ser obra conhecida, segredo de polichinelo, não releva seu caráter mesquinho e iníquo, ademais de sua inépcia jurídica, desnudada. Do ponto de vista do direito, a "sentença" é um mostrengo e se fundamenta em ilações, presunções, talvez "convicções", artifícios de raciocínio em conflito com a lógica.

Contrariando o direito, que só conhece propriedade e posse, o juiz inventa a figura do "proprietário de fato". A propriedade, segundo nosso Código Civil, se prova mediante o registro em Cartório, mas para acusar Lula se aceita que uma simples delação do proprietário real seja recebida como transferência, e como esse proprietário supostamente doador, empreiteiro respondendo a processos, é usufrutuário de falcatruas, conclui o juiz açodado que o apartamento deve ter sido dado em retribuição a alguma facilidade propiciada pelo ex-presidente, trata-se, portanto, de uma propina. E se é propina, Lula é agente passivo de corrupção.

E por tais caminhos sinuosos, mediante tal exercício de lógica pedestre, condena à cadeia o ex-presidente, para puni-lo, evidentemente, mas para punir antes de tudo com a decretação de sua inelegibilidade. É disto que se trata. Não cabe, pois, discutir a gramática processualística, simples apoio formal de uma decisão eminentemente política, e, do ponto de vista político, um golpe preventivo em face das eleições de 2018, das quais previamente e precatadamente se elimina o candidato que lidera as pesquisas de intenção de voto. É preciso abater esse candidato, pelo que ele simboliza. E assim, e só assim, as eleições poderão realizar-se, disputada a presidência entre Francisco e Chico.

Como temos insistido, às forças do atraso não bastava o impeachment de Dilma Rousseff, pois, o projeto em andamento é a implantação de um regime de exceção jurídica voltado para a desmontagem de um projeto de Estado social, mal enunciado. E um regime com tais características e com tais propósitos jamais alçaria voo dependendo do apoio popular. Daí o golpe. À sua execução se entregou o Congresso, sem ouvidos para as vozes das ruas, surdo em face dos interesses do País e de seu povo, desapartado da representação popular, a serviço do mercado, como tonitrua, sem pejo, o atual presidente da Câmara.

A eliminação de Lula é, pois, a conditio sine qua non do novo sistema para manter o calendário eleitoral, pois as eleições, para serem realizadas, não poderão importar em risco. De uma forma ou de outra, trata-se de um golpe, afastando-se uma vez mais do povo o direito de escolher seus dirigentes.

A identificação de Lula como alvo da reação não é gratuita, nem fato isolado. Lula de há muito transcendeu os limites de eventual projeto pessoal, é mais do que um ex-presidente da República, e é muito mais que fundador e presidente do PT. Independentemente de sua vontade e da vontade de seus inimigos, é, para além de sua popularidade, o mais destacado ícone da esquerda e das forças populares brasileiras. Lula é, hoje, e em que pesem suas contradições, um símbolo, um símbolo da capacidade de nosso povo fazer-se agente de sua História. É um símbolo das possibilidades de o ser humano vencer suas circunstâncias, romper com as contingências e fazer-se ator. Simboliza a potência do povão, do povo-massa, dos "de baixo", dos filhos da Senzala como sujeitos históricos. Simboliza a possibilidade de o homem comum, um operário, romper com as amarras da sociedade de classes, racista e preconceituosa, e liderá-la num projeto de construção de uma sociedade em busca de menos desigualdade social. Por isso é amado e odiado.

Símbolos assim constituem instrumentos de importância capital nos confrontos políticos por sua capacidade de emocionar e mobilizar multidões. Símbolos deste tipo não surgem como frutos do acaso nem se multiplicam facilmente, nem se constroem da noite para o dia. Emergem em circunstâncias especiais, atendendo a demandas concretas da sociedade. São construídos ao longo de certo tempo de provação, de testes dolorosos, como ocorre com os heróis clássicos, percebidos pela comunidade como portadores de virtudes.

O símbolo Lula não é produto do acaso, nem consequência de um projeto individual. Trata-se do fruto histórico resultante do encontro do movimento sindical com as lutas populares, construindo a primeira liderança política brasileira que emergiu do proletariado, do chão de fábrica, para a Presidência da República. Um feito de dificílima repetição, neste país aferrado ao autoritarismo conservador.

É contra esse instrumento da luta política de massa que se arma a prepotência das classes dominantes brasileiras, filhas do escravismo, incuravelmente reacionárias, incuravelmente atrasadas, presas à ideologia da Casa Grande, desapartadas dos interesses do povo e da nação, descomprometidas com o futuro do país.

Ao abater Lula, pretende a direita brasileira dizer que o povo – no caso um ex-imigrante do Nordeste profundo, sobrevivente da fome, um ex-metalúrgico, um brasileiro homem-comum, um dos nossos –, não pode ter acesso ao Olimpo reservado aos donos do poder. É um "chega prá-lá", um "conheça o seu lugar", um "não se atreva", um "veja com quem está falando".

A condenação de Lula tem o objetivo de barrar a emergência das massas, barrar os interesses da nação, barrar o avanço social, barrar o ideal de um Brasil desenvolvido e justo. Visa a barrar não o lulismo, mas todo o movimento popular brasileiro. Quer deter não apenas o PT, mas todas as organizações políticas do espectro popular (que não se enganem a esse respeito aqueles que sonham em crescer nos eventuais escombros do lulopetismo).

A defesa de Lula, a partir de agora, não é uma tarefa, apenas, de seu partido e dos seus seguidores. Ela representa, hoje, a defesa da democracia. É só a primeira batalha, pois muitas nos aguardam até 2018.

GGN

sábado, 15 de julho de 2017

Roberto Bitencourt da Silva: A trajetória do ex-presidente Lula e os dilemas e desafios do Brasil

Foto Stringer/Reuters

A condenação judicial do ex-presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, representa um novo e grave capítulo do movimento golpista empresarial-midiático-judicial, que destituiu ilegitimamente uma presidente eleita e rasgou a Constituição de 1988.

No momento, as consequências imediatas ao ex-presidente não ultrapassam os limites do aborrecimento e da vexação persecutória. Para o sistema político e demais círculos da institucionalidade brasileira, delineados na transição da ditadura à democracia representativa e normatizados na Carta Constitucional de 1988, os efeitos potenciais beiram a pá de cal.

As atitudes em resposta à arbitrária decisão do Judiciário foram heterogêneas, envolvendo amplíssimo leque de opiniões e predisposições políticas no País. Marcadas tanto por comemorações deliberadas, cínicas e irrefletidas, quanto por gestos de solidariedade a Lula. Em relação aos últimos, manifestações atravessadas por exaltações acríticas, como também por ponderações que não deixavam de lastimar as suas opções políticas.

Nesse sentido, considero que tende a imperar nas avaliações sobre o ex-presidente um misto de satanização, mistificação e ilusão, infrutíferos à compreensão da relevância histórica e política de Lula. Igualmente, tendentes a obscurecer as suas acentuadas limitações.

Em primeiro lugar, vale chamar a atenção para o fato de que a reflexão política e histórica apoiada exclusivamente no comportamento e nas escolhas de um indivíduo tem nula capacidade explicativa. O contexto que enreda o sujeito, sua formação política e suas redes simbólicas e materiais de sociabilidade, tem grande peso na ação individual.

Lula tem quase 40 anos de atividade política exercida no centro da cena nacional. O ex-presidente não deixa de constituir um amálgama de diferentes tempos, lutas sociais, expectativas e cosmovisões políticas brasileiras, também influenciadas pelos distintos panoramas internacionais.

Como líder carismático que é, a trajetória de Lula tem sido caracterizada como a de um depositário de esperanças, anseios e vicissitudes dos seus seguidores. A sua força ou fraqueza, lembraria a teoria sociológica de Max Weber, é, em boa medida, expressão dos atributos e predicados daqueles que investem em Lula a capa do carisma.

Tomando como premissa a feliz expressão utilizada para intitular a cinebiografia do ex-presidente (dirigida por Fábio Barreto), “Lula, o filho do Brasil”, destaco abaixo alguns traços da longa trajetória política de Lula, com vistas a assinalar algumas congruências, características, dilemas e limitações que entrecruza(ra)m o personagem e o País.

1)      Lula entrou no cenário nacional a partir da liderança sindical desempenhada na São Paulo das multinacionais. Um estado que alcançou hegemonia cultural, política e econômica no País, após o golpe de 1964.

2)      Era integrante de uma aristocracia operária. O capital estrangeiro concebido como variável importante para a geração de oportunidades de ascensão social dos trabalhadores. Nenhuma problematização acerca do perfil de atuação dos chamados investimentos externos na economia brasileira. A ditadura promoveu o ambiente ideológico entreguista favorável a tal percepção, precisamente por expurgar os nacionalistas do pré-1964, na seara partidária e nos movimentos sociais.

3)      Esse é um elemento decisivo do DNA político de Lula. Atravessa toda a sua trajetória. O filme de Leon Hirszman (“ABC da greve”, 1979) é muito ilustrativo. Não apenas demonstra a capacidade retórica e política de um tremendo galvanizador de vontades. Expressa também uma veia corporativista, de quem estava integrado ao sistema, na sua margem esquerda, sindical: o resultado das negociações com integrantes da Fiesp e do governo civil-militar foi a elevação dos salários dos metalúrgicos, mas assentada na determinação de reduções tributárias às empresas do setor.

4)      Nesse período de abertura, ao mesmo tempo em que Lula encontrava-se submetido à vigilância dos aparatos de poder, possuía espaço na grande imprensa para posicionar-se de maneira messiânica como líder da classe trabalhadora.

5)      Para o regozijo da Fiesp, das multinacionais, da burguesia doméstica e de muitos intelectuais uspianos, motivado por razões diferentes, a grande imprensa igualmente reservava espaço para Lula tecer considerações como a que segue: “A CLT é fruto do fascismo de Getúlio Vargas”. Pouco importava se a longa ditadura, então em erosão, havia sido instalada exatamente para silenciar os herdeiros políticos de Vargas.

6)      Uma teoria sociológica bastante influente, produzida na USP e operacionalizada por meio do uso de uma vaga e controversa categoria interpretativa – o populismo –, contribuiu para a criação da ambiência de ideias que permitiu construir notória legitimidade ao partido nascente de Lula. Denotando claro sabor europeizante, identificava na classe operária industrial o agente portador das mudanças sociais no País. Com efeito, Lula era símbolo maior. Mas, não importava se essa indústria era transplantada de fora. A questão nacional escanteada.

7)      No curso da década de 1980, a CUT e o PT participaram ativamente da organização e da mobilização de amplas frações da classe trabalhadora e da pequena burguesia, na cidade e no campo. Com isso, ofereceram importante contribuição para a reverberação e a introdução de direitos sociais na Constituição de 1988. Seguramente, Lula despontava como voz saliente nesse processo.

8)       Acompanhados de outros setores das esquerdas, especialmente do brizolismo, o PT e Lula deram grande colaboração na feitura de uma Constituição que ao menos buscasse compatibilizar, de maneira contraditória, os interesses e as aspirações dos de cima e de baixo da sociedade brasileira.

9)      Uma democracia enclausurada, nada afeita à participação popular nos processos decisórios, foi o fruto da correlação de forças políticas nesse período. Assegurando alguns direitos coletivos e sociais na carta magna e mantendo a CLT, contudo um pacto desigual e contraditório foi o resultado daquela correlação de forças.

10)   Direta ou indiretamente, em maior ou menor escala, todos os principais partidos políticos eram condicionados àquele ordenamento sistêmico. O PT não escapou à regra, como ficou bastante evidenciado posteriormente, nos anos de lulopragmatismo à frente do governo federal.

11)   O eleitoralismo foi prevalecendo, com a acomodação natural ao sistema político, à pauta midiática e aos contornos econômicos delimitados pela inserção subordinada, periférica e dependente do País na divisão internacional do trabalho.

12)   Especialmente no período de boom das exportações de bens primários – mais ou menos entre 2005 e 2012 –, o ex-presidente Lula foi alçado à posição de líder maior do sistema brasileiro capitalista subalterno e dependente. Expressão máxima, mais avançada, da conciliação de classes sustentada pela Constituição e da operacionalização de frutos econômicos nos marcos da dependência externa.

13)    Com isso, o grande capital nacional e internacional auferiu lucros extraordinários, sendo compatibilizados com a geração de empregos dotados de baixos salários e parca densidade educacional. O capitalismo periférico preservado, mas legitimado com oportunidades crescentes de trabalho assalariado e consumo popular.

14)   A fome, “retrato mais agudo do subdesenvolvimento”, como diria o bom e velho geógrafo Josué de Castro, combatida, entre outros, por intermédio de políticas oficiais de transferência de (pequenos) rendimentos. No interior sistêmico dos principais partidos, sobretudo Lula e o PT poderiam ter essa (tímida, mas importante) sensibilidade social.

15)   Grande respaldo popular de Lula no exterior, em particular na América Latina. Quem acompanhou o noticiário internacional e os posicionamentos de lideranças de nosso subcontinente pôde ter visto. Quem viajou até poucos anos atrás para alguns desses países, presenciou a imagem extremamente positiva de Lula entre nossos coirmãos.

16)   Um fenômeno que não era/é gratuito, em função da abertura da política externa brasileira ao Sul global, adotada por Lula e, um pouco menos, por Dilma, conferindo respaldo e credibilidade às ações de governos progressistas da região.

17)   Mesmo submetido aos parâmetros do capitalismo periférico e subordinado, o lulopragmatismo tentava de maneira “silenciosa” alternativas creditícias e comerciais ao centro capitalista: a participação na formação dos BRICS foi medida ousada, que pode(ria) incidir na correlação de forças internacionais. Especialmente deslocar o peso do FMI e do Banco Mundial enquanto fonte de empréstimos e condicionamentos.

18)   Contudo, não foram levadas a cabo medidas econômicas e políticas internas que dessem sustentação a uma participação mais sólida do Brasil no bloco.

19)   Por conseguinte, a adoção da tática do apassivamento popular, apostando nos mecanismos tão saudados da “governabilidade” possível, isto é, restringindo a participação política das classes trabalhadoras e de estratos da pequena burguesia ao ritual eleitoral, sob o influxo de negociações inter e intraelites.

20)   Nenhum caráter abertamente conflitivo frente ao grande capital nacional e internacional. Em meio à crise econômica derivada do refluxo das exportações, a presidente Dilma (PT) acenava para a agenda dos adversários conservadores, com apoio de Lula. Uma saída melancólica do governo, sem tensionar com a estrutura de poder, sem fazer qualquer apelo às camadas trabalhadoras e medianas. Sem qualquer medida de governo que oferecesse respostas à crise, pela via do atendimento das necessidades populares. Até hoje, aposta em algum milagre por cima, negociado.

Eis alguns traços muito esquemáticos da trajetória entrecruzada de Lula, seu partido e do Brasil das últimas décadas. Lula é um ator político complexo, ambíguo, controverso. Muito distante das costumeiras simplificações reducionistas, das avaliações unilaterais. Talvez consista na expressão mais saliente da solução de compromisso constitucional, hoje violada.

À esquerda do PT, particularmente entre os partidos que nasceram do seu desgarramento, as habituais denúncias de “traição” não convencem. Revelam muito mais as sofridas ilusões depositadas em Lula e no PT, por setores ditos socialistas que se desvincularam do PT. Como também o caráter colonizado, sobretudo eurocêntrico, das esquerdas brasileiras atuais.

Nos quadros de uma nação periférica, subdesenvolvida, convenhamos, um líder nascido da contraditória articulação entre questão social e apoio irrefletido ao capital estrangeiro, desde o início deveria indicar significativas limitações para as esperanças mudancistas. Talvez fosse a consciência política possível durante anos, entre as esquerdas, os movimentos sociais e sindicais. Deve, no entanto, urgentemente, ser superada. É ingenuidade.

Nos termos da tensão mais recente, ou a CLT ou a Fiesp (testa de ferro de multinacionais). Não há conciliação possível. Perdeu a CLT, “fascista”, como antigamente Lula e o petismo afirmavam. O grande capital, que visa o incremento da superexploração do trabalho, agradece.

A ruptura institucional em vigor, com o golpismo galopante, representa aguda guerra de classes imprimida pelas burguesias doméstica e forânea. A visão e a esperança mítica do petismo, em nossos dias, em torno da “salvação” nacional por meio de uma hipotética eleição presidencial de Lula, são componentes, no mínimo, questionáveis e ilusórios.

A habilidade negociadora do ex-presidente de nada serve no atual cenário. Ao menos, não para responder aos desafios da intensificação da dependência, de um neocolonialismo atroz, impostos pela agenda reacionária do bloco golpista.

O Brasil corre o sério risco de desintegração territorial, de alienação absoluta de qualquer laivo de soberania. E as burguesias associadas, de fora e de dentro da Nação, já demonstraram que esse é o seu projeto. A crise capitalista internacional, há alguns anos, em especial exemplificada pela atuação da “polícia” no mundo – os EUA –, responde, como alternativa, à violação sistemática do princípio da autodeterminação dos povos. Soberanias nacionais no Terceiro Mundo agredidas – com recursos hard ou soft –, almejando a expansão dos processos de mercantilização/comoditização. Absolutamente de tudo.

Por outro lado, as frações menores do capital nacional, setores da média e pequena burguesia, que tanto demonizam o ex-presidente, irrefletidamente jogam para escanteio o único líder que, mantendo os contornos do capitalismo periférico, atenderia aos seus interesses. Romper com as amarras do subdesenvolvimento, então, isso seria pedir muito a esses estratos de classe. Ciosos demais em garantir privilégios mesquinhos e portadores de um ultrajante colonialismo mental americanófilo. Servos voluntários do império.

Isso posto, na atualidade, a questão não é saber se Lula é “demônio” ou “salvador”. Não é uma coisa, nem outra. É saber se ele será completamente descartado pelo sistema em um avassalador processo neocolonizador, em que não há espaço para Lula, ou se será reincorporado, via solução de compromisso que mantenha a agenda neoconservadora prevalecente, com pequena atenuação, para resgatar um fiapo de credibilidade ao moribundo sistema político, institucional e econômico em processo de reconfiguração. Para pior.

Nesse caso, tenderia a exercer o papel de uma espécie de Perón dos anos 1970. Sem força, nem energia. Subjugado e rendido integralmente ao sistema. Por isso, entendo que o ex-presidente Lula e o seu partido já cumpriram os seus papeis históricos.

Para o Povo Brasileiro a única saída é organizar-se, formular e repercutir uma agenda antissistêmica, que vá além das linhas do subdesenvolvimento e do capitalismo dependente e periférico. Trata-se de uma luta de média e longa duração.

No momento, como ficou bastante evidente na fácil supressão das conquistas trabalhistas históricas, os agentes da mudança não apareceram. Mesmo a capacidade de resistência popular encontra-se frágil. Anos a fio de amplo apassivamento e desmobilização – sobretudo das centrais sindicais – não são superados em um estalar de dedos.

Ademais, os dilatados e a cada dia crescentes subemprego e desemprego, além de um sistema individualista e neoliberal de crenças, diuturnamente veiculado nos meios de comunicação, têm corroído duas matérias-primas centrais para as esquerdas, os movimentos sociais e a defesa dos interesses nacionais e populares: a solidariedade e a cooperação. Sem elas, não há mudança plausível. A emergência de alternativas e dos sujeitos da mudança irá requerer paciência, organização, mobilização, tempo e, em elevada medida, descolonização mental.

Roberto Bitencourt da Silva – cientista político e historiador.  
GGN

quinta-feira, 13 de julho de 2017

Cíntia Alves do GGN: Descarte de provas e supervalorização de delatores é em suma a sentença do triplex

Com acusação ligeiramente descaracterizada, recheada de delações sem provas e com documentos que convém ao viés explanacionista defendido por Deltan Dallagnol, Moro condenou Lula a 9 anos de prisão no caso triplex.
Foto: Filipe Araújo/Fotos Públicas

Quem acompanha o processo há algum tempo e leu a sentença de 218 páginas que Sergio Moro proferiu contra Lula no caso triplex, na quarta (12), pode ter ficado com a ligeira impressão de que o juiz estava com o documento parcialmente pronto desde março passado, quando Lula prestou depoimento em Curitiba e negou a posse ou interesse em fechar a compra do imóvel da OAS.

Isso porque a espinha dorsal da decisão de Moro nada mais é do que o conjunto de provas indiciárias que o Ministério Público Federal fabricou durante a investigação. Essas provas foram sintetizadas por Moro em 15 tópicos e o GGN os reproduziu aqui

As mais de 5 horas do depoimento de Lula foram reduzidas a trechos selecionados a dedo por Moro, para valorizar os indícios levantados pela acusação e transformar a defesa em algo inconsistente. E as provas que chegaram na reta final do processo - como as que relacionam o triplex à Caixa Econômica Federal - receberam atenção mínima, ao passo em que delações e depoimentos sem prova documental correspondente foram supervalorizados.    

Já no início da sentença, ao analisar as provas indiciárias (que incluem matéria de jornal, documentos rasurados e sem assinatura, cuja validade foi questionada por Lula), Moro deixa claro que nunca foi importante saber a quem o triplex pertence no papel e, por isso, todas as provas produzidas nesse sentido foram desprezadas.

"Afinal, nem a configuração do crime de corrupção, que se satisfaz com a solicitação ou a aceitação da vantagem indevida pelo agente público, nem a caracterização do crime de lavagem, que pressupõe estratagemas de ocultação e dissimulação, exigiriam para sua consumação a transferência formal da propriedade do Grupo OAS para o ex-presidente."

No mérito, é notável o esforço do juiz para enquadrar Lula como evasivo, contraditório e até mentiroso em sua defesa pessoal, além de taxar provas que poderiam contar em favor do ex-presidente como "fraudulentas" ou sem crédito.

Moro não se furtou em armar um ringue e narrar uma disputa entre o Lula que depôs à Polícia Federal e o Lula presente ao Juízo. O que o ex-presidente disse em Curitiba foi comparado ao que foi afirmando na condução coercitiva, com o intuito úncio de expôr eventuais incongruências. O magistrado desacreditou Lula principalmente sobre ele ter desistido de comprar o imóvel após visitá-lo, em fevereiro de 2014, e sobre a oferta e o conhecimento acerca das reformas.

"A única explicação disponível para as inconsistências e a ausência de esclarecimentos concretos é que, infelizmente, o ex-presidente faltou com a verdade dos fatos em seus depoimentos acerca do apartamento 164-A, triplex, no Guarujá", justificou.

O DESCARTE E O NÃO-ACONTECIMENTO COMO PROVA

Foram especialmente esses elementos - os documentos selecionados pela Lava Jato e as falas de Lula - que fizeram Moro declarar o petista dono do triplex. Era a hipótese mais plausível, em sua visão.

Mas ao construir a condenação, Moro abriu algumas lacunas. Tratou, por exemplo, diálogos que nunca ocorreram como prova que corrobora a acusação. 

É o caso da não existência de qualquer conversa com Lula sobre os custos da obra e da reforma no triplex. 

Moro sequer citou o depoimento de Paulo Okamotto sobre Léo Pinheiro ter sido informado que se Lula fosse comprar o triplex, seria pelo "preço de mercado". Como essa prova oral é incompatível com a versão da Lava Jato, foi sumariamente descartada, e deu lugar à cobrança por um diálogo que Moro acha que deveria ter existido para provar a inocência de Lula.

"Caso a situação do ex-presidente Lula e de Marisa Letícia em relação ao apartamento 164-A, triplex, fosse de potenciais compradores, seria natural que tivesse alguma discussão sobre o preço do apartamento, bem como sobre o valor gasto nas reformas, já que, em uma aquisição usual, teriam eles que arcar com esses preços, descontado apenas o já pago anteriormente.”

O mesmo ocorreu com pelo menos outras duas testemunhas da OAS apontaram ao MPF e ao juiz que Lula era um "potencial comprador" do triplex. Como Lula não perguntou o valor do imóvel a ninguém, Moro entendeu que os depoimentos que o colocar como comprador não tinham fundamento.

"(...) devem ser descartados como falsos, porque inconsistentes com as provas documentais constantes nos autos, os depoimentos no sentido de que o ex-presidente e sua esposa eram meros 'potenciais compradores', bem como os depoimentos no sentido de que teriam desistido de tal aquisição em fevereiro ou agosto de 2014, inclusive os depoimentos, ainda que contraditórios, prestados pelo próprio ex-presidente em Juízo e perante a autoridade policial." 

PSEUDO DELAÇÕES VALEM MAIS

Em paralelo, Moro ainda deu peso maior ao depoimento de Léo Pinheiro, sob a alegação de que ele tinha, mais do que ninguém, condições de revelar os bastidores do caso triplex, já que foi ele quem acertou que o imóvel seria de Lula em conversa com João Vaccari Neto - cuja versão dos fatos, aparentemente, não interessou ao Juízo.

Para Moro, não há nenhuma suspeita no fato de que, na reta final do processo, interessado numa delação premiada, Léo Pinheiro decidiu romper o silêncio e assinar embaixo das acusações do Ministério Público.

Pelo contrário: como ele admitiu um crime (triplex) e negou outro (contrato para armazenamento do acervo presidencial), isso prova que suas "declarações soam críveis".

"Caso sua intenção fosse mentir em Juízo em favor próprio e do ex-presidente Lula, negaria ambos os crimes.  Caso a intenção fosse mentir em Juízo somente para obter benefícios legais, afirmaria os dois crimes. Considerando que a sua narrativa envolvendo o apartamento triplex encontra apoio e corroboração em ampla prova documental, é o caso de igualmente dar-lhe crédito em seu relato sobre o armazenamento do acervo presidencial."

REPAGINANDO A ACUSAÇÃO 

Tão logo formou convicção de que o triplex era de Lula, Moro avançou na denúncia sobre a vantagem indevida ter sido paga a partir de esquema de corrupção na Petrobras.

Embora tenha sido taxado pelo time de Dallagnol de mentor da propinocracia no Brasil, Lula não foi condenado por ter sido ou não "artífice principal do esquema criminoso que vitimou a Petrobras."

"(...) para o julgamento do presente caso, basta verificar se existe prova de sua participação nos crimes de corrupção e lavagem narrados na denúncia, relativos ao três contratos da Petrobrás, e se foi ele beneficiado materialmente com parcela da vantagem indevida."

As provas de que Lula participou da corrupção na estatal são os depoimentos de delatores. Moro destacou dois: Delcídio do Amaral (cuja delação foi criticada por um procurador de Brasília pela falta de provas) e Pedro Corrêa (que, até hoje, não teve o acordo homologado pelo Supremo Tribunal Federal, também sob suspeita de falta de provas).

Além de usar apenas as delações, Moro, de certa forma, reformou a denúncia do MPF.

Os procuradores alegaram que a OAS pagou R$ 87 milhões em propina por conta de 3 contratos com a Petrobras. Com base exclusivamente na delação de Agenor Franklin Magalhães Medeiros, Moro decidiu que a propina ao PT era de R$ 16 milhões e Lula deveria ser condenado a pagar multa em cima desse valor.

Com acusação ligeiramente descaracterizada, recheada de delações sem provas e com documentos que convém à teoria explanacionista, é a sentença.

Os depoimentos colhidos no sentido de que Lula não poderia saber nem participava do esquema na Petrobras, para Moro, foram meramente “abonatórias”. "Sem embargo da qualidade dos depoentes, qualificam-se propriamente como testemunhas pessoas que conhecem os fatos do processo. Tais depoimentos no máximo tangenciam os fatos do processo, já que os depoentes não tinham conhecimento específico deles."

Arquivo
Confira a sentença-lula.pdf

GGN

quarta-feira, 12 de julho de 2017

Joaquim de Carvalho: Ao condenar Lula sem prova, Moro escreve o último capítulo de uma farsa

Lula quando prestou depoimento a Moro: o senhor tem que achar um jeito de me condenar. Se não, será execrado. Moro preferiu agradar a seus seguidores a respeitar a Constituição. A execração dele será no meio jurídico.

A condenação de Lula por Sérgio Moro parece uma notícia velha.

Ou a antinotícia.

Na definição clássica, notícia é quando o homem morde o cachorro. Quando o cachorro morde o homem, não é notícia.

Moro condenar Lula é algo equivalente ao cachorro morder o homem – é o normal.

Surpreendente seria a absolvição do ex-presidente na Vara de Curitiba.

É que Moro se colocou como parte nesse processo e foi visto assim por seguidores, por adversários e pela mídia.

Formalmente, era juiz. Mas, na prática, se comportou como acusador.

Portanto, ao condenar Lula, Moro só entrega o último capítulo de um roteiro que começou a ser escrito em 2006, quando, por manobra judicial, ele se vinculou a um inquérito que investigava o doleiro Alberto Youssef.

A sentença tem 216 páginas e, em muitos pontos, pode ser vista como uma peça de defesa do próprio juiz.

Logo nas primeiras páginas, ele tenta convencer de que é isento para julgar o ex-presidente, condição em que nem o seu mais radical defensor acredita.

Não é à toa que a revista Veja, ao tratar do depoimento de Lula a Sérgio Moro, no dia 10 de maio deste ano, fez uma capa em que os dois eram apresentados com máscara de atletas de luta livre.

O processo em que Lula acaba de ser condenado teve, portanto, um julgamento sem juiz.

Moro escreveu sobre essa suspeita em sua sentença:

“Então, ao contrário do que persiste alegando a Defesa de Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo em suas alegações finais, a decisões judiciais deste Juízo, conforme já apreciado nos foros próprios da Justiça, não foram criminosas e constituíram atos regulares no exercício da jurisdição.”

Atos regulares no exercício da jurisdição…

Em sua defesa, Moro argumenta que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região rejeitou as ações dos advogados de Lula sobre a sua parcialidade.

É fato.

Num dos julgamentos, o tribunal considerou que Moro conduz um processo excepcional.

“É sabido que os processos e investigações criminais decorrentes da chamada operação ‘lava jato’, sob a direção do magistrado representado, constituem caso inédito (único, excepcional) no Direito brasileiro. Em tais condições, neles haverá situações inéditas, que escaparão ao regramento genérico, destinado aos casos comuns”, afirmou o relator de um processo em que 19 advogados pediam o afastamento de Moro por ter violado a Constituição ao interceptar e divulgar conversas da então presidente da República, Dilma Rousseff.

Uau.

A considerar válido esse entendimento, a Vara de Moro seria um tribunal de exceção.

Nos últimos julgamentos, agora que a popularidade de Moro está em queda, o Tribunal já começou a barrar os abusos do juiz.

Um desses abusos, ainda não julgados nas instâncias superiores, é a autorização que ele deu para grampear o telefone dos advogados de Lula.

É muito grave, pois indica que ele, o Ministério Público e a Polícia Federal poderiam ter acesso a conversas sobre a estratégia de defesa de Lula.

Na sentença, Moro também gasta algumas páginas tentando se defender dessa acusação, que, em países civilizados, resultaria no afastamento imediato do juiz e na abertura de um processo.

Moro confessa que, de fato, a empresa de telefonia alertou que uma das linhas interceptadas por ele pertencia a um escritório de advocacia, que é, pela Constituição, inviolável.

Moro diz que, com a atenção tomada por “centenas de processos complexos”, não percebeu.

Na sentença contra Lula, Moro escreveu:

“É fato que, antes, a operadora de telefonia havia encaminhado ao Juízo ofícios informando que as interceptações haviam sido implantadas e nos quais havia referência, entre outros terminais, ao aludido terminal como titularizado pelo escritório de advocacia, mas esses ofícios, no quais (sic) o fato não é objeto de qualquer destaque e que não veiculam qualquer requerimento, não foram de fato percebidos pelo Juízo, com atenção tomada por centenas de processos complexos perante ele tramitando”.

Moro ainda tem em suas mãos um segundo processo contra Lula, o do sítio de Atibaia.

Mas foi no processo do tríplex que ele deu o seu canto de cisne.

Ele tomou a sua decisão com rapidez, de forma que o TRF tenha tempo de julgar Lula ainda antes da eleição de 2018.

Se Lula for condenado em segunda instância, a lei da ficha limpa proíbe sua candidatura.

Não há, no processo no tríplex, prova de que o imóvel pertença a Lula.
Os documentos provam que o imóvel pertence à OAS.

Nem Lula ou alguém da sua família passou uma noite sequer no imóvel.

Portanto, se não tem a propriedade legal e se não desfruta do bem, que tipo de dono é esse?

Condenar sem prova é um ato político.

Para quem conhece o processo, isso já está claro.

Aos poucos, apesar do massacre da Globo, isso também ficará claro perante o público em geral.

Moro, ao tentar tirar Lula da vida pública, pode ter dado a ele mais um trunfo para sua eleição a presidente em 2018.

DCM

Sérgio Moro cumpre seu papel e condena o ex-presidente Lula com sentença longa e vazia, por Fernando Brito

Sem que fosse surpresa para ninguém, Sérgio Moro condenou o ex-presidente Lula a nove anos e meio de prisão, em regime fechado.

Porque ele “recebeu” um apartamento no Guarujá que nunca lhe foi transferido ou teve qualquer promessa de entrega.

Mas não vem ao caso.

Só há uma coisa indiscutível na sentença de Moro, os parágrafos de número 48 e 49:

48. Questionam as Defesas de Luiz Inácio Lula da Silva e de Paulo Tarciso Okamoto a imparcialidade deste julgador.

49. Trata-se de questão já superada.

Absoluta verdade, Doutor Moro. Está claro para qualquer rpessoa neste país e por muitas partes do mundo que o senhor não apenas não é imparcial, mas um dedicado militante da causa do delenda Lula.

Ninguém na face da Terra acredita no que o senhor escreve:

A ampla cobertura jornalística à investigação denominada de ‘Operação Lava-Jato’, bem como a manifestação da opinião pública, favoráveis ou contrárias, para as quais o magistrado não tenha não acarretam a quebra da imparcialidade do magistrado.

Não, claro, ninguém viu o senhor esparramar-se no deleite dos holofotes, dos prêmios globais, nas palestras de João Dória e nem em vídeos e mensagens às manifestações “coxinhas”.

Tudo foi muito discreto, como apropriado a um juiz “imparcial”.

(…)o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva não está sendo julgado por sua opinião política e também não se encontra(sic)em avaliação as políticas por ele adotadas durante o período de seu Governo.

Também não tem (sic)qualquer relevância suas ( de Lula  ou de Moro?) eventuais pretensões futuras de participar de novas eleições ou assumir cargos públicos.

São, como se vê, alegações às quais não se pode dar concordância, exceto a verbal, que lhe falta.

Há páginas, páginas e mais páginas onde Moro afirma sua total neutralidade e todas as “liberdades” que deu à defesa, quando qualquer um que tenha assistido seus diálogos com os advogados de Lula, autoritários e descorteses.

Defende a condução coercitiva dizendo que – ahá! – os protestos surgidos por ela são sua própria justificativa, como se não pudesse ter marcado um depoimento.

E reclama da multidão que foi à Curitiba prestar solidariedade a Lula, de forma ordeira, porque exigiu “a montagem de um imenso esquema de segurança”. Quer dizer, Lula também é responsável por ter se montado uma praça de guerra na capital curtitibana.

Mas e a prova que o apartamento era de Lula? A compra, declarada no IR, de outra unidade do empreendimento e um documento, sem assinatura, que teria o número do tal “triplex”.

Diz que Lula “não apresentou explicação concreta nenhuma” sobre o fato de que a OAS não ter vendido o apartamento triplex, como se coubesse a ele responder, inclusive, por uma propriedade da empreiteira que estava penhorada à Caixa.

Há, depois, uma colagem de depoimento de delatores, embora nenhum deles faça menção a Lula, tudo para sustentar a tese – calçada unica exclusivamente no depoimento do Léo Pinheiro – de que João vaccari teria posto o apartamento  na “conta” de eventuais acertos com a OAS.

E Delírios incríveis, quando Moro, mesmo tendo de reconhecer o avanço do combate a corrupção diz que ele não promoveu ” a necessária alteração da exigência do trânsito em julgado da condenação criminal para início da execução da pena, algo fundamental para a efetividade da Justiça Criminal e que só proveio, mais recentemente, da alteração da jurisprudência do Egrégio Supremo Tribunal Federal (no HC 126.292, julgado em 17/02/2016, e nas ADCs 43 e 44, julgadas em 05/10/2016). Isso poderia ter sido promovido pelo Governo Federal por emenda à Constituição ou ele poderia ter agido para tentar antes reverter a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal”.

Olha, é difícil não mandar um juiz a alguma parte depois de uma manifestação destas. Quer dizer que Lula é culpado de não ter mudado a jurisprudência secular do Supremo Tribunal Federal? É repugnante, imbecil, idiota alguém que usa – ainda que tresloucada – uma argumentação de natureza meramente especulativa numa sentença criminal!

Não há, em qualquer ponto da sentença, sequer uma indicação objetiva de como Lula “recebia” vantagens, exceto a palavra dos delatores que fazem uma “conta de chegar”  para reduzir suas penas nesta e em outras ações que respondem. E que conseguiram, claro.

Na parte da guarda do acervo presidencial, obvio, seria ridículo condenar e Moro, o justo, absolve Lula.

São as primeiras observações, numa leitura , ainda superficial, da imensa sentença. Aliás, sua vastidão, como costuma acontecer nas peças de Direito, é indicativo de sua fraqueza. Direito é fato e lei, não argumento e suposição, que vêm a ser literatura.

No caso de Moro, um romance policial ao inverso.  Nos tradicionais, há um crime e procura-se o criminoso. Neste, há um criminoso para o qual, de forma deliberada e prolixa, procurou-se um crime.

A sua sentença, se ainda houver equilíbrio na Justiça deste país é  que está condenada à revogação. E olhe lá, porque, num exame frio, o caso era de nulidade, mesmo.

Tijolaço

domingo, 7 de maio de 2017

Resumo das notas inquisitoriais do pretor de Curitiba


O “Direito Morano”
 A propósito do ineditismo do “apelo” de Sérgio Moro pelo Facebook, um interessante resumo feito pelo pesquisador da Universidade de Brasília Fernando Horta sobre “algumas novidades do direito introduzidas pelo pretor de Curitiba”:

 intimação de advogado por SMS;
– prazo de oito horas para apresentar defesa;
– intimação de cia aérea para verificar se advogado viajou em dia de audiência não ocorrida;
– televisionamento ao vivo de audiência sob sigilo legal;
– prisão provisória de 3 anos;
– grampo telefônico por mais de 8 meses em TODOS os advogados do escritório da defesa;
– deferimento de ofício de condução coercitiva (não pedida pelo mp);
– apropriação indevida dos bens do acusado sem comprovação de prejuízo financeiro algum;
– manifestações via facebook;
– pedidos de “apoio da mídia” para coagir réus; 
– aceitação de delações premiadas depois de exarada sentença; 
– vazamentos de conversas sigilosas para redes de televisão;
– gravações ilegais e uso do material ilegal como base de decisão interlocutória;
– obrigação da presença do réus nas oitivas de testemunha;
– atração de competência “por conexão” de todos os processos relativos ao réu; 
– designação de parte da indenização a ser paga para entidades que não figuram nos polos da ação e não foram lesadas (mp e pf); 
– artigo “científico” afirmando que a “flexibilização dos direitos individuais é um preço pequeno a ser pago pelo combate à corrupção”. 
– acordos de cooperação judicial internacional sem o conhecimento ou anuência do congresso ou ministério da justiça; 
– negação de acesso da defesa aos autos “para não comprometer acordo internacional sigiloso” feito entre o juiz e um país estrangeiro; 
– réus que recebem percentual sobre os valores reavidos em ação e mantém bens obtidos com dinheiro de ações ilícitas com a anuência do juízo; 
– o próprio juiz figura como “chefe de força tarefa” figurando, em realidade, no polo acusatório;

No século XIX nossos juristas e nosso imperador emendaram o livro “o espírito das leis” e criaram um quarto poder (o poder moderador). “Jênios”. Agora um juiz brasileiro “revoluciona” o direito no mundo … E sua corte superior chancela tudo, dizendo que “é um caso de exceção”. O direito agora tem jurisprudência defendendo o casuísmo, a norma ad hoc e o “in dubio contra a esquerda”.

Talvez você devesse ler sobre a “lei em movimento” e o juiz Roland Freisler que serviu ao nazismo.

Moro é um caso a ser objeto de estudos mundiais. Sobre o que, claro, deve ser evitado a qualquer preço pela Justiça, se ela quer manter este nome.

 Do Tijolaço